Brasil ganha Unidade Mista de Pesquisa e Transferência de Tecnologia em Citros

Embrapa e Fundecitrus investirão em genética e biotecnologia para melhorar resistência de citros a pragas e doenças

03.07.2019 | 20:59 (UTC -3)
Robinson Cipriano

Há 15 anos foi registrado no estado de São Paulo o primeiro caso da doença bacteriana huanglongbing (HLB ou greening), principal ameaça à sustentabilidade da cadeia de citros no Brasil. Mesmo com todos os esforços feitos por diferentes atores da cadeia citrícola nessa década e meia, o HLB se disseminou de forma severa nos Estados de Minas Gerais, São Paulo e Paraná. Como é uma doença de difícil controle e ainda sem uma tecnologia que possa estancar o seu desenvolvimento, a solução necessariamente precisa vir do investimento científico.

Para ajudar a enfrentar esse problema e outras pragas e doenças que podem entrar no território brasileiro, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o  Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) e a Fundação de Pesquisas Agroindustriais de Bebedouro (Fupab) decidiram ampliar seus esforços para criar uma Unidade Mista de Pesquisa e Transferência de Tecnologia (UMIPTT Cinturão Citrícola), que será instalada nas cidades de Araraquara e de Bebedouro, situadas no coração citrícola do Estado de São Paulo e distantes 100 km entre si. As três instituições assinaram acordo de cooperação nesta quarta-feira, em Brasília-DF, na Sede da Embrapa, para selar a parceria.

"É uma localização privilegiada para desenvolvimento das ações de pesquisa e de transferência de conhecimento e tecnologia, cobrindo todo o cinturão citrícola em um raio de 600 km, que representa 84% da produção brasileira de citros", explicou o presidente da Embrapa Sebastião Barbosa. As duas cidades permitirão acesso rápido também às demais regiões do estado, do Paraná e do Triângulo Mineiro, que são polos citrícolas que abrigam também instituições parceiras que desenvolvem estudos com citros, contribuindo para a consolidação de uma rede integrada de pesquisa.

"O maior enfrentamento que temos hoje pela frente está ligado à sustentabilidade e só por meio da cooperação mútua entre as instituições e a iniciativa privada é que conseguiremos encarar esse desafio e as exigências do mercado. A Embrapa é um parceiro que detém conhecimento, competência e, principalmente, heterogeneidade de ação. Estamos estabelecendo uma parceria que poderá servir de modelo depois para outras culturas", ressaltou Lourival Carmo Monaco, presidente da Fundecitrus.

Celso Moretti, diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa, frisou que cinco linhas de pesquisa foram priorizadas inicialmente para focar a atuação da UMIPTT Cinturão Citrícola. "Em comum acordo com a Fundecitrus, vamos direcionar nossos esforços em genética e biotecnologia de citros para buscar resistência a doenças e pragas e melhoria da qualidade dos frutos, inclusive para obtenção e desenvolvimento de transgênicos resistentes ou tolerantes ao HLB; citricultura de precisão e colheita mecanizada; sustentabilidade dos sistemas de produção; manejo integrado de pragas; e técnicas que garantam alta produtividade em um cenário de mudanças climáticas. São temas que representarão grandes avanços na fronteira do conhecimento da cadeia de citros", enfatizou. Dois centros de pesquisa da Embrapa atuarão diretamente com os trabalhos: Embrapa Mandioca e Fruticultura (Cruz das Almas-BA) e Embrapa Instrumentação (São Carlos-SP).

O diretor de Inovação e Tecnologia da Embrapa, Cleber Soares, ressaltou que o Fundecitrus é uma instituição referência no Brasil para a cadeia de citros. "O fortalecimento da parceria possibilitará o desenvolvimento de ativos inovadores e de novos negócios para esse importante segmento do agro nacional. E para a Embrapa, será uma forma importante de conexão com demandas de curto e longo prazo da citricultura brasileira".

O acordo

O acordo de cooperação assinado terá duração de 10 anos prevê a implantação de um matrizeiro de citros em Araraquara para abrigar plantas básicas e matrizes de variedades de citros com uso comercial e potencial, como medida de redução de risco fitossanitário e fomento à diversificação de uso de variedades. Esse complexo será gerido pelo Fundecitrus, mediante inscrição no Registro Nacional de Sementes e Mudas (Renasem) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e na Coordenadoria de Defesa Agropecuária do Estado São Paulo, para fornecimento de borbulhas ao setor produtivo de citros.

O Fundecitrus e a Estação Experimental de Citricultura de Bebedouro (EECB) da Fupab disponibilizarão estrutura de escritório, telefonia, internet, laboratórios, casas de vegetação, área agrícola e maquinário para recebimento de pesquisadores, analistas e técnicos da Embrapa para o desenvolvimento de trabalhos técnicos científicos. A Embrapa disponibilizará também veículos para uso nas atividades de pesquisa e transferência. Os trabalhos de validação e demonstração de tecnologias serão desenvolvidos em propriedades rurais, que irão compor uma rede de referência, seguindo metodologia específica para esta finalidade.

A parceria com o Fundecitrus

A Embrapa desenvolve pesquisas nessa região citrícola desde a década de 1980, com trabalhos voltados principalmente para a geração de porta-enxertos mais resistentes à seca e com menor porte da planta, visando facilitar a colheita. Com a Fupab, por meio da Estação Experimental de Citricultura de Bebedouro (EECB), mantém um contrato de cooperação técnica desde 1985. Já com o Fundecitrus a parceria foi iniciada há 20 anos - atualmente o Fundo é parceiro de 16 projetos em andamento na programação da Empresa focados em HLB.

"A alocação de recursos financeiros e humanos, reforçada a partir dos anos 2000, por meio também de parceria com a Fundecitrus, deu sustentação para que, em um futuro próximo, as variedades porta-enxerto desenvolvidas pelo programa de melhoramento genético de citros da Embrapa sejam as mais plantadas nesse importante polo agrícola brasileiro", afirmou Alberto Vilarinhos, pesquisador e chefe-geral da Embrapa Mandioca e Fruticultura.

Lourival Monaco lembra ainda que em Araraquara, e na cidade vizinha de Matão, operam as sedes das três maiores indústrias de processamento de suco de laranja do mundo, todas mantenedoras do Fundo. Além do Fundecitrus, o cinturão Araraquara-Bebedouro-Ribeirão Preto-São Carlos concentra grandes instituições de tecnologia, ensino e extensão que possuem em seu quadro de pesquisadores e nas suas linhas de pesquisa uma forte estrutura de atuação no agronegócio citros, como UNESP, USP, UFSCar, APTA/IAC. Isso permite articulações para colaborações em pesquisas diversas, com possibilidade de inserção futura de outras instituições e Unidades da Embrapa na UMIPTT Cinturão Citrícola.

"A Embrapa se posiciona de forma pioneira no mercado citrícola ao estabelecer essa nova parceria com o Fundecitrus e a Fupab, abrindo possibilidades de expandir seus projetos de desenvolvimento e inovação, garantindo que o futuro da pesquisa para o setor seja tratado com a cadeia produtiva e com muito mais impacto para os produtores", concluiu Vilarinhos.

Dados sobre a citricultura brasileira

A citricultura é uma das principais cadeias de valor do agronegócio brasileiro, ocupando atualmente a quinta posição em termos de valor da produção, atrás da soja, cana de açúcar, milho e café (IBGE 2016). Movimenta anualmente US$ 14 bilhões, dos quais aproximadamente US$ 2 bilhões somente em exportação de suco de laranja processado (concentrado e pasteurizado) com arrecadação de US$ 189 milhões em impostos.

Em todo o país, a cultura de citrus ocupa cerca de 800 mil ha, entre laranjas, tangerinas, limas e limões, sendo que o Estado de São Paulo, Triângulo de Minas Gerais e Noroeste do Paraná representam 84% da produção nacional. Bahia, Sergipe, Rio Grande do Sul e Pará são outros Estados com relevante produção, mais direcionada para frutas de mesa (cerca de 13%). Em São Paulo, 87% da produção corresponde a laranjas, sendo 80% da produção destinada ao processamento, dos quais 98% é exportado.

A produção brasileira de laranja é a maior do mundo e responde por mais de 60% do total de suco produzido e 80% do mercado internacional. A cadeia gera mais de 220 mil empregos diretos e, somente em São Paulo, há mais de 7.500 propriedades citrícolas, das quais mais de 5.000 em cultivo familiar. A citricultura empresarial responde pela maior área colhida e é hoje um dos segmentos mais tecnificados do agronegócio mundial.

O Estado de São Paulo é o maior produtor, com 74% de participação e forma, com o Triângulo e Sudoeste Mineiro (5%) e Noroeste do Paraná (5%), o principal cinturão citrícola brasileiro, em uma continuidade geográfica da cadeia citrícola industrial. Sua pujança reflete-se na produção de 61% do suco de laranja de todo o mundo, o que contribui para nossa balança de pagamentos e PIB agrícola.

Como 98% da produção de suco é exportada, esse segmento é o maior market share do Brasil em um produto do agronegócio. Além disso, é o agronegócio que mais emprega mão de obra por hectare, sendo responsável pela criação de 200 mil empregos diretos e indiretos somente no cinturão mencionado.

Entenda o que é o HBL, principal doença da citricultura

Atualmente, a doença huanglongbing (HLB ou greening) está presente nos estados de Minas Gerais e Paraná, enquanto o inseto vetor, o psilídeo Diaphorina citri, é registrado em todo o país. O HLB foi responsável pela erradicação de aproximadamente 46 milhões de árvores de laranja até dezembro de 2016, sendo sua incidência atual de 18% das plantas do parque citrícola paulista e do Triângulo Mineiro. No Paraná, a incidência de plantas com HLB está próxima de 7%.

O HLB é causado por bactérias de floema (Candidatus Liberibacter spp.). Todas as espécies do gênero Citrus e diversas espécies próximas são suscetíveis ao patógeno. Causa o definhamento da planta e a redução acentuada da produção e da qualidade dos frutos e não há tratamentos curativos viáveis para serem implementados em escala comercial.

O manejo atual consiste no uso de mudas sadias produzidas em ambiente protegido, identificação e erradicação sistemática de plantas sintomáticas e controle intensivo do vetor. A eficiência do manejo da doença depende de sua adoção, pois, quando realizada em escala regional (de modo coordenado em uma mesma unidade contínua, tanto em pomares comerciais como em plantas hospedeiras não comerciais) aumentam as chances de maior eficiência de controle da doença.

O custo médio total para se produzir uma caixa de laranja (cx 40,8 kg) é hoje estimado em R$ 13,90, o que corresponde a um custo total de R$ 9.964,60 por hectare, considerando-se um pomar com um estande de 400 plantas/hectare, uma produtividade média de 1,79 caixa/planta e de 900 a 1000 caixas/ha (FNP 2015). A estimativa das despesas com custeio do pomar compreende 78% do custo variável e 53% do custo total de produção. Controles fitossanitários e mão-de-obra representam os dois principais componentes do custo de produção. Somente com o controle do HL8 calcula-se um custo na faixa de R$ 500 a 1.200,00/ha/ano, conforme a incidência regional, correspondendo de 5 a 15% do custo de produção total.

Observações de pomares afetados pelo HLB revelam que quando as medidas de controle não são adotadas, pomares inteiros tornam-se economicamente inviáveis entre sete e dez anos após o aparecimento da primeira planta sintomática. Na Flórida (EUA), estima-se que a doença já afeta mais de 80% das árvores, sendo responsável direta pela expressiva redução da produção do estado, de um patamar de 150 milhões de caixas de 40,8 kg para 46 milhões de caixas em 2016/2017. Em virtude disso, investimentos privados e públicos em pesquisa citrícola nos EUA subiram de aproximadamente US$ 2 milhões anuais na era pré-HLB para USS 16 milhões anuais pós-HLB.

No Brasil, instituições públicas e privadas estão despendendo esforços de pesquisa e de transferência de tecnologias para reduzir o progresso do HLB com a otimização das práticas de manejo atuais e busca por soluções mais sustentáveis em médio e longo prazo.

A Embrapa contribui diretamente com esse objetivo. Hoje é responsável por um arranjo de projetos, o Arranjo HLB - “Soluções inovadoras e integradas para a superação da doença huanglongbing (HLB)”, coordenado pela Embrapa Mandioca e Fruticultura desde 2013. O Arranjo HLB é constituído por projetos em seis linhas temáticas: analítica, biomatemática, melhoramento convencional, controle biológico, sistemas de produção e biotecnologia. No período 2006-2023, estão previstos 27 projetos com participação de 18 Unidades da Embrapa e 17 instituições parceiras.



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