Artigo - A nanotecnologia na agricultura e o papel da Embrapa

17.12.2008 | 21:59 (UTC -3)

Os avanços científicos são contínuos, ocorrem de formas irreversíveis e cada vez mais rapidamente são assimilados tornando parte da vida de todos os seres humanos. A nanotecnologia é o resultado desses avanços e surgiu decorrente da combinação e evolução de diversos campos do conhecimento humano, incluindo a química, a ciência dos materiais, a biologia, a eletrônica, a computação e a física.

Tal como já aconteceu com a eletricidade e os computadores, a nanotecnologia estará em breve presente em quase todas as facetas da vida diária, e por ser uma ciência integrada, oferece a oportunidade de interferir em diversos segmentos econômicos e a agricultura não é uma exceção.

Principalmente nos países em desenvolvimento é que a aplicação de nanotecnologia nos sistemas produtivos ou na indústria de alimentos trará impactos sem precedentes, podendo gerar benefícios, segundo cálculos das Nações Unidas, a um número estimado a cinco bilhões de pessoas nos próximos anos. Esses benefícios não são somente do ponto de vista econômico, mas direta ou mesmo indiretamente, como aumento na qualidade de vida, incremento da produção de alimentos por área cultivada, melhoria da qualidade dos processos agroindustriais e o acesso a novos produtos por um maior número de consumidores.

Diversos países de economia de base agropecuária como o Brasil, a Índia, a Tailândia, o México, África do Sul e a Argentina, entre outros, têm estabelecido programas específicos de nanotecnologia e nanociências em grande parte focados em aplicações no setor agroindustrial, meio-ambiente, farmacêutico e alimentício.

A nanotecnologia pode ser considerada como um conjunto de atividades ou mecanismos que ocorrem em uma escala extremamente pequena, mas que tenham implicações no mundo real. Esses mecanismos estão além da percepção dos olhos humanos e operam em uma escala chamada nanométrica (um nanômetro é a bilionésima parte de um metro).

A nanotecnologia abre a possibilidade de manipular átomos e moléculas e já tem sido largamente empregada na fabricação de semicondutores e circuitos integrados (chips), e na confecção de dispositivos que incorporam a combinação de porções orgânicas e inorgânicas. A biologia integrada com tecnologia eletrônica e mecânica será sem dúvida um dos maiores mercados para a nanotecnologia, criando a possibilidade de ferramentas analíticas e implantes que interligue computadores e dispositivos avançados com conexões neurais, o que será sem dúvida de real benefício ao ser humano.

Assim como nas demais áreas do conhecimento, a nanotecnologia é de extrema importância para o agronegócio de um modo geral. A nanotecnologia poderá gerar uma melhora de qualidade associado ao monitoramento e redução de danos ambiental. Beneficiará o emprego da agricultura de precisão, a rastreabilidade dos produtos, a certificação, a produção de biocombustíveis, a indústria de insumos (fertilizantes, pesticidas) e de medicamentos para uso veterinário, a indústria de alimentos, assim como vários outros setores vinculados à agroindústria serão inevitavelmente beneficiados pelos avanços da nanotecnologia.

O objetivo da nanoteconologia no segmento agrícola é aprimorar essa intervenção humana, através do uso de dispositivos sensores, elevando o controle sobre os eventos e facilitando a tomada de decisões para obtenção de uma melhor rastreabilidade, produtividade e qualidade. Temos como exemplo a agricultura de precisão, que consegue hoje agregar e adaptar tecnologias avançadas para melhorar a eficiência da produção.

Sem dúvidas está se tornando cada vez mais acessíveis tratores com computadores de bordo, providos de sistemas automáticos de aquisição de dados, de comunicadores RF, de sistema de mapeamento espacial e em tempo real de características de plantio e colheita, além da possibilidade de agregar sensores de análises químicas e biológicas e dispositivos inteligentes para a dispersão de agrotóxicos, entre outros recursos disponíveis.

A nanotecnologia também trabalha no desenvolvimento de biossensores e transdutores de alta sensitividade que permitem a identificação e quantificação de compostos químicos, orgânicos ou demais impurezas ou alterações de composição, sejam em plantas ou frutos, como também em solos.

Dispositivos controladores de irrigação ou sensores de alto desempenho como as chamadas “línguas” e “narizes” e “olhos” eletrônicos, já estão em desenvolvimento na Embrapa e deverão, certamente, invadir mercado brevemente gerando uma enorme possibilidade de análises e tomadas de decisões.

De forma geral, pode-se dizer que o foco da nanotecnologia na agricultura e em alimentos, de certa forma difere das tradicionais aplicações. Em alimentos, por estes serem muitas vezes órgãos vivos e perecíveis, técnicas múltiplas são requeridas e boas práticas não devem ser ignoradas e sim implementadas nos diversos segmentos da cadeia. Na Embrapa, por exemplo, já tem pesquisado os revestimentos comestíveis e as embalagens inteligentes que aplicados diretamente a frutos e hortaliças prolongam a vida do produto e garantem a qualidade nutricional.

Segundo o prêmio Nobel de 2005, Richard Smalley, os processos relacionados à produção e indústria alimentícia envolvendo a nanotecnologia, já excedeu a casa dos 2 bilhões de dólares no mundo e sua estimativa é que deverá facilmente atingir montantes superiores a 20 bilhões de dólares por volta de 2010.

Embora haja muitas possibilidades de aplicações da nanotecnologia, há ainda limitações naturais de mercado, seja por serem economicamente inviáveis ou por sua complexidade, dificultando a adoção em escala industrial. De qualquer forma, o avanço tecnológico é um fenômeno irreversível e a nanotecnologia aplicada na agroindústria é assumida como uma inovação bem-vinda.

No contexto mundial os Estados Unidos são sem dúvida o líder em pesquisa em nanotecnologia. Dados mostram que de 1985 a 1997 foram aplicados 452 milhões de dólares em pesquisa de miniaturização e desenvolvimento de novos produtos com base na pesquisa de nanotecnologia. No Brasil, pesquisa e recursos voltados para a nanotecnologia são mais recentes e de certa forma limitados. No entanto já temos uma série de universidades, institutos e grupos de pesquisa atuando em aspectos da nanotecnologia.

A unidade da Embrapa Instrumentação, localizada em São Carlos, SP, foi uma das instituições pioneiras em pesquisas de nanotecnologia voltada a agronegócio na América do Sul. Com as atividades iniciadas em 1996, realizou trabalhos iniciais que estabeleceram a base para o desenvolvimento de uma série de sensores, compósitos e filmes finos. A partir de então a unidade de São Carlos tem qualificado e formado pesquisadores na área, contando hoje com um grupo de excelência apto para acompanhar e promover avanços do conhecimento sobre o tema.

Recentemente, a Embrapa Instrumentação Agropecuária obteve resultado inédito na nanotecnologia voltada ao agronegócio ao desenvolver um sistema sensor, conhecido como Língua Eletrônica, pelo qual camadas de macromoléculas produzidas com controle nanométrico, apresentam altíssima área superficial e permitem uma sensibilidade que pode chegar a 1.000 ao de uma língua humana. Trabalhos em andamento demonstram o potencial da língua eletrônica na caracterização de cafés, sucos, leite, vinho e água.

A Embrapa Instrumentação Agropecuária também mantém a linhas de pesquisas em sensores de identificação e quantificação de bactérias em água e alimentos; em sensores descartáveis e de baixíssimo custo para quantificação de etileno, identificando no local da colheita o grau de maturação de frutos e no desenvolvimento de filmes comestíveis, ultrafinos e invisíveis, que atuam como embalagens ativas diretamente sobre frutos e legumes minimamente processados, elevando a vida útil, preservando a aparência do produto sem perdas das qualidades nutricionais.

Brasil carece de investimentos em nanotecnologias para o agronegócio

A nanotecnologia é atualmente um negócio de 100 bilhões de dólares que possui a previsão de um enorme crescimento, devendo atingir 1 trilhão até 2011, devido ao seu potencial de aplicação nos mais variados setores industriais, e ao impacto que seus resultados podem dar ao desenvolvimento tecnológico e econômico. O Brasil, embora em menor proporção, tem se esforçado para não ficar de fora da corrida por esta tecnologia. Em 2001 foi lançada a Iniciativa Brasileira em Nanotecnologia pelo governo federal para procurar organizar e formar redes de pesquisa, que estão atuando desde então no tema.

O agronegócio é certamente umas das áreas onde o nosso país pode ter a maior competitividade em nanotecnologia, graças às especificidades e oportunidades de questão vinculada aos nossos recursos naturais, clima e agricultura tropical. Adicionalmente, as universidades e demais instituições de pesquisa do nosso país, tais como a Embrapa, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária possuem grupos de excelência de pesquisadores altamente capacitados para promover avanços do conhecimento neste tema. No entanto, até recentemente o país ainda não tinha priorizado recursos para explorar as potencialidades da nanotecnologia para o agronegócio, não tendo apoiado nenhuma rede de pesquisa neste tema, embora estudos recentes, com, por exemplo, os da Universidade de Toronto, classificasse a agricultura e alimentos como a segunda área onde as aplicações de nanotecnologia possuem o maior potencial de impacto. De qualquer forma, a Embrapa tem insistido no tema, tendo colocado a nanotecnologia como uma das de suas áreas prioritárias.

A melhor notícia no setor hoje foi à iniciativa do Ministério da Ciência e Tecnologia através da FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos) do governo Federal de criar em São Carlos, SP, o primeiro Laboratório Nacional de Nanotecnologia para o Agronegócio (LNNA), no qual estão sendo investidos recursos de cerca de R$ 8 milhões. A contemplada é a Embrapa Instrumentação Agropecuária, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que com esta ação pretende impulsionar as pesquisas no setor agropecuário para garantir sua competitividade. O LNNA deverá iniciar suas atividades em breve e já conta com a organização de uma Rede de Pesquisa em Nanotecnologia para o Agronegócio, na qual participam vários centros de pesquisa da Embrapa, além de universidades, e Institutos e grupos de excelência de todo o país.

O LNNA será certamente um marco na consolidação de uma infra-estrutura de equipamentos avançados e dedicados a Nanotecnologia, que dará condições ao nosso país de avançar e gerar inovações nesta área tão promissora. Suas principais linhas de pesquisas serão o desenvolvimento de sensores e biossensores, aplicados ao controle de qualidade, certificação e rastreabilidade de alimentos; desenvolvimento de novos usos de produtos agrícolas, caracterização e síntese de novos materiais, como polímeros e materiais nanoestruturados com propriedades específicas, filmes finos e superfícies para fabricação de embalagens inteligentes, comestíveis e superfícies ativas; nanopartículas, compósitos e fibras para o desenvolvimento de materiais reforçados, usando produtos naturais, como fibras de sisal, juta, coco e outras para aplicações industriais; nanopartículas orgânicas e inorgânicas para liberação controlada de nutrientes e pesticidas em solos e plantas, de fármacos para uso veterinário; desenvolvimento de metodologias de nanomanipulação e nanocaracterização de materiais; nanobiotecnologia para caracterização de material genético e nanomanipulação gênica; caracterização de materiais de interesse do. agronegócio para obtenção de informações inéditas sobre partículas de solos e plantas, bactérias e patógenos de interesse agrícola.

Além das atividades ligadas ao desenvolvimento de projetos de pesquisas, o Laboratório Nacional de Nanotecnologia para o Agronegócio funcionará em forma de "facility" para colaborações científicas e prestação de serviços para instituições pública e iniciativa privada, buscando ser um instrumento de desenvolvimento científico e tecnológico importante para o país gerar inovações em nanotecnologia.

e

Pesquisadores

Embrapa Instrumentação Agropecuária

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