Como prevenir estabelecimento da Helicoverpa punctigera no Brasil

A prevenção de introdução, estabelecimento e dispersão de potenciais pragas exóticas como Helicoverpa punctigera no Brasil é uma necessidade

24.07.2020 | 20:59 (UTC -3)
Cultivar Grandes Culturas

É provável que você já deve ter ouvido falar em lagarta-do-cartucho, Spodoptera frugiperda (JE Smith) (Lepidoptera: Noctuidae); broca-pequena-do-tomateiro, Neoleucinodes elegantalis (Guenée) (Lepidoptera: Crambidae); bicudo-do-algodoeiro, Anthonomus grandis Boheman (Coleoptera: Curculionidae); broca-do-café, Hypothenemus hampei (Coleoptera: Scolytidae); ácaro-das-palmeiras, Raoiella indica Hirst (Prostigmata: Tenuipalpidae) e lagarta-helicoverpa Helicoverpa armigera (Hübner) (Lepidoptera: Noctuidae). O que esses insetos têm em comum? Todos são pragas exóticas que invadiram e instalaram-se no Brasil, provocando severos prejuízos na agricultura nacional. A última praga da lista, H. armigera, foi constatada em meados de 2013 e logo no primeiro ano provocou prejuízo da ordem de 2 bilhões de dólares (Czepak et al., 2013).

Pois bem, no cenário mundial existem muitas outras pragas exóticas com elevado potencial de dano assim como H. armigera. São classificadas pela legislação brasileira como Pragas Quarentenárias Ausentes (PQA). E que por definição é entendida como Praga Quarentenária Ausente (PQA) a de importância econômica potencial para uma área em perigo, que não esteja presente no território nacional (Brasil, 2016, p.7).

Algumas PQA apresentam maior potencial de dano quando comparadas às outras. Destaca-se uma “prima” próxima da H. armigera, oriunda do mesmo centro de origem (Austrália), que assombra produtores de grãos, de algodão, de hortaliças e de frutas no mundo, e atende pelo nome científico de Helicoverpa punctigera (Wallengren) (Lepidoptera: Noctuidae). Por serem bastante similares é necessária muita atenção na identificação correta destas espécies. Dentre as principais diferenciações morfológicas é possível destacar que as larvas de H. punctigera têm pelos pretos ao redor da cabeça e ao longo do corpo, enquanto H. armigera apresenta pelos claros. Já nos indivíduos adultos de H. armigera é possível verificar duas manchas claras nas asas inferiores, enquanto em H. punctigera não existem essas manchas (Figura 1) (Bellati et al., 2012).

Figura 1 - Características distintivas entre Helicoverpa punctigera (Wallengren) e Helicoverpa armigera (Hübner) (Lepidoptera: Noctuidae).
Figura 1 - Características distintivas entre Helicoverpa punctigera (Wallengren) e Helicoverpa armigera (Hübner) (Lepidoptera: Noctuidae).

Helicoverpa punctigera é uma espécie extremamente polífaga que ataca aproximadamente 130 espécies de plantas (Zalucki et al., 1994; Cunningham et al., 2014) e nos dias atuais encontra-se restrita apenas à Austrália (Figura 2) (Oertel et al., 1999).

Figura 2 - Distribuição natural de Helicoverpa punctigera (Wallengren) (Lepidoptera: Noctuidae), atualmente restrita à Austrália
Figura 2 - Distribuição natural de Helicoverpa punctigera (Wallengren) (Lepidoptera: Noctuidae), atualmente restrita à Austrália

Existe grande preocupação dos órgãos de regulação fitossanitária e de produtores de todo o mundo com a disseminação de H. punctigera para outras áreas agrícolas e isso deve-se a um conjunto de características que lhe permitem sobreviver e explorar diferentes plantas em sistemas de cultivos diversos. Destacam-se sua capacidade de migração - cerca de 2.000km (Rochester, 1999), sua capacidade de permanecer em diapausa variando de 69-318 dias (Zalucki et al., 1986) e alta taxa de fecundidade, uma vez que as fêmeas têm potencial para ovipositar de 1.500 a 1.800 ovos durante um período reprodutivo de dez a 12 dias (Zalucki et al., 1986; Furlong; Zalucki, 2017). Porém, em contraste à H. armigera, apresenta menor capacidade de adquirir resistência à inseticidas.

Devido ao seu potencial de disseminação, vários países tornaram a entrada de mercadorias nas fronteiras mais rigorosa. Como resultado desse esforço, o Serviço de Inspeção Sanitária Animal e Vegetal dos Estados Unidos (USDA-Aphis) (USA), no ano de 1999, conseguiu interceptar dois exemplares de H. punctigera (Kriticos et al., 2015). Já no Brasil, em 2015, houve suspeita da presença de H. punctigera, pois foi encontrado um inseto com características semelhantes na região Noroeste do estado do Ceará (Embrapa, 2015). A identificação desse espécime mostrou não se tratar de H. punctigera, mas pode-se dizer que foi acesa uma “luz de advertência” para a possível chegada dessa espécie, uma vez que H. armigera apresenta características semelhantes e já está presente.

Para evitar que espécies-praga exóticas, como H. punctigera, sejam introduzidas e disseminadas no Brasil, é necessário investimento em sanidade vegetal, principalmente em políticas protecionistas, usando métodos para prevenção de introdução, estabelecimento e dispersão de potenciais pragas exóticas (Maximino et al., 2004).

Ausência de manchas claras nas asas inferiores é uma das características diferenciadoras de H. punctigera
Ausência de manchas claras nas asas inferiores é uma das características diferenciadoras de H. punctigera

Dada a importância da dispersão de pragas exóticas no mundo, as técnicas de previsão de introdução tornaram-se fundamentais, pois trata-se de uma ferramenta de menor custo ante o controle ou a erradicação da praga introduzida, já que os custos subsequentes de um processo de invasão são crescentes e por vezes os problemas gerados são irreversíveis (Ziller et al., 2007). O controle de fronteiras, o estabelecimento de sistemas quarentenários para avaliação de potenciais riscos à biodiversidade e a avaliação do potencial invasor das espécies são alguns exemplos de ferramentas utilizadas nessas análises (Wittenberg et al., 2001; Worner; Gevrey, 2006).

Para quantificar esta ameaça e desenvolver uma política de biossegurança eficaz é necessária uma compreensão das fontes potenciais das pragas, a probabilidade de chegada ao país e o estabelecimento em um determinado local, bem como estimar os seus possíveis impactos (Paini et al, 2011). Desta forma, o uso da informação sobre a biologia e o comportamento da espécie em locais onde é invasora e os dados climáticos dessas áreas são de grande utilidade para complementar as informações referentes ao seu habitat natural na modelagem (Ziller et al., 2007; Paini et al., 2011).

Alguns países no mundo já utilizam essas análises de risco de introdução de pragas exóticas com sucesso, podendo-se destacar a Austrália, os EUA, a Coreia do Sul e a China (Zalucki; Furlong, 2005; Kriticos et al., 2015; GE et al., 2017; Byeon et al., 2018). Na China, pesquisadores utilizaram modelos para prever introdução de Rhagoletis pomonella (Walsh) (Diptera: Tephritidae) e Spodoptera exigua (Hübner) (Lepidoptera: Noctuidae) (Zheng et al, 2012). Kriticos et al. (2015) refinaram o modelo Climex, um software que utiliza informações climáticas e de biologia do inseto e foi empregado para alertar os gerentes de biossegurança americanos para o potencial de invasão de H. armigera na América do Norte, identificando áreas que são adequadas para o estabelecimento e crescimento populacional durante as estações favoráveis, cujo valor de produção das culturas neste ambiente favorável a introdução e estabelecimento da H. armigera representaria 843 milhões de dólares por ano (Figura 3).

Figura 3 - Adequação climática para Helicoverpa armigera (Hübner) (Lepidoptera: Noctuidae) na América do Norte utilizando a metodologia CLIMEX, levando em consideração os padrões de irrigação e a existência de hospedeiros (culturas) adequados. A) Índice Ecoclimático (EI), indicando condições favoráveis para persistência; B) Índice Anual de Crescimento (GIA), indicando o potencial de crescimento populacional
Figura 3 - Adequação climática para Helicoverpa armigera (Hübner) (Lepidoptera: Noctuidae) na América do Norte utilizando a metodologia CLIMEX, levando em consideração os padrões de irrigação e a existência de hospedeiros (culturas) adequados. A) Índice Ecoclimático (EI), indicando condições favoráveis para persistência; B) Índice Anual de Crescimento (GIA), indicando o potencial de crescimento populacional

Além de criar modelos de introdução é possível predizer a variação temporal e espacial de pragas endêmicas dentro do país. Em 2005, Zalucki e Furlong conduziram um trabalho por meio do modelo de previsão Climex em que definiram a variação temporal da abundância de H. armigera e de H. punctigera em determinados locais no interior da Austrália usando dados meteorológicos históricos. Dessa forma foi possível orientar os produtores sobre as condições e o período mais favorável à ocorrência das pragas.

As análises de risco de pragas são poderosas ferramentas de comunicação visual para descrever onde espécies exóticas invasoras podem chegar, estabelecer-se, espalhar-se ou provocar impactos ambientais, sanitários e econômicos, como o provocado pela H. armigera no Brasil. Esses modelos têm como objetivo orientar as tomadas de decisão estratégicas e adotar as melhores táticas no gerenciamento de pragas, como possíveis restrições de importação de mercadorias oriundas de locais com pragas potenciais ou refinar o design de pesquisas, desenvolvendo modelos mais precisos de interceptação de pragas quarentenárias, similar ao observado no Usda-Aphis (Vanette et al., 2010).

Helicoverpa punctigera é uma espécie extremamente polífaga que ataca aproximadamente 130 espécies de plantas
Helicoverpa punctigera é uma espécie extremamente polífaga que ataca aproximadamente 130 espécies de plantas

No Brasil, poucos são os estudos utilizando essas ferramentas de modelagem na proteção fitossanitária, visto que é uma ciência multidisciplinar, ou seja, é necessário conhecimento sobre modelagem matemática, biologia e ecologia de insetos. Em 2014, por meio da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), foi desenvolvido um projeto-piloto com modelos matemáticos aplicados ao controle de insetos. Porém, dada a importância do Brasil no cenário agrícola mundial e o grande volume de mercadorias importadas/exportadas, ainda é pouco. É necessário que haja um engajamento dos órgãos de regulação fitossanitária e pesquisadores buscando uma maior colaboração internacional para construir modelos mais robustos e com rigor científico necessário para que essas pesquisas fomentem políticas protecionistas. 

Pastori e Oliveira alertam para os riscos de pragas exóticas no Brasil
Pastori e Oliveira alertam para os riscos de pragas exóticas no Brasil

Ruan Carlos de Mesquita Oliveira e Patrik Luiz Pastori, Universidade Federal do Ceará 

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