Como evitar que vírus em tomate se espalhe nas lavouras brasileiras

Com alta capacidade provocar danos à produção, Tomato Brown Rugose Fruit Virus, é quarentenário no BR e exige esforços da cadeia produtiva para evitar seu ingresso no País

01.06.2020 | 20:59 (UTC -3)
Cultivar Hortaliças e Frutas

O Tomato Brown Rugose Fruit Virus ou simplesmente ToBRFV é um vírus que foi descrito pela primeira vez em 2014, em Israel. Faz parte do grupo dos tobamovírus, em que os mais conhecidos são o Tobacco Mosaic Virus (TMV) que infecta o fumo, o Tomato Mosaic Virus (ToMV) do tomateiro, o Pepper Mild Mottle Virus (PMMoV) da pimenteira e o Odontoglossum Ring Spot Virus (ORSV) de orquídeas, todos já relatados no Brasil. Esse vírus, como os outros tobamovírus, acumula-se em grande quantidade no tecido infectado e é facilmente transmitido por contato.

Os principais mecanismos de disseminação dos tobamovírus são pela semente e por contato com materiais contaminados, como partes da planta, ferramentas, implementos, mãos, luvas e roupas. Esses vírus são muito estáveis e permanecem viáveis por longos períodos na área em partes de plantas secas e contaminantes de ferramentas agrícolas. Durante os procedimentos de poda e amarrio, esses vírus são facilmente transmitidos de uma planta a outra. Foi relatado também que esse vírus pode ser transmitido por abelhas (mamangavas - "bumblebees" - "Bombus terrestris") durante a polinização. A transmissão por sementes não foi confirmada, apesar de o vírus ter sido detectado em sementes, na superfície e internamente.

A doença pode ocorrer tanto em campo aberto como em cultivo protegido. Entretanto, espera-se que a incidência seja mais séria e frequente em estufas com plantios continuados.

O vírus infecta quais plantas?

ToBRFV já foi relatado infectando tomateiro, pimentão e berinjela naturalmente, mas a lista é longa quando testes de inoculação foram realizados. As seguintes plantas foram infectadas por inoculações artificiais: fumo (Nicotian benthamiana, N, clevelandii, N. glutinosa, N. sylvestris, N. tabacum), maria-pretinha (Solanum nigrum), chenopodium (Chenopodium amaranticolor, C. benghalense, C. murale, C. quinoa), chenopodiastrum e petunia (Petunia x hybrida).

Folha deformada, afilada, de planta de tomateiro infectada por ToBRFV.
Folha deformada, afilada, de planta de tomateiro infectada por ToBRFV.

Fruto de tomate com manchas cloróticas de plantas infectadas por ToBRFV.
Fruto de tomate com manchas cloróticas de plantas infectadas por ToBRFV.

Sintomas

ToBRFV tornou-se um dos vírus quarentenários mais temidos pelos produtores. Isso se deve à severidade dos sintomas que causa, pela rápida dispersão no ambiente e por não existirem cultivares com resistência à infecção. Os sintomas consistem de manchas de cor clara (mosqueado), clorose e mosaico nas folhas, deformação foliar e nanismo. Clareamento de nervuras e afilamento de folhas podem ocorrer ocasionalmente. Os sintomas podem ser amenos a severos e normalmente visíveis na parte mais nova das plantas infectadas. Os frutos são em geral menores, enrugados, com manchas circulares de cor amarelada e também manchas amarronzadas na superfície. Os frutos podem ficar deformados e com maturação irregular. Pode haver formação de lesões em outras partes da planta, como pecíolo de folhas, pedúnculo e cálice dos frutos. Há redução na produção (relatos de 30% a 70%) e as manchas prejudicam a comercialização dos frutos. Os sintomas são mais severos em plantas com infecção precoce e normalmente aparecem após 12 a 18 dias da inoculação.

Em pimentão (Capsicum annuum), os sintomas incluem deformação, clorose e mosaico nas folhas. Frutos nesta planta ficam deformados, com áreas amarelas ou marrons ou listras verdes.

A doença pode ser confundida com outras em tomateiro, portanto a diagnose não é simples. As manchas nos frutos são parecidas com aquelas causadas por tospovírus, que causam o vira-cabeça do tomateiro. Também podem ser semelhantes a manchas causadas pelo pepino mosaic virus, não relatado no Brasil.

Há cultivares com resistência?

O vírus ToBRFV chamou atenção por infectar plantas resistentes à infecção pelos tobamovírus. Aqui no Brasil, e também no restante do mundo, há uma grande oferta de cultivares de tomateiro que apresentam resistência à infecção pelos tobamovírus, principalmente ao ToMV, o mais comum em tomateiro. O gene de resistência Tm-22 é amplamente usado e frequentemente presente nas cultivares de tomateiro comercializadas no Brasil. Dessa forma, o aparecimento de sintomas lembrando a infecção por ToMV em plantas com resistência pode indicar a presença do ToBRFV e é necessária a sua confirmação urgente. Em pimentão, acredita-se que o gene L confere resistência ao ToBRFV.

Onde já foi relatado?

O vírus foi relatado em Israel (2014) e posteriormente na Jordânia (2015). Rapidamente, o vírus se alastrou para outros países: Itália (2018), México (2018), Turquia (2019), China (2019), Grécia (2019), Reino Unido (2019) e Holanda (2019). Após a constatação da doença na Alemanha (2018) e nos Estados Unidos (2017), foi possível a realização de medidas de erradicação e estes dois países ainda são considerados como livres da doença. A erradicação é um procedimento muito complexo, por este vírus contaminar facilmente as ferramentas de produção, mas a partir dessas duas experiências de sucesso conclui-se que a eliminação de todas as plantas infectadas é possível e deve ser implementada assim que a ocorrência do vírus seja confirmada.

No Brasil, o ToBRFV é quarentenário e é necessário que sejam realizados esforços para se impedir a entrada do vírus. Recomenda-se que todos redobrem a atenção para detectar plantas suspeitas. Em caso de suspeita de ocorrência do vírus, primeiro avaliar se a cultivar é resistente à infecção por ToMV. Se resistente, solicitar a realização do teste de detecção de ToBRFV em clínicas fitopatológicas ou na Embrapa Hortaliças. Medidas de erradicação precisarão ser efetuadas na tentativa de conter o vírus e evitar a sua dispersão em outras áreas de produção. O problema é muito sério.

Estabilidade da partícula viral?

As partículas virais ficam ativas na pele e nas luvas por mais de duas horas. Já em superfície de vidro, os vírus ficam ativos até quatro semanas; em concreto por mais de uma semana; em aço, alumínio, plástico e politeno por mais de quatro semanas. Sabe-se que o vírus permanece ativo em superfície plástica com tratamento de 70°C por 5', mas é inativado quando tratado por 90°C por 5'.

Manejo da doença

O manejo da doença causada pelo ToBRFV é concentrado no uso de sementes e mudas sadias. Luvas, ferramentas e roupas devem ser lavadas e trocadas com regularidade. Estacas, bandejas e tesouras devem ser limpas e desinfectadas com frequência. Utilizar luvas e sempre lavar as mãos antes e depois do seu uso. A desinfecção das ferramentas pode ser feita com água sanitária (>0,5% hipoclorito de sódio) ou leite desnatado. Sempre que for entrar na lavoura, lavar as mãos com sabão. Nos Estados Unidos, a suspeita é de que o vírus foi introduzido por frutos de tomate importados do México e que eram vendidos nos mercados. A contaminação das mãos dos trabalhadores com frutos infectados pode ter sido a causa da introdução do vírus na lavoura.

Mudas suspeitas em viveiro

Se houver suspeita de ocorrência de ToBRFV em mudas de tomateiro no viveiro, recomenda-se realizar teste de detecção para confirmação e eliminar todas as mudas em um raio de 1,5m. Cortar a água um dia antes da remoção. Durante a eliminação das plantas, não tocar em mais nada e incinerar todas as plantas. Destruir ou desinfectar todas as bandejas e materiais usados para o processo. Limpar a área e remover todos os restos de planta e substrato. A área, os equipamentos e as ferramentas devem ser desinfectados com produtos como água sanitária (0,5% hipoclorito de sódio). Leite em pó desnatado na concentração de 3,5% ajuda a prevenir a disseminação do vírus. Procurar quais as possíveis fontes do vírus para evitar um nova entrada.

Recomendações em cultivos livres de ToBRFV

Entrar na área de cultivo somente quando necessário e com roupas, mãos e materiais (luvas, ferramentas) limpos. Lavar as mãos com sabão ou desinfectantes e usar escova para lavar as unhas. Emergir o calçado em desinfetante antes de entrar e depois de sair do compartimento com as plantas. Sanitizar todas as ferramentas cortantes de trabalho após cada planta. Depois da colheita, retirar todos os restos vegetais e desinfestar toda a estufa.

Em caso de lavoura com plantas infectadas

Remover as plantas infectadas com muito cuidado e destruir, enterrando ou incinerando sem produzir restos (que ainda contenham partículas de vírus ativas) que se deslocam pelo ar. A estufa em que a planta infectada foi encontrada deve ser mantida isolada, com equipamentos de proteção individual específicos para esta estufa. Não utilize nenhuma ferramenta em outras estufas e sempre comece os trabalhos com roupas e ferramentas limpas. Lavar roupas com água quente e sabão. As mãos devem ser lavadas com sabão e as unhas com escova para remoção de pedaços de tecido. As ferramentas podem ser imersas em solução de leite em pó desnatado a 3,5%. Não permitir entrada de pessoas não autorizadas nem animais. Só trabalhar na estufa contaminada por último. Após a colheita, remover os restos vegetais e desinfestar toda a estufa.

Plantas sem sintomas não são plantas sadias, podem ser apenas plantas em que os sintomas ainda não apareceram. Há um período de incubação necessário para os sintomas serem visíveis. Algumas cultivares podem apresentar sintomas leves ou não apresentarem sintomas, mesmo infectadas.

Esse vírus é uma grande ameaça à produção de tomate em todo o mundo. Em países onde já foi constatado, esforços contínuos de erradicação estão sendo feitos. Naqueles países em que o vírus ainda não foi detectado, é preciso a todo custo evitar a sua entrada. É necessário que todos ligados à cadeia de produção de tomate fiquem atentos e inspecionem as plantas das lavouras.

Alice Nagata, Embrapa Hortaliças

Cultivar Hortaliças e Frutas abril/Maio 2020 

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