Conheça tecnologias que auxiliam na diminuição da deriva

As novas biotecnologias que estão chegando ao mercado são fundamentais para o manejo sustentável da resistência das plantas daninhas aos herbicidas

31.07.2020 | 20:59 (UTC -3)
Revista Cultivar

As plantas daninhas, quando não controladas, competem com as plantas cultivadas por água, luz e nutrientes. Nesse sentido, o controle de plantas daninhas é fundamental para a sustentabilidade da agricultura. O cenário mundial, no entanto, é preocupante, devido ao aumento dos casos de resistência e tolerância das plantas daninhas aos herbicidas. Para contornar esse problema, algumas empresas têm investido em novas biotecnologias. O objetivo é desenvolver material genético das culturas de maior interesse com genes de tolerância ou resistência aos herbicidas, possibilitando a otimização do controle das plantas daninhas através da aplicação de herbicidas em pós-emergência das culturas. Com isso, o agricultor passa a contar com novas ferramentas para o controle das plantas daninhas resistentes.

Uma dessas novas tecnologias propiciou a tolerância da soja à aplicação de 2,4-D (sistema Enlist, da Corteva), que permite ainda o uso dos herbicidas glifosato e glufosinato em aplicações de pós-emergência da cultura. Esta tolerância da soja permite que seja feito o controle das plantas daninhas através de novos modos de ação, tornando o manejo da resistência mais sustentável. Além da soja, o milho Enlist possui tolerância aos herbicidas glifosato, glufosinato, 2,4-D e haloxifope, oferecendo novas opções para o manejo das plantas daninhas nessa cultura. Outra nova tecnologia para a soja é representada pelo sistema Intacta 2 Xtend, que possui tolerância aos herbicidas glifosato e dicamba. Com estas tecnologias, os agricultores passarão a ter mais opções de modos de ação de herbicidas para o manejo das plantas daninhas resistentes, tolerantes ou de difícil controle.

Estas novas biotecnologias são baseadas no uso dos herbicidas hormonais (2,4-D e dicamba), que antes não poderiam ser utilizados em pós-emergência na soja. A aplicação desses herbicidas hormonais (recebem esse nome pois são substâncias semelhantes aos hormônios naturais das plantas, que interferem no processo de crescimento) é importante para o controle de um maior espectro de plantas daninhas, principalmente dicotiledôneas (folhas largas) na cultura da soja. Há também o desenvolvimento de tecnologia para outras culturas, como o algodão. No Brasil, a previsão dos lançamentos comerciais para cultivares de Enlist e Intacta 2 Xtend é para a safra 2021/22.

Uma das preocupações gerais quanto à utilização dessas novas biotecnologias é justamente o seu embasamento na aplicação de herbicidas hormonais em pós-emergência das culturas. Neste cenário, a eventual ocorrência de deriva pode causar danos nas lavouras vizinhas que não sejam resistentes ou tolerantes aos herbicidas em questão (2,4-D e dicamba). A deriva é a fração da aplicação dos defensivos agrícolas que não atinge o alvo, podendo trazer danos econômicos e ambientais. A deriva pode acontecer em decorrência do carregamento das gotas para fora da área desejada pela ação do vento (deriva física), assim como os processos ligados à pressão de vapor dos herbicidas, entre outros processos. A deriva pode ocorrer em qualquer aplicação de defensivos agrícolas, porém, o efeito pode ser mais evidente nas aplicações de herbicidas hormonais, devido à facilidade de identificação dos sintomas em plantas sensíveis, assim como a alta sensibilidade de algumas plantas a doses baixas desse tipo de herbicida.

Tendo como base o mercado norte-americano, onde as tecnologias já estão sendo oferecidas a várias safras, inúmeros casos de danos ocasionados por deriva de herbicidas hormonais foram registrados, e por esta razão as boas práticas na tecnologia de aplicação serão muito importantes para evitar esse problema quando estas tecnologias estiverem sendo disponibilizadas no Brasil.

Além das pontas selecionadas para compor as TRDs nas aplicações dos herbicidas hormonais, novas formulações são fundamentais no avanço do controle das plantas daninhas com segurança das aplicações
Além das pontas selecionadas para compor as TRDs nas aplicações dos herbicidas hormonais, novas formulações são fundamentais no avanço do controle das plantas daninhas com segurança das aplicações

 BOAS PRÁTICAS NAS APLICAÇÕES DE HERBICIDAS HORMONAIS

De acordo com os conceitos básicos de boas práticas nas aplicações é fundamental a escolha correta da técnica de aplicação, ou seja, que o modelo de ponta e o espectro de gotas sejam adequados a cada condição de trabalho. A composição da calda (que inclui as formulações, os adjuvantes e as concentrações dos produtos) deve ser otimizada para reduzir os riscos de deriva, assim como deve-se respeitar as recomendações das condições meteorológicas ideais no momento da aplicação (umidade relativa do ar, temperatura e velocidade média do vento, assim como sua direção). Durante as operações a campo, deve-se respeitar os limites para as condições operacionais utilizadas (velocidade de deslocamento do pulverizador, altura da barra de pulverização e pressão de trabalho) e, muito importante, deve-se observar com detalhes a área e do entorno dos locais de aplicação, visando reduzir o risco de conflitos de deriva. Por fim, um fator muito importante que não deve ser esquecido é que a deriva pode ser cumulativa para as plantas sensíveis aos produtos, e por isso as aplicações em grandes áreas devem ser feitas com maior cuidado, pois os riscos da deriva podem causar danos ainda maiores.

O uso de técnicas de redução de deriva (TRDs) irá garantir a segurança na aplicação dos herbicidas hormonais. Na prática, as TRDs são definidas como a associação de elementos que possuem características em reduzir o risco de deriva. Pode ser, por exemplo, a associação do uso de pontas de pulverização com indução de ar com novas formulações ou adjuvantes, no sentido de produzir gotas de classes Grossa a Ultra Grossa (sempre consultar as bulas dos produtos para saber as recomendações específicas).

De maneira geral, os produtos com maior ação sistêmica, como os herbicidas 2,4-D, glifosato e dicamba, quando direcionados às folhas, podem ser aplicados com gotas maiores, facilitando a adoção das TRDs.

Nessas aplicações, a eficácia de controle é muito menos dependente da cobertura da pulverização do que outros tipos de aplicações, como de inseticidas e fungicidas, por isso, não se justifica a aplicação desses herbicidas com gotas Muito Finas (MF), Finas (F) e Médias (M). As gotas Grossas (G), Muito Grossas (MG), Extremamente Grossas (EG) e Ultra Grossas (UG) podem ser bastante eficientes para a aplicação dos herbicidas hormonais, desde que resguardada a necessidade do volume de calda mínimo recomendado nas bulas dos produtos.

As pontas de pulverização são responsáveis por definir fatores fundamentais na aplicação como o formato do jato de líquido (jato plano, plano duplo, cônico, angulado etc), a vazão do líquido (L/min) e o espectro de gotas. Um problema persistente em muitas regiões agrícolas do Brasil é a preferência dos aplicadores em utilizar apenas pontas de jato plano comum ou jato cônico, sem indução de ar em todos os tipos de aplicações (Chechetto et al, 2014). As classes de gotas para esses modelos de pontas são geralmente Muito Fina, Fina e Média, inadequadas para os herbicidas hormonais. O recomendado, neste caso, é utilizar pontas com indução de ar, onde o risco de deriva é menor, por oferecerem maiores valores de diâmetro mediano volumétrico (DMV) e menores valores do percentual volumétrico de gotas menores do que 100µm (V100).

As pontas de pulverização com indução de ar possuem orifícios de entrada de ar, que incorporam bolhas de ar no líquido a ser pulverizado (Figura 1), diferentes dos modelos de pontas sem indução de ar, onde não existem esses orifícios (Figura 2). O padrão de gotas produzido por pontas com indução de ar varia entre gotas Médias a Ultra Grossas, dependendo do fabricante, do tamanho do orifício e da pressão de trabalho. São caracterizadas por apresentar baixa deriva (associação de DMV maior e V100 menor, em relação a pontas sem indução de ar), sendo recomendadas para herbicidas hormonais, como o glifosato, o dicamba e o 2,4-D.

Ponta de jato plano com indução de ar compacta, detalhe do formato do jato pulverizado (A) e da peça em corte mostrando o mecanismo interno (B). Fonte: AgroEfetiva (Botucatu, SP)
Ponta de jato plano com indução de ar compacta, detalhe do formato do jato pulverizado (A) e da peça em corte mostrando o mecanismo interno (B). Fonte: AgroEfetiva (Botucatu, SP)

As bulas dos herbicidas apresentam atualmente diversas orientações no que se refere à tecnologia de aplicação, notadamente quanto à classe de gotas e ao volume de calda (L/ha) que devem ser utilizados para cada defensivo. Ainda, as bulas trazem informações sobre as condições meteorológicas ideais. Para a maioria dos casos, devem ser evitadas aplicações com umidade relativa inferior a 50% e temperatura ambiente maior do que 30oC. O ideal é que as aplicações sejam realizadas com velocidade média do vento entre 3km/h e 10km/h. Outro ponto importante é evitar os horários sem vento, característicos das situações de inversão térmica e correntes convectivas, que podem ocasionar deriva.

Outro cuidado que deve ser tomado para a aplicação de herbicidas hormonais é com relação à direção do vento no momento da operação. Para os herbicidas hormonais a aplicação deve ser interrompida caso o vento esteja soprando na direção das culturas sensíveis. Os responsáveis pelas aplicações podem evitar muitos incidentes apenas utilizando o bom senso e a cautela ao realizar as aplicações, sempre seguindo as recomendações das bulas.

TÉCNICAS DE REDUÇÃO DE DERIVA (TRDS) PARA APLICAÇÕES DE HERBICIDAS

Muitas pesquisas têm sido conduzidas no Brasil para dar embasamento aos pacotes tecnológicos de boas práticas em tecnologia de aplicação, os quais serão utilizados para as novas tecnologias baseadas em herbicidas hormonais, principalmente no que se refere às tecnologias para a redução do risco de deriva (TRD).

Como exemplo, em uma pesquisa realizada em parceria da AgroEfetiva e a FCA/Unesp (Botucatu/SP), foram determinados o espectro de gotas e o índice de deriva de diferentes modelos de pontas de pulverização com indução de ar, visando a seleção de TRDs para a aplicação de dicamba. Nesta pesquisa, foi utilizada uma calda de pulverização, composta pela mistura de Dicamax e Roundup Transorb R (dicamba sal DGA + glifosato sal potássico), à qual foi adicionado um adjuvante redutor de volatilidade (Vapor Grip), visando a pulverização na pressão de 3bar (300kPa). Ao analisar o diâmetro mediano volumétrico (DMV) e o índice de deriva física em túnel de vento (ID) (Figuras 3 e 4), foi observado que o modelo de ponta TTI (Teejet, Spraying System, CO, US) apresentou o menor risco de deriva dentre as pontas avaliadas, gerando o menor risco de deriva (maior DMV e menor ID dentre as pontas avaliadas). Tomando-se como base os dados desta e de outras pesquisas realizadas, o fabricante dos herbicidas (Bayer) definiu a ponta TTI como o modelo de referência recomendado para a aplicação do herbicida dicamba.

Diâmetro Mediano Volumétrico (DMV) para as pontas de vazão “03” dos modelos AIXR, ULD e TTI. As barras de erro sobre as médias representam o Intervalo de Confiança ao nível de 95% de probabilidade (IC 95%). Fonte: AgroEfetiva (Botucatu, SP)
Diâmetro Mediano Volumétrico (DMV) para as pontas de vazão “03” dos modelos AIXR, ULD e TTI. As barras de erro sobre as médias representam o Intervalo de Confiança ao nível de 95% de probabilidade (IC 95%). Fonte: AgroEfetiva (Botucatu, SP)

Índice de deriva em túnel de vento (ID), para as pontas de vazão “03” dos modelos AIXR, ULD e TTI. As barras de erro sobre as médias representam o Intervalo de Confiança ao nível de 95% de probabilidade (IC95%). Fonte: AgroEfetiva (Botucatu, SP)
Índice de deriva em túnel de vento (ID), para as pontas de vazão “03” dos modelos AIXR, ULD e TTI. As barras de erro sobre as médias representam o Intervalo de Confiança ao nível de 95% de probabilidade (IC95%). Fonte: AgroEfetiva (Botucatu, SP)

Impacto das formulações no percentual volumétrico de gotas menores do que 105m (V105) para as pontas de pulverização de vazão “02”, operando a 2,8bar de pressão: CVI, GA, AD IA e AIXR e as caldas corresponderam aos herbicidas Enlist Colex D® e DMA® (2,4-D convencional). As barras de erro indicam o Intervalo de Confiança (IC 95%). Fonte: AgroEfetiva e Unesp/FCA (Botucatu, SP)
Impacto das formulações no percentual volumétrico de gotas menores do que 105m (V105) para as pontas de pulverização de vazão “02”, operando a 2,8bar de pressão: CVI, GA, AD IA e AIXR e as caldas corresponderam aos herbicidas Enlist Colex D® e DMA® (2,4-D convencional). As barras de erro indicam o Intervalo de Confiança (IC 95%). Fonte: AgroEfetiva e Unesp/FCA (Botucatu, SP)

Além das pontas selecionadas para compor as TRDs nas aplicações dos herbicidas hormonais, novas formulações são fundamentais no avanço do controle das plantas daninhas com segurança das aplicações. Como, por exemplo, o sistema Enlist incluiu a tecnologia denominada Colex D, que uniu o herbicida 2,4-D sal colina, de ultrabaixa volatilidade, com uma tecnologia de formulação que reduz significativamente o risco de deriva nas aplicações, entre outros benefícios.

Como exemplo, pesquisas realizadas pela AgroEfetiva em parceria com a FCA/Unesp - Botucatu/SP, atestaram a diminuição do risco de deriva no uso da nova formulação do 2,4-D. Ao comparar o percentual volumétrico de gotas menores do que 105µm (V105), ou seja, gotas mais suscetíveis a serem perdidas por deriva, entre caldas de pulverização contendo a formulação do 2,4-D convencional (DMA) e a nova formulação (Enlist Colex D). Na Figura 5, foi observado que o Enlist Colex D reduziu o V105 de todas as pontas utilizadas, diminuindo o risco de deriva na comparação com a formulação convencional. Além disso, foi observado que para a calda contendo o Enlist Colex D, o V105 ficou mais homogêneo entre diferentes pontas de pulverização com indução de ar, agregando maior confiabilidade das TRDs para o herbicida 2,4-D.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As novas biotecnologias são fundamentais para o manejo sustentável da resistência das plantas daninhas aos herbicidas. Ao mesmo tempo, as boas práticas na aplicação, respeitando as orientações recomendadas nas bulas (fatores como espectro de gotas, pontas de pulverização, volume de calda e condições meteorológicas), serão fundamentais para a sustentabilidade do sistema produtivo, evitando problemas de deriva. 

Os projetos de extensão a campo visando a difusão das técnicas para a redução da deriva também deverão ser incentivados. A capacitação dos aplicadores será o elo principal entre as boas práticas e as novas biotecnologias, tornando as aplicações dos herbicidas hormonais mais seguras.

Arianne Moniz, Fernando Kassis Carvalho, Rodolfo Glauber Chechetto, Alisson A. Barbieri Mota e Ulisses Rocha Antuniassi, Unesp/Botucatu

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