Como realizar o manejo preventivo contra cigarrinha-do-milho

Ações para controle dos enfezamentos devem ser essencialmente preventivas, para evitar alimentação dos insetos infectantes nas plântulas de milho

27.11.2020 | 20:59 (UTC -3)
Cultivar Grandes Culturas

A cigarrinha-do-milho Dalbulus maidis é o inseto responsável pela transmissão dos patógenos, agentes causais dos enfezamentos pálido e vermelho. Os enfezamentos são doenças que, quando ocorrem em elevada incidência, podem resultar em grandes prejuízos em lavouras comerciais e em campos de produção de sementes de milho. Embora surtos de enfezamentos no Brasil venham ocorrendo desde a década de 1990, foi a partir de 2015 que o país experimentou os maiores prejuízos com essas doenças em várias regiões, principalmente nos estados da Bahia, Goiás, Minas Gerais e São Paulo. Esse fenômeno tem sido atribuído, em grande parte, ao fornecimento ininterrupto e abundante de milho e às altas temperaturas, que representam condições favoráveis para o aumento da população do inseto-vetor e do inóculo dos patógenos.

Complexo de enfezamento

Os enfezamentos são doenças sistêmicas do milho, causadas por micro-organismos denominados molicutes (classe Mollicutes, divisão Bactéria), que infectam o floema da planta. Existem dois tipos de enfezamento: o enfezamento-pálido, causado por um espiroplasma (Spiroplasma kunkelii), e o enfezamento-vermelho, causado por um fitoplasma (Maize bushy stunt phytoplasma = MBS-fitoplasma). As plantas de milho infectadas com esses molicutes podem ser infectadas também com Maize rayado fino virus (MRFV), uma vez que esses três patógenos são transmitidos pelo mesmo inseto-vetor, a cigarrinha D. maidis. No Brasil, essa virose é denominada risca. A infecção da planta de milho pode ocorrer de forma isolada ou simultânea com um, dois ou três desses patógenos, fato que dificulta a individualização dessas doenças no campo e justifica a denominação comum utilizada por alguns técnicos: complexo de enfezamento. Essas doenças ocorrem no milho nas regiões tropicais e subtropicais das Américas, o que inclui o Brasil.

Os sintomas foliares dos enfezamentos manifestam-se caracteristicamente na fase reprodutiva das plantas de milho. Para o enfezamento-pálido, os sintomas característicos e inequívocos para a identificação são estrias cloróticas esbranquiçadas que se formam nas folhas e na palha das espigas, estendendo-se da base em direção ao ápice e que podem coalescer, atingindo toda a área foliar. Entretanto, dependendo do genótipo de milho, plantas infectadas com esse patógeno podem apresentar apenas clorose seguida por avermelhamento ou seca, principalmente nas margens e na parte apical das folhas. As plantas com essa doença apresentam internódios mais curtos e espigas menores que as plantas sadias, podendo ser drástica a redução no desenvolvimento e na produção. Para o enfezamento-vermelho, os sintomas característicos são intenso avermelhamento das folhas associado à proliferação das espigas, em geral, ao longo do colmo da planta. Entretanto, plantas infectadas com esse patógeno podem apresentar apenas clorose seguida por seca, principalmente nas margens e na parte apical das folhas, e espigas pequenas. Além disso, pode ocorrer redução no comprimento dos internódios da planta com enfezamento-vermelho, em grau variável dependendo do genótipo de milho. O enfezamento-vermelho causa grande redução na produção da planta infectada; as espigas são, em geral, pequenas e formam poucos grãos. Os sintomas da risca aparecem nas folhas da plântula, cerca de duas semanas após a infecção com o MRFV, e permanecem claramente visíveis na planta adulta. Esse vírus infecta tecidos do parênquima, e a doença manifesta sintomas que se caracterizam pela formação de pontos cloróticos nas folhas, que coalescem formando riscas paralelas às nervuras e que se estendem da base em direção ao ápice.

Estrias cloróticas esbranquiçadas características de enfezamento-pálido
Estrias cloróticas esbranquiçadas características de enfezamento-pálido

A infecção com espiroplasma e/ou com fitoplasma e/ou com o MRFV pode ocorrer em qualquer estádio de desenvolvimento da plântula de milho. Quanto mais jovem a plântula de milho suscetível for infectada, maior será o dano no seu desenvolvimento e produção. Apenas não ocorrerá dano no desenvolvimento e na produção do genótipo de milho suscetível se a infecção com esses patógenos ocorrer a partir da fase de florescimento da planta.

Nas plantas afetadas por enfezamentos, a produção de grãos pode ser reduzida em mais de 70% em relação às plantas sadias. A redução total em uma lavoura é diretamente dependente do percentual de plantas doentes. Os enfezamentos podem atingir até 100% das plantas de lavouras ou de campos de produção de sementes causando prejuízos expressivos.

Intenso avermelhamento das folhas provocado pelo enfezamento-vermelho
Intenso avermelhamento das folhas provocado pelo enfezamento-vermelho

A cigarrinha-do-milho Dalbulus maidis

A cigarrinha-do-milho é o único inseto-vetor conhecido no Brasil capaz de transmitir os agentes causais do enfezamento-pálido (espiroplasma), do enfezamento-vermelho (fitoplasma) e da risca (MRFV). É um inseto pequeno com comprimento de cerca de 4mm. Apresenta coloração amarelo-palha ou esbranquiçada. Entretanto, espécimes mais escuros podem ser encontrados dependendo da região e do clima. Os adultos possuem duas manchas circulares negras bem marcadas no alto da cabeça, entre os olhos, e essa característica permite distinguir D. maidis da maioria das espécies de cigarrinhas comumente encontradas na cultura do milho. As fases jovens (ninfas) são amareladas e não apresentam asas. Esse inseto habita preferencialmente o interior do cartucho das plantas de milho, mas ocorre também sobre as folhas das plantas adultas.

Originária do México, a cigarrinha-do-milho ocorre apenas no continente americano. No Brasil, apresenta ampla distribuição geográfica, podendo ser encontrada em todas as regiões produtoras de milho, desde cultivos em áreas extensas até em pequenas áreas de subsistência.

A biologia de D. maidis varia de acordo com as condições climáticas, sobretudo com relação à temperatura ambiente. Esse inseto se desenvolve de forma mais rápida em regiões mais quentes. Sua postura é feita no interior das folhas do milho, preferencialmente na nervura central. Os ovos são brancos, alongados e medem cerca de 1,3mm. Após a postura, os ovos podem levar de cinco dias a oito dias para dar origem às ninfas. Esse inseto apresenta cinco instares e a duração total da fase ninfal é de aproximadamente 17 dias, podendo variar, por exemplo, de 14 dias (em temperatura de 26°C) a 115 dias (em temperatura de 10°C). Os adultos podem viver entre 50 dias e 60 dias e as fêmeas podem colocar de 400 ovos a 600 ovos durante toda sua vida. Com base nos dados biológicos dessa espécie, é possível afirmar que a cigarrinha-do-milho complete uma geração em cerca de um mês e que seja capaz de produzir diversas gerações por ano principalmente nos meses mais quentes.

No Brasil, D. maidis só se reproduz no milho. Na ausência de sua planta hospedeira (milho), esse inseto-vetor migra a longas distâncias para encontrar novos plantios de milho, ou permanece localmente utilizando as plantas de milho voluntárias (tiguera) que emergem após a colheita desse cereal. Entretanto, estudos recentes realizados em campo e em condições controladas têm demonstrado que na ausência do milho, a cigarrinha D. maidis pode também utilizar outras espécies gramíneas da família Poaceae, como espécies de braquiária, sorgo e milheto, para abrigo e/ou alimentação, aguardando a emergência de plântulas de milho tiguera ou da semeadura subsequente desse cereal.

Sintomas da risca aparecem nas folhas da plântula aproximadamente duas semanas após a infecção
Sintomas da risca aparecem nas folhas da plântula aproximadamente duas semanas após a infecção

Manejo

Por se tratar de um inseto-vetor, e por ser muito rápida a transmissão dos patógenos, não se aplica à cigarrinha-do-milho o conceito de “nível de dano” utilizado no controle de insetos-praga. As ações para controle de D. maidis e para o controle dos enfezamentos devem ser essencialmente preventivas, para evitar a alimentação das cigarrinhas infectantes nas plântulas de milho. É importante ressaltar que nem todas as cigarrinhas de uma população que chega à lavoura de milho são infectantes, ou seja, portadoras dos patógenos. O percentual de cigarrinhas infectantes que chega à lavoura de milho em estágio de plântulas depende da origem da população. Se essa população provém de lavoura com alta incidência dessas doenças, a taxa de infectividade das cigarrinhas será alta. Assim, o uso de inseticidas químicos ou biológicos, registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), para o controle dessas cigarrinhas recém-chegadas pode não resultar no controle imediato dos enfezamentos na lavoura tratada. Essa medida, no entanto, auxilia na redução da população de cigarrinhas que migrarão para as lavouras subsequentes. Ressalta-se, no entanto, que o uso excessivo de inseticidas, além de ser ineficaz no controle desse inseto-vetor e dos enfezamentos, pode eliminar os inimigos naturais da cigarrinha, favorecendo seu aumento populacional.

Manejo do risco

Não há uma prática agronômica que, isoladamente, seja eficaz o suficiente para controlar os enfezamentos e/ou a cigarrinha no milho. Porém, diversas práticas são recomendadas para reduzir o risco de danos por essas doenças e necessitam ser adotadas por todos os produtores em uma região, para garantir eficácia nessa redução.

Dessa forma, algumas práticas podem ser recomendadas para o manejo dessas doenças e de seu inseto-vetor. A colheita do milho, seja grão ou semente, deve ser realizada evitando-se ao máximo deixar grãos e espigas no campo. Essa prática é benéfica, pois maximiza o rendimento da colheita e evita a emergência de plântulas tiguera, que concentram e aumentam a densidade populacional de cigarrinhas e o inóculo dos molicutes e do MRFV na área, gerando risco para plântulas de semeaduras seguintes. É benéfica também por evitar o custo de dessecação de plantas tiguera com a utilização de produtos químicos. As espigas e os grãos de milho que caem durante a colheita podem também ser posteriormente recolhidos.

O milho tiguera presente em áreas destinadas à semeadura desse cereal deve ser dessecado com antecedência mínima de 30 dias. Essa prática é benéfica por eliminar possíveis fontes de inóculo dos molicutes e MRFV e da cigarrinha. O período de 30 dias é recomendado porque as cigarrinhas ainda permanecem vivas nas plantas tiguera enquanto há tecido vivo, podendo também utilizar outras espécies de plantas da família Poaceae para abrigo e alimentação por períodos entre três semanas e cinco semanas.

Em grandes propriedades, principalmente onde há irrigação por vários pivôs, a distribuição das lavouras de milho, no tempo e no espaço, deve ser planejada de forma a evitar a disseminação do milho tiguera indiscriminadamente por toda a propriedade, principalmente nas áreas destinadas ao cultivo de outros cereais, o que pode dificultar e limitar a dessecação posterior dessas plantas tigueras com herbicidas que podem afetar esses cultivos. Essa prática pode reduzir o custo do manejo da tiguera.

Deve-se evitar a semeadura de lavouras de milho ao lado de lavouras com plantas adultas que apresentem sintomas de enfezamentos e/ou da virose da risca. As ninfas da cigarrinha que nascem nas plantas doentes adquirem os patógenos tornando-se infectantes. Como as cigarrinhas preferem viver no cartucho das plântulas de milho e migram das plantas adultas para a nova lavoura, as cigarrinhas infectantes os transmitem para as plântulas. Quanto mais plantas adultas doentes houver na lavoura adulta, maior será a população de cigarrinhas infectantes e mais plântulas da nova lavoura de milho serão infectadas.

 Para planejar a semeadura do milho, áreas e períodos de outras semeaduras desse cereal nas imediações do local devem ser monitorados para avaliação da possível migração de cigarrinhas infectantes para as plântulas dessa nova lavoura. A presença de muitas lavouras de milho adultas com alta frequência de sintomas de enfezamentos, próximas à área, com correntes de vento nessa direção, pode significar risco, e a semeadura, nesse momento, deve ser evitada.

 Deve-se tratar as sementes e pulverizar a lavoura no início de desenvolvimento (estádios V3 e V4) com inseticidas registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para controle da cigarrinha D. maidis. Essa prática deve ser adotada por todos os produtores para reduzir a população desse inseto-vetor. Esse tratamento trará benefício para a lavoura em questão, quando não houver fluxo contínuo de entrada de cigarrinhas infectantes com os patógenos, provenientes de milho tiguera ou de lavouras doentes, visto que a transmissão desses agentes ocorre muito rapidamente, antes da morte do inseto. Porém, a redução da população de cigarrinhas infectantes na localidade resultará sempre em diminuição da disseminação dos patógenos, beneficiando os produtores, que devem adotar essa prática.

 Sincronizar o período de semeadura em uma região, quando possível, pode evitar o aumento contínuo da população de cigarrinhas e a consequente concentração de inóculo dos patógenos, decorrente da migração desse inseto-vetor de lavouras adultas com plantas doentes para lavouras nos estádios iniciais de desenvolvimento.

 Diversificar e rotacionar cultivares de milho e utilizar cultivares resistentes aos enfezamentos, quando ofertadas, são práticas que podem contribuir para evitar a seleção de possíveis variantes genéticas dos patógenos, que podem ser altamente destrutivas. Esse complexo patossistema envolve três agentes patogênicos que interagem entre si, com o inseto-vetor, com a planta de milho hospedeira e com o ambiente. Embora essas interações não sejam completamente conhecidas, há evidências de influência da temperatura na transmissão diferencial e na proliferação dos molicutes e de variabilidade na transmissão de isolados desses agentes. Temperaturas mais elevadas -igual ou acima de 17°C (noite) e de 27°C (dia) - favorecem a proliferação desses patógenos nas cigarrinhas e nas plantas, e sua consequente disseminação, aumentando a incidência dos enfezamentos. 

Em localidades com alta incidência de enfezamentos, deve-se realizar vazio sanitário localizado, interrompendo a semeadura escalonada e deixando a área sem milho pelo menos por 30 dias. Essa prática objetiva eliminar simultaneamente fontes de inóculo e cigarrinhas e, em consequência, reduzir a incidência de plantas infectadas com fitoplasma, espiroplasma e MRFV. Em geral, o aumento de plantas doentes ocorre ao longo do tempo em localidades onde o milho é cultivado em semeaduras sequenciais, durante o ano todo. As semeaduras tardias, em geral, apresentam maiores níveis de incidência dessas doenças. Portanto, o monitoramento da incidência de enfezamentos é essencial para a decisão sobre a possível necessidade e sobre o momento mais adequado em que deve ser feita essa interrupção.

Deve-se pulverizar as plantas de milho em fase de produção com inseticida registrado no Mapa para controle da cigarrinha D. maidis. Esse procedimento pode reduzir a população de insetos portadores dos patógenos agentes causais dos enfezamentos e contribuir para reduzir a incidência dessas doenças em novas lavouras, tanto de milho semente quanto de milho grão.

Charles Martins de Oliveira, Embrapa Cerrados - Entomologia; Elizabeth de Oliveira, Embrapa Milho e Sorgo - Fitopatologia

Cultivar Grandes Culturas Setembro 2020

A cada nova edição, a Cultivar Grandes Culturas divulga uma série de conteúdos técnicos produzidos por pesquisadores renomados de todo o Brasil, que abordam as principais dificuldades e desafios encontrados no campo pelos produtores rurais. Através de pesquisas focadas no controle das principais pragas e doenças do cultivo de grandes culturas, a Revista auxilia o agricultor na busca por soluções de manejo que incrementem sua rentabilidade. 

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