Artigo: etanol de batata-doce, uma realidade

A pesquisa tem direcionado esforços para desenvolver produtos e processos que tornem viáveis as expectativas dos produtores em fomentar a atividade rural

19.11.2015 | 21:59 (UTC -3)
Luís Antônio Suita de Castro

O Rio Grande do Sul produz apenas 2% do álcool que consome, pagando preço alto pela importação desse produto de outros estados. Programas de biomassa, responsáveis por 25% da energia primária do País, também podem representar um incremento na geração de empregos e uma diminuição dos danos ambientais causados pelo uso do petróleo. A ênfase em redução da poluição e limitação do aquecimento global também têm sido fortes motivações para a continuidade de produção de combustíveis renováveis. O princípio básico da produção na agricultura é a conversão, pelas plantas, da energia solar em energia química. Também qualquer produto que contenha uma quantidade considerável de carboidratos (açúcares) constitui-se em matéria-prima para obtenção de álcool pela via fermentativa. Entretanto, para que seja viável economicamente, é preciso que se considere o volume de produção, rendimento industrial e o custo de fabricação.

Como fonte alternativa de bioenergia a batata-doce apresenta ótima produção de biomassa para obtenção de álcool combustível, associada à rusticidade do plantio e experiência dos agricultores. Resultados preliminares têm demonstrado que um hectare de raiz de batata-doce rende de 30 a 40 toneladas de biomassa, que pode ser transformada em combustível. Neste contexto, a cultura, ao contrário de outras culturas agroenergéticas, tem a seu favor privilegiar os pequenos produtores rurais por não exigir grandes áreas de plantio, apresentar custo baixo para implantação da lavoura e alto rendimento, além da possibilidade de ser produzida em terras menos férteis, necessitar de investimento menor que outras culturas, e os resíduos da produção poderem ser usados como ração animal.

A pesquisa tem direcionado esforços para desenvolver produtos e processos que tornem viáveis as expectativas dos produtores em fomentar a atividade rural. Com a demanda de produção dos “biocombustíveis limpos” surgem perspectivas para a batata-doce ocupar um nicho de mercado ainda pouco explorado no Brasil.

Para produção de etanol, no processamento, podem ser utilizadas batatas consideradas refugo, ou seja, fora do padrão comercial (com defeitos de forma, muito pequenas ou muito grandes, atacadas por insetos ou com cortes resultantes do processo de colheita). Também não há necessidade de separação das batatas considerando-se suas características de cor de casca ou cor de polpa. Entretanto, é preferível utilizar cultivares de batata-doce que tenham sido selecionadas para esta finalidade. No Brasil, a cultivar Duda, desenvolvida pela Universidade Federal de Tocantins para esta finalidade, é o material que tem servido para diversas atividades de pesquisa nesta área. No Rio Grande do Sul, foram realizados experimentos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul com a cultivar BRS Cuia, que se mostrou promissora, e também foram registradas duas novas cultivares, BRS FEPAGRO Viola e BRS Gaita, que poderão ser produzidas comercialmente em 2017.

Na produção de etanol, para a obtenção do hidrolizado de amido, as batatas devem ser lavadas e cortadas para posterior trituração e adição de água, submetendo ao aquecimento a 90°C para geleificação do amido. No processo, é acrescentada a enzima alfa-amilase, na concentração de 1,5 mL/kg de batata, mantendo-se a mistura nessa temperatura por 1 hora. O pH deve ser ajustado para permitir a atuação da glicoamilase. Na sacarificação é adicionada a levedura Saccharomyces cerevisiae para fermentação. A separação de sólidos é realizada por meio de destilação, onde a mistura é aquecida até a fervura, e os vapores resfriados até se tornarem líquidos novamente. Dados indicam ser possível obter 158 litros de álcool a partir de uma tonelada de batata-doce.

Uma das dificuldades que podem surgir no processo consiste na desuniformidade da matéria-prima utilizada. A grande diferença entre o tamanho das batatas-doces destinadas à fermentação pode dificultar o processo de moagem, necessitando adaptação do equipamento de modo a uniformizar previamente o material através de cortes.

No Rio Grande do Sul, testes foram realizados na Embrapa Clima Temperado com o objetivo de avaliar o processo e testar batatas-doce com potencial de utilização para biocombustível. Foi utilizada uma microdestilaria de álcool hidratado 96ºgl com capacidade de até 650 litros/dia, do tipo batelada,da Limana Poliserviços, que foi colocada em funcionamento na Estação Experimental de Terras Baixas (Capão do Leão/RS).

No Brasil, existe uma usina experimental na Fundação Universidade do Tocantins, a Unitins, em Palmas, onde está sendo testada a potencialidade da batata-doce como opção aos derivados de petróleo para os pequenos produtores da região Norte do País. Paralelamente são desenvolvidos vários trabalhos de pesquisa no sentido de selecionar variedades de batata-doce direcionadas ao processo de produção de álcool, mais produtivas e adaptadas às diferentes regiões produtoras.

Em outros países, exemplos históricos podem ser citados com relação à obtenção de biocombustível de batata-doce. Sabe-se que, por volta de 1880, como o mercado de Portugal era ávido por álcool industrial, a cultura da batata-doce levou à construção, nos Açores, de cinco fábricas de álcool, o que contribuiu decisivamente para a modernização da indústria e desenvolvimento da região. A produção do álcool foi muito importante e positiva durante os últimos 20-30 anos do século XIX, apesar da necessidade de superar obstáculos, como o surgimento do monopólio do álcool, que resultou em um decreto de 1901 que limitou a produção de álcool nos Açores a 2 milhões de litros/ano e fechou quatro unidades do ramo, que na época produziam 10 milhões de litros de álcool por ano, quantidade que corresponde às necessidades atuais de consumo em Portugal.

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