Brasil e Estados Unidos identificam gene para combate ao HLB dos citros

​Cientistas brasileiros e norte-americanos identificaram um gene que poderá ser uma poderosa ferramenta no combate à Huanglongbing dos citros (HLB), também conhecida como greening, a mais importante doença que atinge os citros

09.08.2016 | 20:59 (UTC -3)

Batizada de Met-1, a sequência isolada pertence ao pequenino inseto que transmite o HLB, o psilídeo Diaphorina citri. O gene mostrou-se essencial para a sobrevivência do inseto, tornando-se um forte candidato a ser silenciado pela técnica de RNA interferente (RNAi). A descoberta gerou pedido de patente nos Estados Unidos. A pesquisa foi feita por meio de parceria entre Embrapa e o Serviço de Pesquisa Agrícola do Departamento de Agricultura daquele país (USDA/ARS) no âmbito do Programa Embrapa Labex-USA.

Em testes de laboratório, mais de 80% dos psilídeos que se alimentaram em plantas contendo RNAs idênticos ao gene Met-1 morreram. O RNA misturado à água é absorvido pela planta por meio de suas raízes, e passa a circular pelo xilema e floema, seu sistema de vasos que movimenta água e seiva elaborada, respectivamente. Ao se alimentar nesses vasos, o inseto ingere também o RNA, que uma vez dentro das células do inseto, leva ao "silenciamento" (desligamento da expressão) do gene Met-1, causando a morte do inseto. Assim como o Met-1, foram testadas mais duas dezenas de genes, sendo que ele apresentou o maior índice de mortalidade dos insetos. O objetivo desse trabalho é desenvolver estratégias de controle da doença por meio do combate ao psilídeo, e que seja inofensivo a outros seres vivos e ao ambiente.

O RNAi é uma das mais recentes ferramentas da biotecnologia e tem a vantagem de atingir seu alvo com grande precisão, pois se baseia no código genético do organismo-alvo. "Podemos dizer que o RNAi possui uma precisão cirúrgica, pois permite afetar especificamente o gene-alvo apenas no organismo de interesse", declara Eduardo Chumbinho de Andrade, pesquisador do Programa Embrapa Labex-USA, que conduziu a pesquisa em parceira com Wayne Hunter, pesquisador do ARS - Horticultural Research Laboratory USDA, em Fort Pierce, no Estado da Flórida.

"A identificação do gene Met-1 e o avanço no desenvolvimento da tecnologia é um bom exemplo de resultado proporcionado pelo programa Embrapa Labex ao colocar talentos brasileiros em contato com colegas e instituições de outros países que trabalham no estado da arte da pesquisa", ressalta o coordenador de Cooperação Científica da Secretaria de Relações Internacionais (SRI) da Embrapa, Alexandre Morais do Amaral.

A tecnologia de RNAi

Para compreender a tecnologia, é preciso entender como o mecanismo funciona naturalmente nas células. A sobrevivência de qualquer organismo depende da expressão de seus genes, fenômeno que ocorre quando a informação do gene é transcrita em um RNA mensageiro, que vai então ser "lido" e "traduzido" em uma proteína. Tão importante quanto expressar seus genes, é necessário que a célula desempenhe o controle da expressão de seus genes. Uma das formas de a célula realizar essa regulação é ativando o mecanismo de RNA interferente, que causa o silenciamento do gene.

Este silenciamento pode ser alcançado de duas formas, que podem ou não ocorrer simultaneamente. A primeira é exercida diretamente no gene, desligando sua expressão, enquanto a segunda é realizada pela degradação do RNA mensageiro, assim, mesmo o gene sendo expresso, sua informação não é traduzida em proteína.

Esse processo é todo feito com base na sequência do gene a ser silenciado. Para isso a célula produz pequenos RNAs interferentes (small interfering RNAs – siRNAs) que irão possuir a mesma sequência do gene que precisa ser silenciado. Assim, os siRNAs funcionam como guias do mecanismo, causando o silenciamento apenas do gene que possua a sequência idêntica a eles. É isso que confere à técnica sua grande precisão.

Assim, apesar de o mesmo gene estar presente em diferentes espécies, em cada uma ele apresenta pequenas alterações na sua sequência, permitindo criar um siRNA que afete apenas uma ou um grupo de espécies que partilhem sequências idênticas. Isso também dá previsibilidade à ação, segundo detalha o pesquisador. "Podemos saber de antemão quais espécies deverão ser afetadas por um determinado RNA, e principalmente saberemos que será inofensivo às espécies benéficas, como as abelhas por exemplo", afirma.

A tecnologia de RNAi envolve o uso direcionado desse mecanismo natural. "Conseguimos fazê-lo trabalhar a nosso favor, induzindo-o a silenciar o gene que desejamos, e se este gene for essencial à célula, ela e o organismo como um todo irão morrer", explica Andrade.

A pesquisa desenvolvida nessa parceria envolve três fases. O trabalho começa com a identificação dos genes-alvo do organismo que se quer atingir. No caso do psilídeo que transmite o HLB, foram selecionados genes envolvidos em diferentes processos que são considerados vitais para a sobrevivência do inseto.

Na segunda fase, os genes candidatos são validados em testes que verificam a sua importância para o inseto. Para isso, para cada gene são sintetizadas moléculas de RNA de dupla fita (double-strand RNA, ou dsRNA) com sequência idêntica a ele. Esses dsRNAs após serem ingeridos pelos insetos, entram em suas células e são reconhecidos pelo mecanismo de RNAi, que vai quebrá-los em pequenos RNAs (os siRNAs), que então serão usados como guias pelo mecanismo que vai identificar e degradar todos os RNAs mensageiros idênticos aos siRNAs, reduzindo a expressão ou mesmo causando o silenciamento total do gene. "Alguns genes são tão vitais que se forem silenciados mesmo que parcialmente já provocam a morte do organismo. Outros precisam ser completamente eliminados para causar o mesmo efeito", explica o pesquisador da Embrapa. Foi nessa etapa que os cientistas selecionaram o Met-1.

A terceira fase, igualmente importante, consiste em encontrar os melhores meios de fazer o dsRNA chegar até o inseto. Isso pode ser obtido de várias maneiras as quais apresentam diferentes índices de eficácia. Ele pode ser misturado à água e aplicado para ser absorvido pela planta por meio de suas raízes, ser pulverizado sobre as folhas para que seja absorvido, ou mesmo ser produzido pela própria planta (neste caso uma planta geneticamente transformada). Cada método possui vantagens e desvantagens que devem ser avaliadas.

Para os casos que envolvem a aplicação do dsRNA na planta, uma estratégia que o grupo envolvido no trabalho está testando é o uso da nanotecnologia. A ideia é desenvolver nanocápsulas que protejam o dsRNA no ambiente até a planta absorvê-lo e que também melhore a absorção do dsRNA pelas células do inseto. Este trabalho está sendo realizado em parceria com pesquisadores da Embrapa Instrumentação e Embrapa Semiárido.

"O dsRNA é muito instável e se degrada facilmente por oxidação ou ação da luz solar, por exemplo, por isso nosso objetivo é aumentar o tempo de vida dessas moléculas e a quantidade efetiva com que elas chegam ao alvo, encapsulando-as em nanoestruturas", detalha o engenheiro de materiais Caue Ribeiro, pesquisador da Embrapa Instrumentação que participa do desenvolvimento das nanocápsulas. Ribeiro explica que o maior desafio é obter a interação química necessária entre a molécula e a cápsula. "Cada molécula precisa de uma nova cápsula, o que exige um novo processo e torna o trabalho ainda mais complexo", diz o cientista ressaltando que, apesar de a pesquisa estar em fase fundamental, o emprego da nanotecnologia com esse propósito é promissor.

Abordagem global para o controle

Mesmo com as vantagens da técnica RNAi, Eduardo Chumbinho frisa que ela será mais uma ferramenta a ser utilizada de maneira integrada para o combate ao HLB. "Não há até o momento uma solução única para o HLB, e o manejo adequado da doença irá ocorrer com o desenvolvimento e emprego conjunto de diferentes tecnologias". Com esse objetivo, foi estabelecido o Arranjo HLB, coordenado pela Embrapa Mandioca e Fruticultura. O arranjo contempla um conjunto de projetos de pesquisa organizados em grandes áreas como fitopatologia, diagnose, melhoramento tradicional, sistemas de produção, biotecnologia (do qual faz parte a técnica RNAi) e biomatemática, que já desenvolveu um sistema que prevê a dispersão do HLB.

O pesquisador acrescenta que a tecnologia de RNAi pode ser aplicada em outras abordagens. "Como é um mecanismo que ocorre em todos os organismos eucariotos [que possuem células com núcleo individualizado], ela pode ser utilizada para se controlar doenças causadas por fungos e nematoides. Além disso, vírus também podem ser alvos da técnica, nesse caso, a ideia é fazer o mecanismo de RNAi degradar o RNA do vírus. A tecnologia permite alterar a expressão de genes na planta visando melhorar sua qualidade, em ter frutos com maior teor de determinada vitamina, analisa o pesquisador que voltará ao Brasil em agosto, quando reintegrará a equipe da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA), de onde continuará sua pesquisa. "Os planos são de continuar e fortalecer a parceria com USDA-ARS na temática de RNAi aplicado à agricultura, assim como em outras áreas de pesquisa relacionadas a citros. Estamos buscando mecanismos de financiamento bilateral para essa cooperação internacional, incluindo universidades brasileiras e americanas", informa.

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