Como manter a produtividade na lavoura de grãos

A adoção de tecnologias voltadas à reestruturação do solo tem garantido a tranquilidade dos produtores mesmo em anos de estiagem

15.06.2020 | 20:59 (UTC -3)
Joseani M. Antunes​ e Deise Froelich​

O conceito de tecnologia na agricultura muitas vezes se confunde com o uso de máquinas modernas, lançamentos de cultivares e defensivos. Mas o uso de insumos precisa ser complementado pelo manejo correto dos recursos do ambiente para maximizar a produção de grãos. A adoção de tecnologias voltadas à reestruturação do solo tem garantido a tranquilidade dos produtores mesmo em anos de estiagem. 

No Brasil, a área manejada com sistema plantio direto, mesmo que com limitações, é de 32 milhões de hectares. No Rio Grande do Sul, o cultivo com espécies anuais produtoras de grãos está presente em 7,57 milhões de hectares, com o sistema plantio direto necessitando de adequações, mas presente em 90% da área. No verão, predomina a cultura da soja, com 5,69 milhões de hectares, perfazendo mais de 75,2% da área produtora de grãos. No inverno, a produção de grãos está em 1,03 milhões de hectares, o que representa apenas 13,6% da área cultivada. Acrescendo a produção de grãos à área cultivada com adubos verdes ou plantas de cobertura, restam ainda cerca de 5,68 milhões de hectares, isto é, 75% da área sob cultivo de espécies anuais produtoras de grãos ficam em pousio invernal, com presença apenas de plantas espontâneas, como aveia e azevém.  

O efeito mais danoso da adoção desta matriz produtiva ou modelo de produção, segundo o pesquisador da Embrapa Trigo, José Eloir Denardin, é a degradação da estrutura do solo, que dificulta ou impede as raízes das plantas de acessar os nutrientes, mesmo diante da aplicação das doses de corretivos e adubos indicadas tecnicamente. Esse fato, conforme o pesquisador, resulta no aumento dos custos de produção e na redução da renda, pois o investimento não se traduz em produtividade. “É importante destacar que a degradação da estrutura do solo não permite o aprofundamento das raízes, não permite os fluxos de água, de ar e de nutrientes entre as camadas do solo, tornando poucos dias sem chuva (7 a 10 dias), em deficiência, cenário de estiagem, com perda de produtividade e de rentabilidade”, afirma Denardin.

Outro problema está associado à calagem aplicada em solos com baixo teor de matéria orgânica, decorrente do baixo aporte de restos de cultura ao solo. Nessa condição, o processo de compactação do solo é acelerado. “O calcário, aplicado na superfície de solos com baixo teor de matéria orgânica, normalmente eleva o pH do solo para valores acima de 6,5. Em decorrência, a argila se separa das demais partículas do solo e é arrastada da superfície para a subsuperfície do solo, obstruindo os  poros da camada subsuperficial, reduzindo a taxa de infiltração de água, aumentando a erosão hídrica e antecipando os sintomas de déficit hídrico nas plantas”, explica Denardin.

No sul do Brasil, a compactação do solo é responsável por perda de produtividade em três a cada dez safras. Daí a importância em ampliar o uso das práticas conservacionistas capazes de reduzir ou eliminar a compactação, além de aumentar os fluxos de água, de ar, de nutrientes e de raízes no perfil do solo. 

Soluções apontadas pela pesquisa

Através de processos mecânicos e vegetativo é possível reverter a degradação e a compactação do solo. É o que mostram os resultados de pesquisas conduzidas pela Embrapa na Região Sul, em parceria com instituições de pesquisa, extensão rural e assistência técnica.

Durante três anos (safras 2017/18, 2018/19 e 2019/20), foram acompanhadas unidades de referência tecnológica em mais de 100 municípios do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Alguns resultados foram expressivos: a produtividade da soja sob forte estresse hídrico foi de 3.458 kg/ha, três vezes maior que a média das lavouras no entorno; o rendimento do trigo sob forte estresse hídrico foi entre 36% e 45% maior; e a taxa de infiltração de água no solo foi de 92 mm/h na área em que foram combinadas práticas mecânicas e de diversificação de culturas, enquanto em área sem estas práticas, a taxa de infiltração foi de 13 mm/h. 

O processo mecânico de descompactação de solo está fundamentado na escarificação, que consiste em romper a camada compactada através de equipamentos motomecanizados que operam em profundidade ligeiramente maior do que o limite inferior da camada compactada. 

O processo vegetativo de descompactação do solo está associado ao desenvolvimento de raízes de plantas, cujo sistema radicular seja suficientemente vigoroso, agressivo, intenso e espesso para penetrar e romper a camada compactada, deixando, após sua morte e decomposição, macroporos no solo. “O uso de plantas com raízes em alta densidade, espessas, finas e que se decomponham lentamente constitui complemento essencial à ação mecânica de descompactação, uma vez que as raízes ocuparão os espaços resultantes do rompimento da camada compactada”, explica o Chefe de Transferência de Tecnologia da Embrapa Trigo, Jorge Lemainski. As melhores opções são as gramíneas de verão, como milho, capim sudão, milheto ou sorgo, seguidas pelas gramíneas de inverno como centeio, aveia branca, aveia preta, triticale, trigo e cevada.

Experiência do produtor

Com a vida dedicada à produção de grãos em Santo Ângelo, na região noroeste do Rio Grande do Sul, Jorge Dezen sempre priorizou a formação da palhada para o plantio direto, mesmo assim, sentia a queda progressiva no rendimento da lavoura mesmo com o aumento no investimento em insumos: “A gente sempre esteve preocupado em fazer palha em cima da terra, mas não dava importância ao que acontecia em baixo, até sentir os efeitos negativos no bolso”. 

Apesar de seguir a média de produtividade do município, Jorge Dezen sempre acreditou que os resultados podiam ser melhores. Foi com apoio da filha, Márcia Dezen, extensionista da Emater/RS-Ascar, que começou a revolução na lavoura. Foram abertas várias trincheiras para avaliar o perfil do solo na propriedade de 540 hectares, verificando a severidade e a profundidade da compactação que limitava os rendimentos. Após correções com base nas análises, começou o planejamento das espécies mais eficientes agronomicamente, mas sem comprometer o resultado financeiro.  Na safra 2018/2019, a saída da soja foi seguida pelo milho, que cobriu o solo por, aproximadamente, 60 dias, quando foi dessecado para a semeadura de aveia, voltando com a soja no verão. O produtor comemora os resultados: “A média de produtividade na soja do município ficou em 24 sacos por hectare, mas teve vizinho colhendo 10 sacos. Aqui (na propriedade) eu fechei com 43 sacos de média”, conta Jorge Dezen, que investiu no capim sudão na cobertura do solo deste ano e já planeja experimentar o sorgo no próximo outono, praticando a diversificação de culturas.

A sucessão de culturas, soja no verão e trigo no inverno, também estava reduzindo o rendimento de grãos na propriedade do Alisson Padoim. “Acreditávamos que apenas manter a cobertura no inverno era suficiente para cuidar do solo, mas quando vi na trincheira na área onde eu estava plantando ficou fácil entender porque não produzia mais como antes”. O produtor investiu no milho para cobrir o solo, semeado no mesmo dia em que fez a colheita da soja, em abril de 2019: “Comprei grãos de um vizinho e minha cobertura custou 40 reais por hectare, um valor que certamente retornou na soja que veio pós trigo”, conta Alisson. Na safra passada, os rendimentos da soja ficaram entre 40 sacas por hectare na área em recuperação e 25 sacos por hectare no restante da área, mas a expectativa do produtor é expandir a melhoria do solo em toda propriedade e obter resultados ainda maiores no longo prazo: “O milho já contribuiu  bem para a descompactação de solo. Com a colheita da soja, ainda conseguimos ver resíduos de palha de milho e de trigo do ano anterior, mostrando que, mesmo com o calor deste verão, o solo não conseguiu decompor toda a palhada e as raízes, mantendo  boa cobertura e umidade na área. A tendência é que os resultados sejam ainda melhores nas próximas safras”.

Com os resultados do projeto, novos produtores já procuraram o escritório da Emater/RS-Ascar em Santo Ângelo para fazer parte do grupo de conservação de solo: “O ano de estiagem na soja ajudou a mostrar os resultados do trabalho de estruturação do solo com o uso de gramíneas de verão. A cobertura permanente, sem vazio entre a saída da soja e a entrada do trigo, já foi suficiente para controlar a erosão nas áreas trabalhadas, resultado que, somado à produção de raízes e matéria orgânica, mostrou o potencial das práticas conservacionistas para retomar a produtividade na lavoura de grãos”, avalia a engenheira agrônoma Márcia Dezen.


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