Alternativas de manejo da podridão negra em couve-flor

Entre as medidas para o manejo da bactéria Xanthomonas campestris se encontra a adição de extratos vegetais e minerais

01.09.2020 | 20:59 (UTC -3)
Cultivar Hortaliças e Frutas

O principal limitador de produtividade da couve-flor é uma bactéria denominada de Xanthomonas campestris pv. campestris, popularmente conhecida como podridão negra, que pode ocorrer em todas as regiões de cultivo e afeta a planta em qualquer fase de desenvolvimento. Este patógeno é de fácil disseminação e se manifesta em ampla faixa de temperatura. Nos estágios mais avançados pode ocorrer murcha e queda prematura das folhas, o que gera perdas significativas. 

Essa bactéria infecta o interior da planta hospedeira, principalmente através de estômatos, hidatódios e/ou injúrias, apresentando sintomas característicos como amarelecimento do bordo foliar, progredindo para uma necrose em formato característico de “V”, com vértices voltados para as nervuras centrais. Progredindo, consegue invadir os vasos condutores, provoca escurecimento e limita a circulação de seiva, o que ocasiona a murcha foliar. Em casos de ataques severos leva a planta à morte antes mesmo da formação da “cabeça”. 

Poucos são os defensivos estudados para o controle deste patógeno. A complexidade de fatores envolvidos no desenvolvimento da doença requerer mais de um método de controle para que se obtenha êxito. Ao se avaliar o modo de ação de vários princípios ativos, pode-se chegar a uma combinação útil e eficaz.  

O controle alternativo de doenças pode ser realizado através do uso de estratégias de controle biológico e da indução de resistência a partir do emprego de moléculas ou substâncias elicitoras, como extratos vegetais e minerais. O uso de minerais também vem sendo comprovadamente eficaz no combate às doenças em diferentes cultivares, podendo fortalecer a parede celular das plantas. A aplicação desses produtos pode ser realizada no solo ou em via aérea.

EXPERIMENTO  

Com o objetivo de avaliar a eficiência de diferentes produtos químicos na prevenção e no controle do aparecimento da podridão negra, bem como sua influência na produtividade da couve-flor, um experimento foi realizado em lavoura comercial na cidade de Guabiju, Rio Grande do Sul. A variedade utilizada foi um híbrido de nome comercial Korlanu. Nesta área, aração e gradagem são efetuadas a fim de acelerar a decomposição dos restos culturais para encurtar o ciclo de vida do patógeno. Como cobertura vegetal se utilizou milheto (Pennisetum glaucum) com o objetivo reduzir a incidência de plantas guaxas e hospedeiras.  

No dia 18 de fevereiro de 2018, o solo recebeu adubação de correção total e manutenção, conforme recomendação técnica. A disposição dos tratamentos nos blocos se deu através de sorteio. Cada bloco teve sete tratamentos (Tabela 1) e três repetições. Cada unidade experimental ocupava uma área de 13,5m², tendo três metros de comprimento por 4,5 metros de largura.  

As mudas de couve-flor foram adquiridas de um viveirista com uniformidade no tamanho, de aproximadamente 15cm. Estas foram produzidas com substrato orgânico em bandejas de isopor com 250 células, onde ainda no viveiro receberam tratamento com inseticida e fungicida visando à sanidade das mesmas até a data do transplante. 

Aos 35 dias após a semeadura, foi efetuado o transplante das 630 mudas de couve-flor (210 unidades cada bloco e 30 cada repetição), que contou com auxílio de uma plantadeira manual, observando o espaçamento de aproximadamente 0,75m entre linhas e 0,6m entre plantas. Aos quatro dias após o transplante (DAT) foi realizado o replantio dos exemplares que morreram devido a fatores ambientais. Estes exemplares não foram considerados na diagnose e avaliação final, mas receberam os mesmos tratos que os demais, tendo única e exclusiva finalidade de povoar o espaço desocupado. Nesta mesma data, foram iniciados os tratamentos nos blocos, sendo incorporados os nutrientes silício (T3), hidróxido de cobre (T5) e enxofre (T7). Com auxílio de uma balança de precisão foi realizada a pesagem destes produtos e, conforme dosagens obtidas na literatura e determinadas pelos fabricantes, se utilizou a dose de 1g/m². A aplicação foi realizada no entorno das plantas, distante aproximadamente 3cm, e com uso de uma enxada foi efetuada a incorporação. A aplicação foliar dos produtos comerciais foi realizada aos 24, 39, 54, 69 e 89 DAT, conforme descrito na Tabela 1, de igual forma em todas as datas. Todos os tratamentos, incluindo a testemunha, receberam controle químico de inseticida do grupo químico carbamato, de forma homogênea. 

Para a aplicação dos tratamentos via foliar foi utilizada máquina costal com bicos em leque e, concomitantemente, empregado espalhante adesivo para facilitar a homogeneização na superfície foliar. A distribuição dos tratamentos nos blocos se deu por sorteio. A irrigação por aspersão superficial foi realizada sempre que a umidade do solo estava baixa. Aos 39 DAT foi realizada a inoculação do patógeno em todas as plantas. O inóculo foi obtido através da moagem de folhas de plantas diagnosticadas com Podridão Negra. As plantas eram oriundas de outra área, sendo que foi retirada uma parte do limbo foliar com maior severidade da doença. A moagem foi efetuada com auxílio de um triturador, para o rompimento celular e a exposição do patógeno. Esse processo resultou em uma solução pastosa, onde posteriormente foram adicionados alguns palitos de madeira pontiagudos, que permaneceram por aproximadamente 30 minutos em contato com a solução e, posteriormente, foram inseridos no limbo de uma folha de cada planta do experimento.

Aos 84 e 97 DAT foi realizada a avaliação das plantas que possuíam porte aceitável para comercialização. Destas plantas, foram retiradas, aleatoriamente, folhas do terço médio/inferior com o intuito de avaliar a área foliar acometida pelo patógeno (severidade). A avaliação se deu através de uma tabela comparativa ou escala diagramática, elaborada pelos autores, utilizando-se de sete folhas retiradas da lavoura e afetadas pela doença, que apresentavam graus distintos da lesão, proporcionando estabelecer graus de severidade ou notas de 1 a 7, onde 1 não apresenta sintomas visíveis e 7, a máxima severidade constatada na área. Aos 97 DAT foram também pesados e anotados os pesos das inflorescências, com auxílio de uma balança de precisão.

Escala de notas de severidade de podridão negra em couve-flor, construída a partir das plantas infectadas presentes na área
Escala de notas de severidade de podridão negra em couve-flor, construída a partir das plantas infectadas presentes na área

Para aferir a severidade de cada planta, foram retiradas três folhas da parte mediana que melhor representavam o aspecto visual ou média de severidade daquela planta.  

Os dados obtidos foram submetidos à análise de variância, através do software Sisvar, e as médias comparadas pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade de erro.  

Aos 24, 39, 54 e 69 DAT as plantas não apresentavam sintomatologia da doença. A partir dos 84 DAT os primeiros sintomas começaram a aparecer, dando início às avaliações de severidade. Foram realizadas duas avaliações aos 84 e 97 DAT.  

Com relação à severidade, aos 84 DAT, o tratamento T3 (silício 68%) foi o que apresentou maior nota, inclusive sendo pouco maior que a testemunha, e o tratamento T2 (N, C e aminoácidos) foi o que apresentou a menor nota (Tabela 2). Essa menor nota, acredita-se ser resultado da presença de aminoácidos que proporcionam maior turgescência e vigor à planta favorecendo, inclusive, a produção de proteínas de defesa.  

Aos 97 DAT, a menor nota foi apresentada pelo tratamento T7 (enxofre) e a maior nota permaneceu sendo T3 (silício 68%). O silício, apesar de ser relatado como importante no sistema de defesa das plantas, fortalecendo a parede celular e ativando mecanismos de defesa, nesta interação não apresentou relevância. Entretanto, não houve correlação direta entre as notas e os pesos da inflorescência, pois, por exemplo, T7 que apresentou uma das menores notas de severidade também demonstrou menor valor de peso da inflorescência e de três inflorescências (Tabela 2). O tratamento T7 apresentou folhas mais jovens que os demais e com maior sanidade. Autores citam que os produtos à base de enxofre apresentam ação curativa e erradicante, devido à emissão de vapores que são originados depois da aplicação. Ao penetrar nas células, o enxofre reduz a produção de energia, impedindo a multiplicação das células do patógeno, provocando a sua eliminação. Apesar da baixa severidade em T7, este tratamento apresentou baixo peso da inflorescência. De acordo com outros estudos, o enxofre deve ser aplicado nas fases próximas ao final do ciclo da cultura, visto que tal nutriente é requerido para a formação das inflorescências. Se aplicado antes ou em doses elevadas pode ocasionar a redução do tamanho e, por consequência, do peso da inflorescência, o que justifica os resultados encontrados neste trabalho. A supressão da doença pelo enxofre pode também ser explicada devido a uma redução do pH do solo quando o enxofre é oxidado. Porém, muitas culturas não suportam pH baixo.  

A produtividade, dada pelo peso da inflorescência indica que o tratamento T6 (fosfito 30% P2O5 e 20% K2O) foi o melhor e apresentou notas de severidade intermediárias aos demais. Sais de fosfito são mais uma opção no manejo integrado de algumas doenças, como doenças radiculares, foliares e cuja rota metabólica tem sido estudada em algumas culturas. O desenvolvimento da doença em plantas pode ocorrer em determinados níveis e não afetar a produtividade, o que foi possível visualizar neste tratamento. Pesquisadores relatam que este produto pode ter ação direta e indireta sobre micro-organismos agindo como uma toxina sobre bactérias e também estimulando a formação de substâncias de autodefesa das plantas. A indução de resistência ocorre mais intensamente nos tecidos jovens da planta, devendo as aplicações ser preventivas e direcionadas com maior ênfase para as folhas novas da cultura, além de favorecer a absorção de Ca, B, Zn, Mn, Mo, K e outros elementos, melhorando o estado nutricional das plantas, especialmente nas fases mais exigentes como brotação, desenvolvimento e florescimento. Além disso, apresenta rápida absorção, assimilação total e menor exigência energética da planta. Pesquisas relatam que tanto a aplicação de fosfito de cálcio quanto de fosfito de potássio demonstrou efeitos satisfatórios no controle da podridão mole em pimentão, e sugeriram que este controle pode se estender a diversas outras doenças que acometem olerícolas. Na requeima do tomate, o fosfito de potássio, mesmo em forma isolada, foi capaz de reduzir em 25% a área foliar afetada, em comparação à testemunha. 

A ação antimicrobiana em T2 (N, C e aminoácidos) ocorre devido à presença de ácido cítrico e ácido ascórbico (vitamina C) que efetuam a quebra das células dos fungos e bactérias. Esses elementos ativam, também, as defesas naturais da planta por meio de fitoalexinas exógenas que possuem atividades inibidoras de bactérias e antioxidante (flavanoides) que reforçam e protegem a célula da planta. Assim como T6, esse tratamento apresentou doença, porém em nível de severidade baixo em relação à testemunha e com elevado peso de inflorescência.  

Relatos com compostos à base de cobre, como T5, indicam que podem reduzir a severidade da podridão negra nas folhas, caule e cabeça. Porém, já existem casos de resistência ao cobre por Xanthomonas descritos e estão associados aos tipos de plasmídeos presentes nessas bactérias. Para explicar a resistência ao cobre em bactérias fitopatogênicas, relaciona-se o uso de mecanismos como o controle da permeabilidade de cobre no interior das células e também às proteínas presentes no espaço periplasmático que atuam no sequestro do cobre e na membrana externa da célula bacteriana. O cobre, embora não mate a bactéria, tem sobre ela um efeito bacteriostático, diminuindo-lhe a atividade e periculosidade. T5, neste trabalho, apresentou severidade e produtividade intermediárias em relação aos demais tratamentos.

Coleta das folhas com podridão negra, moagem e inoculação por picada
Coleta das folhas com podridão negra, moagem e inoculação por picada

T4 (Ca 22% e Cl 58%) foi o que apresentou menor severidade aos 97 DAT depois de T7 (enxofre elementar 99%) e peso de inflorescência elevado, assim como T2 (N, C e aminoácidos) e T6 (30% P2O5 e 20% K2O), indicando ser um produto adequado para controle da doença e produtividade. A associação do cloro com o cálcio perfaz uma ação biocida de choque efetivo a fungos e bactérias. O cálcio atua na lamela média essencial e no fortalecimento da parede celular dos tecidos. Plantas que recebem Ca em altas doses, em fase de crescimento, apresentaram maior concentração de polissacarídeos, resultando na maior eficiência e resistência aos tecidos. A eficiência do cloro, por sua vez, depende de vários fatores como temperatura, tempo de exposição, pH e carga microbiana. Entretanto, seu uso em crucíferas, no período vegetativo, para o tratamento de Xanthomonas ainda carece de informação.  

Um fator importante, além da eficiência do produto, está relacionado ao custo-benefício, permitindo avaliar qual ponto é satisfatório monetariamente à aplicação de determinado insumo. Dos tratamentos utilizados, T6 foi o que apresentou a melhor relação custo-benefício (valor R$ 2,08/kg), seguido de T4 e T2 (Tabela 3).

Além disso, a escolha do tratamento adequado deve considerar o histórico da lavoura, ou seja, presença do patógeno, incidência e perdas, bem como características do ambiente que possam favorecer o aparecimento da doença na área.

COUVE-FLOR 

A couve-flor (Brassica oleracea var. botrytis L.) está dentre as 15 mais importantes hortaliças, sendo uma das mais cultivadas no Brasil, principalmente nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina. É uma hortaliça do tipo inflorescência que pertence à família Brassicaceae, assim como repolho, brócolis e outras couves. Apresenta exigências termoclimáticas e de manejo específicas, necessitando de baixas temperaturas para a formação de “cabeças” (parte comestível) de tamanho adequado para comercialização, tornando-se restrita em regiões de temperaturas amenas. O cultivo nesta condição de clima só foi possível devido ao melhoramento genético que desenvolveu híbridos com tolerância. 

Neimar Cenci,  Adjar de Oliveira,  Igor de Sordi,  Daniel Alves,  Hugo Catapan,  Gabriela Tonello,  Rafael Goulart Machado,  Katia Trevizan e  Alice Casassola, Faculdade Ideau Inst. de Desenv. Educ. de Passo Fundo

Cultivar Hortaliças e Frutas Fevereiro 2019

A cada nova edição, a Cultivar Hortaliças e Frutas divulga uma série de conteúdos técnicos produzidos por pesquisadores renomados de todo o Brasil, que abordam as principais dificuldades e desafios encontrados no campo pelos produtores rurais. Através de pesquisas focadas no controle das principais pragas e doenças do cultivo de hortaliças e frutas, a Revista auxilia o agricultor na busca por soluções de manejo que incrementem sua rentabilidade. 

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