Como lidar com o aumento populacional do bicho-furão em citros

Desequilíbrio biológico, ausência de monitoramento, alongamento da colheita e clima estão entre causas que contribuem para aumento da praga

20.08.2020 | 20:59 (UTC -3)
Pedro Takao Yamamoto, Departamento de Entomologia e Acarologia da Esalq

O bicho-furão, Gymnandrosoma aurantianum, é uma praga secundária que, eventualmente, causa danos consideráveis aos citros, com capacidade para provocar intensa queda de frutos. Nos últimos anos, os ataques têm sido mais severos, causando, em algumas regiões e em talhões específicos dentro da propriedade, a queda de frutos que pode chegar a uma caixa de 40,8 quilos por planta.

Uma questão que preocupa os citricultores, os técnicos e a comunidade científica é o ataque mais intenso nas últimas safras, mesmo com o uso intensivo de inseticidas para controle do psilídeo-asiático-dos-citros, Diaphorina citri, vetor das bactérias associadas ao huanglongbing (HLB) ou greening. Nesse artigo serão discutidas as possíveis causas desse aumento.

As pulverizações para o psilídeo são efetivas para controle do bicho-furão?

Um equívoco muito comum entre os citricultores é imaginar que, pelo fato de estarem realizando o controle rigoroso do psilídeo D. citri, reduzem também a infestação de outras pragas, como o bicho-furão. Entretanto, apesar de ser verdadeiro para muitas pragas, para o bicho-furão não é efetivo. A explicação está na tecnologia de aplicação e não propriamente nos inseticidas utilizados.

Em virtude do ataque do psilídeo ser concentrado nas brotações novas, que estão na periferia da copa, a recomendação em termos de volume de calda é de 25ml de calda/m3 de copa a 40 ml de calda/m3 de copa, enquanto que, para o controle do bicho-furão, varia de 70ml de calda/m3 a 80 ml de calda/m3. Portanto, o volume de calda utilizada para o primeiro atinge parcialmente o segundo, que fica, durante o dia, no interior da copa e em repouso nas folhas, nos frutos e nos ramos e tronco da planta.

O bicho-furão começa sua atividade no crepúsculo, período em que dá início ao acasalamento (geralmente uma hora após o entardecer) e prossegue por uma a quatro horas. No crepúsculo é que a praga realiza a postura também, ovipositando nos frutos localizados de 1m a 2m de altura. Portanto, caso o bicho-furão não seja atingido pelo inseticida durante a aplicação, realizada preferencialmente durante o dia e no período que os adultos estão em repouso, ainda pode ser controlado pelo resíduo do inseticida aplicado, mas, geralmente, o residual é curto, por isso, ocorrem infestações mesmo com aplicações frequentes para o psilídeo.

Psilídeo-asiático-dos-citros, Diaphorina citri
Psilídeo-asiático-dos-citros, Diaphorina citri

São os frutos remanescentes da colheita os responsáveis pelo aumento do ataque?

Uma das causas de aumento da população do bicho-furão são os frutos remanescentes de uma safra para outra. Nesses frutos a praga se mantem e se desenvolve, tornando-se focos de infestações futuras para outros pomares e outras safras. Portanto, o controle cultural, com colheita dos frutos remanescentes, uma colheita bem-feita, apesar dos custos e da praticabilidade, constitui medida efetiva para diminuir a população da praga.

Foi a manutenção de frutos a causa da maior infestação nos últimos anos?

Apesar da safra de 2017/18 ter sido a maior em cinco anos (397,27 milhões de caixas de 40,8 quilos), essa não foi a causa principal do aumento populacional, que pode estar mais relacionado ao maior período de colheita dos frutos, que foi estendido devido à grande produção. Os frutos permanecendo por mais tempo na área podem ter favorecido o aumento populacional do bicho-furão.

A retirada e a eliminação dos frutos atacados, principalmente daqueles que se mantêm na planta (já que os caídos geralmente não apresentam mais as lagartas), são medidas complementares para quebrar o ciclo da praga. Esses frutos devem ser eliminados, triturados e enterrados.

O clima tem sido favorável ao bicho-furão?

Conhecer como o clima afeta a população de pragas é vital para delinear eficientes programas de manejo. No caso do bicho-furão, a temperatura e a umidade relativa desempenham importante papel na duração do ciclo de vida e viabilidade. Em áreas de temperaturas mais elevadas, o número de gerações é maior, por isso há mais ataques nas regiões Norte e Noroeste do estado de São Paulo.

A umidade relativa (UR) do ar afeta, principalmente, a capacidade de postura e a longevidade de adultos. Em períodos mais secos, com UR inferior a 30%, o inseto não realiza postura e vive menos. Por isso, pode-se observar uma baixa incidência de frutos danificados nesses períodos. Nesse caso, o efeito é negativo sobre a população da praga. Restabelecidas as condições normais de umidade, podem ocorrer danos aos frutos.

As condições climáticas, provavelmente, não sejam o fator preponderante e principal para o aumento populacional dos últimos anos, embora possam favorecer a intensidade de ataque do bicho-furão.

Desequilíbrio biológico pode ser a causa do aumento populacional?

Até meados do final da década de 1980, a citricultura era uma das culturas que menos utilizavam inseticidas, direcionando-os, basicamente, ao controle de moscas-das-frutas e a ataques esporádicos de cochonilhas e outras pragas. A partir de 1987, com a detecção da incidência da clorose variegada dos citros (CVC), causada pela bactéria Xyella fastidiosa, e a sua relação com cigarrinhas da família Cicadellidae, subfamília Cicadelinae, houve aumento da utilização de inseticidas em citros, que foi intensificada com o relato da ocorrência das bactérias Candidatus liberibacter spp., associadas ao HLB ou greening, e transmitidas pelo psilídeo-asiático-dos-citros. Na atualidade, são realizadas, em algumas regiões e alguns talhões das propriedades, até 24 aplicações anuais de inseticidas, mais algumas em pulverização aérea.

Esse grande número de aplicações, com certeza, tem causado a morte de organismos benéficos responsáveis pela manutenção de pragas em níveis que não causem danos econômicos, incluindo o bicho-furão-dos-citros. Portanto, o desequilíbrio biológico pode ser um dos fatores de aumento populacional da praga, favorecendo o ataque precoce, inclusive aos frutos pequenos, verdes e ácidos.

Em baixas populações, o bicho-furão tem preferência por frutos em estágio mais avançado de maturação. Entretanto, quando a população aumenta, pode atacar indistintamente os frutos verdes e maduros, apesar de, em pHs menores dos frutos verdes, a duração e a mortalidade larval se tornarem maiores. Apesar disso, penetram e se alimentam desses frutos, levando ao apodrecimento e à perda total dos frutos perfurados.

A falta de monitoramento pode favorecer o ataque?

Antes do desenvolvimento do feromônio sexual para monitoramento da população do bicho-furão (Ferocitrus furão), o controle era baseado em frutos atacados, o que sempre ocasionava perdas e, muitas vezes, dificultava o controle. Com o desenvolvimento do feromônio, foi possível antecipar e controlar as infestações do bicho-furão no momento correto. Entretanto, observa-se que muitos citricultores não fazem o monitoramento populacional, começam tardiamente ou não distribuem as armadilhas de forma correta dentro da propriedade, em função das variedades plantadas.

Sem o monitoramento ou com seu início quando já ocorreu o ataque da praga, pode-se iniciar o controle já com diferentes fases do inseto ocorrendo na área, tais como ovos sobre o fruto, lagartas em trânsito ou dentro do fruto, pupas no solo e adultos livres. Nessa situação, para que se tenha realmente diminuição da população, há necessidade de várias aplicações, pois os inseticidas têm como alvo a lagarta em trânsito e os adultos que estão na copa da laranjeira. As lagartas que eclodirem do ovo também podem ser eliminadas pelo resíduo dos inseticidas sintéticos ou biológicos aplicados. As lagartas dentro do fruto e as pupas no solo não são controladas pela aplicação de inseticidas, podendo ser fonte de novas infestações e em períodos diversos, pois estão em diferentes estágios de desenvolvimento.

Portanto, a falta de monitoramento, principalmente em momentos em que ocorrem infestações mais precoces, pode ocasionar contratempos e surpresas, levando ao aumento das aplicações de inseticidas e, consequentemente, a acréscimos nos custos de produção e danos aos frutos.

Uma das causas de aumento da população do bicho-furão são os frutos remanescentes de uma safra para outra
Uma das causas de aumento da população do bicho-furão são os frutos remanescentes de uma safra para outra

Conclusão

Os fatos evidenciam que as causas das infestações mais severas e precoces do bicho-furão podem estar atreladas ao desequilíbrio biológico, provocado pelo uso intensivo de inseticidas na citricultura. Mas, possivelmente, diferentes fatores atuam  em conjunto, com impacto no aumento populacional do bicho-furão. O alongamento da colheita, devido à alta produção (não é o caso da safra 2018/19), pode ser outro fator de aumento populacional, por conta dos frutos permanecerem por mais tempo no campo. O fato de não se realizar o monitoramento e/ou fazê-lo não seguindo a recomendação de abrangência do Ferocitrus furão, pode ser outro responsável pelo aumento da população. E, por fim, o clima também pode contribuir para o aumento populacional.

Fica evidente que medidas de manejo devem ser tomadas, com o uso de diferentes táticas, desde o químico até o biológico, para amenizar o ataque dessa praga, inclusive realizando aplicações em volume de calda direcionado ao seu melhor controle.

Por Pedro Takao Yamamoto, Departamento de Entomologia e Acarologia Esalq/USP

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