Artigo: Os fungicidas darão conta sozinhos do controle de doenças da soja e do trigo?

O potencial de risco de desenvolvimento da resistência de fungos a fungicidas está relacionado com a extensão da área tratada, com o número de aplicações por safra e outros fatores

07.01.2016 | 21:59 (UTC -3)
Erlei Melo Reis

Os fungicidas constituem-se numa ferramenta de controle emergencial, rápida e eficiente no controle de doenças de plantas. A maior eficiência no seu uso é obtida quando são observadas as Informações Técnicas para o Cultivo do Trigo e do Triticale (2013) e Tecnologias de produção de soja (2013).

O potencial de risco de desenvolvimento da resistência de fungos a fungicidas está relacionado com a extensão da área tratada, com o número de aplicações por safra, com a população de esporos do fungo alvo que constantemente é exposta ao agente químico, com a variabilidade genética do agente causal, com o mecanismo de ação bioquímico do fungicida se sítio específico ou multissítio, com sua especificidade, com a concentração do ingrediente ativo na calda fungicida e com a qualidade da cobertura da folhagem.

Conceitos básicos

Para melhor compreensão deste artigo, apresentam-se os conceitos de termos utilizados no texto:

Controle de doenças: O que é controlar? É somente reduzir a intensidade (quantidade) da doença alvo presente ou que vai causar dano? Veja então os conceitos seguintes aceitos pela ciência agronômica.

Controle integrado (CI): Segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) (1968), CI “é um sistema de manejo de organismos nocivos que utiliza todas as técnicas e métodos apropriados da maneira mais compatível possível para manter as populações de organismos nocivos em níveis abaixo daqueles que causem injúria econômica".

Manejo integrado de doenças (MID): Um ano mais tarde, a NAS (National Academy of Science) (1969) dos Estados Unidos apresentou o conceito oficial de MID como sendo a “utilização de todas as técnicas disponíveis dentro de um programa unificado de tal modo a manter a população de organismos nocivos abaixo do Limiar de Dano Econômico (LDE) e a minimizar os efeitos colaterais deletérios ao ambiente".

Portanto, o MID contempla as exigências técnicas e ecológicas de sustentabilidade da agricultura.

Fungicida: Substância química que mata fungos em baixa concentração (ex. < 1 mg/L de ingrediente ativo).

Espectro de ação do fungicida: Um único fungicida não controla todos os fungos causadores de doenças assim como todas as doenças não são controladas por um fungicida. Entra em ação a especificidade, a que fungo o produto químico é mais potente.

Fungicida sítio específico: Age para matar o fungo em um único sítio bioquímico na célula do fungo. Servem de exemplos os mecanismos de respiração, reprodução, síntese de proteínas, gorduras, síntese de membranas, e etc.

Fungicida multissítio: É aquele que age em mais de um sítio metabólico dos acima citados. Os casos mais frequentes de desenvolvimento de fungos resistentes ocorre com esse grupo.

Misturas de fungicidas: Geralmente misturam-se dois fungicidas sítio específicos, porém que agem em processos metabólicos diferentes como por exemplo, um bloqueia a respiração do fungo e o outro interfere na síntese das membranas celulares. Essas misturas vem pré-formuladas.

Resistência de fungos a fungicidas: O uso por várias safras do trigo, fazendo-se duas a três aplicações por ciclo da cultura, leva ao surgimento de linhagens do fungo que tem a sensibilidade reduzida. Nesse caso, quem primeiro detecta o fato é o produtor. Em safras anteriores obtinha controle eficiente e estava satisfeito, agora observa falha no controle e reclama de que algo errado está ocorrendo.

Por que os fungos se tornam resistentes aos fungicidas? Para se defenderem da ameaça do fungicida de eliminar sua espécie. É um mecanismo de autodefesa.

O fenômeno observado é conhecido pela ciência e chamado de adaptação do fungo. Adaptação é definida como a capacidade dos seres vivos (fungos, bactérias, insetos e plantas daninhas) de se ajustarem a modificações ambientais.

Falha de controle: Situação na qual o produtor observa que, quando comparada a safras anteriores, a eficiência do fungicida foi alterada. Ele diz que houve “falha de controle" e passa a reclamar e buscar explicações para o fato.

Tem sido comprovada cientificamente a resistência do oídio e da ferrugem da folha aos fungicidas trizóis.

Resistência de fungos patogênicos ao trigo a fungicidas: Tem sido comprovada a resistência do oídio do trigo ao triadimenol e as estrobilurinas; da mancha salpicada da folha as estrobilurinas, da ferrugem da folha aos triazóis e redução da sensibilidade do(s) fungo(s) que causa(m) a mancha amarela aos triazóis e estrobilurinas Os casos de ocorrência de fungos resistentes aos fungicidas tem se tornado frequentes.

Considerações finais

Devido à redução da sensibilidade de alguns fungos que causam doenças no trigo comprometer a eficiência do controle, o controle sustentável não deve ser fundamentado apenas no uso de fungicidas com o risco de aumentarem os casos de resistência. O MID preconiza o uso de todas as estratégias disponíveis tais como: produção de sementes sadias, tratamento de sementes com produto potentes e doses eficientes, rotação de culturas, eliminação do azevém da área, eliminação de plantas voluntárias, criar cultivares com resistência durável à oídio e ferrugem da folha, aplicação de fungicidas nos órgãos aéreos conforme recomendado pelas Indicações de Trigo e Triticale (2013).

Portanto, toda a responsabilidade de controle das doenças do trigo não deve recair somente sobre os fungicidas, mas compartilhar a tarefa com as demais práticas integrantes do MID.


Referências

Arduim, F.S.; Reis, E.M.; Barcellos, A.L.; Turra, C. In vivo sensitivity reduction of Puccinia triticina races, causal agent of wheat leaf rust, to DMI and QoI fungicides. Summa Phytopathologica, Botucatu, v.38, n.4, p.306-311, 2012.

Klix, M. B.; Verreet, J. A.; Beyer, M.. Comparison of the declining triazole sensitivity of Gibberella zeae and increased sensitivity achieved by advances in triazole fungicide development. Crop Protection 26 (2007) 683–690.

Reis, E. M.; Zanatta, T. Eficiência do tratamento de sementes com o fungicida triadimenol na intensidade da ferrugem da folha do trigo. Summa Phytopathologica, v.37, n.3, p.145-148, 2011.

Reis, E. M.; Zanatta, M.; Brustolin, F.; Danelli, A.L.D. Sensitivity reduction of Blumeria graminis f. sp. hordei to triadimenol fungicide applied in barley seed treatment. Summa Phytopathologica, v.39, n.4, p.276-280, 2013.


Este artigo foi apresentado pelo autor durante o SEMINÁRIO SOBRE RESISTÊNCIA DE FUNGOS A FUNGICIDAS EM CEREAIS DE INVERNO E SOJA, organizado pela OR Melhoramento de Sementes Ltda e realizado no dia 16 de dezembro de 2015, na Universidade de Passo Fundo.

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