Como lidar com os impactos do clima na produtividade da soja

Fenômenos climáticos extremos, como o El Niño Oscilação Sul (Enos), têm se transformado nos maiores limitantes da produtividade da soja no Brasil

16.12.2020 | 20:59 (UTC -3)
Cultivar Grandes Culturas

O Brasil é o maior produtor mundial de soja, e isto é possível devido à grande área cultivada e às altas produtividades. A produtividade média de soja no Brasil é de 3,3t/ha (Figura 1a).  Em comparação, a produtividade média de soja nos Estados Unidos, Argentina e China, os maiores produtores mundiais, foi de 3,4t/ha, 3,1t/ha e 1,7t/ha, respectivamente. Contudo, os eventos de secas e de altas temperaturas têm sido os maiores limitantes para a obtenção de altas produtividades no Brasil, e tendem a se tornar mais frequentes e intensos com as mudanças climáticas.

Historicamente, a maioria dos eventos climáticos extremos é causada pelo efeito do fenômeno El Niño Oscilação Sul (Enos). O Enos é um fenômeno oceânico atmosférico, caracterizado por anomalias da temperatura da superfície do Oceano Pacífico. Quando a temperatura é 0,5°C maior que a média, tem-se a fase quente, ou El Niño; e quando a temperatura é 0,5°C menor que a média, tem-se a fase fria, ou La Niña. Durante a fase La Niña, há uma possibilidade maior de ocorrência de secas e de altas temperaturas no Sul do Brasil, e o contrário ocorre durante a fase El Niño.

A safra de 2012 ocorreu durante a fase La Niña e foi desastrosa no Sul do Brasil. A produtividade média nacional caiu 10% em relação à média histórica, e 16% comparada à de 2011 (Figura 1a, círculo vermelho destaca 2012), equivalendo a uma perda de dez milhões de toneladas de soja. Esta queda de produtividade foi devido a uma intensa seca durante os meses de novembro e dezembro de 2011, seguida de altas temperaturas em janeiro e fevereiro de 2012, ocorridas na região Sul do Brasil (Figura 1d, 1e e 1f). Nesta região, a redução de produtividade foi superior a 20% (Figura 1b). No Oeste do Rio Grande do Sul e no Paraná, a perda de produtividade chegou a 90%, em algumas regiões (Figura 1c).

Recentes estudos indicam a escolha da data de semeadura como uma potencial estratégia para a redução dos efeitos dos eventos climáticos extremos. Assim, utilizou-se o modelo de simulação de crescimento de cultura (DSSAT-CROPGRO), para simular a fenologia e a produtividade de soja em diferentes localidades no Sul do Brasil, e determinar em número médio a ocorrência de eventos de seca (sete dias consecutivos sem precipitação) durante as fases vegetativa e reprodutiva da cultura. Para isso, foi utilizada uma série diária histórica de chuva, radiação solar, temperatura máxima e mínima de 56 anos (1961-2016).

Figura 1 - A produtividade de soja no Brasil e a safra de 2012. (a) Média de produtividade de soja no Brasil corrigida pela têndencia tecnológica (Conab, 2020). (b) Média de produtividade de soja no Sul Brasil corrigida pela têndencia tecnológica. (c) Variação da produtividade da soja em 2012 em relação à média do período de 20 anos (2000-2020), adaptado de IBGE (2020). Boxplots (d) chuva acumulada mensal, (e) média da temperatura máxima mensal, (f) média da temperatura mínima mensal e (g) média da radiação solar mensal. (d-g) Os valores referentes as médias mensais da safra 2011/2012 estão destacadas com o asterísco vermelho. Figura adaptada de Nóia Júnior et al. (2020)
Figura 1 - A produtividade de soja no Brasil e a safra de 2012. (a) Média de produtividade de soja no Brasil corrigida pela têndencia tecnológica (Conab, 2020). (b) Média de produtividade de soja no Sul Brasil corrigida pela têndencia tecnológica. (c) Variação da produtividade da soja em 2012 em relação à média do período de 20 anos (2000-2020), adaptado de IBGE (2020). Boxplots (d) chuva acumulada mensal, (e) média da temperatura máxima mensal, (f) média da temperatura mínima mensal e (g) média da radiação solar mensal. (d-g) Os valores referentes as médias mensais da safra 2011/2012 estão destacadas com o asterísco vermelho. Figura adaptada de Nóia Júnior et al. (2020)

Os resultados indicam que os impactos das fases dos Enos na produtividade da soja no Sul do Brasil variam de acordo com a localidade, e podem ser divididos em três grupos (Figura 2a):

I) Grupo I (Sul do Rio Grande do Sul): os impactos da fase El Niño no Sul do Brasil tendem a ser benéficos à produtividade de soja em todas as datas de semeadura; o oposto ocorre durante a fase La Niña. Neste grupo, a ocorrência de eventos de seca nas fases vegetativa e reprodutiva é mais frequente durante a fase La Niña, independentemente da data de semeadura (Figura 2b). A perda de produtividade média durante o La Niña, neste grupo, supera 1.000kg/ha (Figura 2e).

II) Grupo 2 (Norte do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e parte da região Sul do Paraná): as fases El Niño La Niña tendem a impactar positivamente a produtividade de soja; geralmente, os anos com produtividade abaixo da média ocorrem durante a fase neutra (Figura 2f), uma vez que a ocorrência de eventos de seca nas fases vegetativa e reprodutiva é mais frequente nesta fase (Figura 2c).

III) Grupo 3 (Paraná em geral): os impactos positivos e negativos das fases do fenômeno Enos variam de acordo com a data de semeadura; isso se dá, pois a frequência de ocorrência de eventos de seca durante as fases reprodutiva e vegetativa durante as diferentes fases do Enos também varia de acordo com a data de semeadura (Figura 2d). Por exemplo, nota-se que a frequência de eventos de seca durante a fase reprodutiva (fase mais sensível ao déficit hídrico) aumenta quando ocorre a antecipação da data de semeadura da soja para setembro e início de outubro durante a fase La Niña. A antecipação do plantio da soja durante a fase La Niña e Neutro pode gerar perda de até 500kg/ha (Figura 2g). Por outro lado, a antecipação da semeadura da soja é favorecida pela fase El Niño. A fase El Niño pode ter efeito negativo na produtividade de soja, caso a semeadura seja realizada a partir da metade do mês de novembro, devido à maior ocorrência de eventos de seca no período reprodutivo da cultura (Figura 2d).

Figura 2 - Impactos do fenômeno El Niño Oscilação Sul sobre a cultura da soja no Sul do Brasil.  (a) Grupos homogêneos quanto ao impacto do fenômeno El Niño sobre a cultura da soja determinado por análise de agrupamento. (b-d) Número médio de eventos de seca (7 dias consecutives sem chuva) durante a fase vegetativa e reprodutiva da cultura na soja nos Grupos (b) I, (c) II e (d) III em diferentes data de semeadura e fase do ENOS.  (e-g) Produtividade média da soja em diferentes datas de semeadura e fases do ENOS nos grupos (e) I, (f) II e (g) III. Figura adaptada de Nóia Júnior et al (2020)
Figura 2 - Impactos do fenômeno El Niño Oscilação Sul sobre a cultura da soja no Sul do Brasil. (a) Grupos homogêneos quanto ao impacto do fenômeno El Niño sobre a cultura da soja determinado por análise de agrupamento. (b-d) Número médio de eventos de seca (7 dias consecutives sem chuva) durante a fase vegetativa e reprodutiva da cultura na soja nos Grupos (b) I, (c) II e (d) III em diferentes data de semeadura e fase do ENOS. (e-g) Produtividade média da soja em diferentes datas de semeadura e fases do ENOS nos grupos (e) I, (f) II e (g) III. Figura adaptada de Nóia Júnior et al (2020)

A ocorrência de eventos de seca durante as fases reprodutiva e vegetativa da soja varia de acordo com a região, a data de semeadura e a fase do Enos. Assim, uma maneira interessante de se minimizar os impactos das fases dos Enos é através da escolha da data de semeadura. Contudo, vale a pena ressaltar que a ocorrência de eventos de seca não está relacionada somente às fases do fenômeno Enos. Assim, outras alternativas, como a adoção da irrigação quando possível, o plantio direto para auxliar na manutenção da umidade do solo, a melhoria do perfil do solo em profundidade para possibilitar o melhor crescimento das raízes e a adoção de cultivares resistentes às secas, devem ser consideradas para minimizar os efeitos do fenômeno Enos, a variabilidade climática e os eventos climáticos extremos.

Nóia Júnior lembra que é preciso estar atento à semeadura
Nóia Júnior lembra que é preciso estar atento à semeadura

Rogério de Souza Nóia Júnior, Universidade da Flórida; Mauricio Alex Zientarski Karrei, Universidade da Flórida; Clyde William Fraisse, Universidade da Flórida, EnsoAg LLC; Bruno Fardim Christo, Agroconsult

Cultivar Grandes Culturas Outubro 2020

A cada nova edição, a Cultivar Grandes Culturas divulga uma série de conteúdos técnicos produzidos por pesquisadores renomados de todo o Brasil, que abordam as principais dificuldades e desafios encontrados no campo pelos produtores rurais. Através de pesquisas focadas no controle das principais pragas e doenças do cultivo de grandes culturas, a Revista auxilia o agricultor na busca por soluções de manejo que incrementem sua rentabilidade. 

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