Consórcio internacional analisa cenários para agricultura usando teleacoplamento

Análises de cenários futuros podem apontar caminhos para a pesquisa agropecuária, como a busca por espécies vegetais mais resistentes à seca, por exemplo

06.07.2021 | 20:59 (UTC -3)
Embrapa

Um consórcio internacional formado pelo Brasil, China, Estados Unidos e Reino Unido está avaliando cenários para a produção agrícola baseando-se no conceito de teleacoplamento, ou telecoupling. O método permite a observação de impactos econômicos, sociais e ambientais de atores situados a longas distâncias entre si (tele), mas que estão de alguma forma conectados (acoplados). São exemplos: como o mercado internacional de commodities pode afetar a produção brasileira de soja e milho, ou como as mudanças globais podem impactar a produção agrícola brasileira? 

O consórcio internacional Telecoupling possui foco em segurança alimentar e uso da terra em longas distâncias e, no caso da participação brasileira, busca entender como ações locais e globais afetam a tomada de decisão de produtores de soja e milho em dez estados do centro-sul brasileiro, abrangendo uma área de quase 4 milhões de quilômetros quadrados, responsável por 80% da produção nacional desses grãos.

O intuito foi construir um arcabouço metodológico para prever, em escala local e regional, os potenciais efeitos nas mudanças de uso da terra no Brasil provocados, por exemplo, pelo fluxo de commodities agrícolas entre o País e a China. 

Um modelo para o Brasil

Um dos maiores resultados do trabalho foi a criação do Crafty Brasil, modelo que analisa alguns cenários e suas consequências na mudança de uso da terra até 2030. Com isso, é possível contribuir para a avaliação de riscos. O modelo é baseado em agentes e envolveu o diálogo com os principais atores relacionados ao tema (stakeholders).

Entre os cenários observados, considerando comércio internacional, produtividade, demanda, entre outros fatores, os que têm maior probabilidade de afetar o uso da terra nos estados que integram o estudo são aqueles relacionados às mudanças climáticas. A base inclui os dados do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e muitos outros, como custo de transporte e capital natural, para simular respostas na produção de grãos na região centro-sul.

O diferencial no uso da abordagem do teleacoplamento é que o foco das análises reside na cadeia produtiva e não apenas nas decisões dos agentes individuais, como produtores agrícolas, já que esses grupos agem e reagem ao mercado e à legislação ambiental, por exemplo. “Em geral, os modelos baseados em agentes são mais restritivos, pois levam em conta apenas as tomadas de decisão dos indivíduos, como a disposição de um produtor de Mato Grosso em aumentar a área plantada”, explica o pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária Mateus Batistella.

A consolidação do estudo resultou em abordagens inovadoras, baseadas nas interações socioeconômicas e ambientais entre sistemas humanos e naturais acoplados. Os resultados foram divulgados em uma série de publicações internacionais e no site do projeto, contribuindo para outras investigações interdisciplinares e multiescalares, além de apontar caminhos para a pesquisa agropecuária, como a busca por espécies vegetais mais resistentes à seca, por exemplo.

Com o aumento das interações e da complexidade das relações em todo o planeta, os pesquisadores afirmam ser essencial uma abordagem de integração de sistemas para melhor compreender os processos de um mundo ‘teleacoplado’ e assim apoiar políticas eficazes e avanços científicos. 

Dessa forma, o estudo se pautou por uma análise mais abrangente dos processos, considerando não apenas a classificação dos produtores e suas decisões, mas os tipos de processos produtivos empregados (a produção de uma ou duas safras, por exemplo) e sua conexão com as dinâmicas dos sistemas produtores e importadores. “Essa visão mais abrangente pode contribuir para apoiar políticas mais assertivas de desenvolvimento sustentável”, aponta Batistella.

Para o chefe de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) da Embrapa Informática Agropecuária, Stanley Oliveira, o estudo apresentado é de grande importância para a Embrapa, pois conecta a Empresa com parceiros nacionais e internacionais, aumentando não só a presença internacional, mas também fortalecendo as relações com instituições renomadas.

“Do ponto de vista científico, é importante a contribuição do arcabouço metodológico, com a inserção de abordagens inovadoras que agregam a força de técnicas avançadas como modelagem e simulação, visualização de dados, sensoriamento remoto, entre outras. Outro aspecto positivo é a abordagem de demanda por commodities produzidas pelo Brasil, como o milho e a soja, com um olhar integrado nas cadeias produtivas e não apenas nas decisões dos agentes individuais”, avalia Oliveira.

Quem participa

O Telecoupling é um consórcio internacional envolvendo Brasil, Estados Unidos, China e Reino Unido, com apoio do Belmont Forum, órgão de fomento do Future Earth. Realizado por meio de colaborações entre pesquisadores das mais diversas áreas do conhecimento científico e tecnológico, é financiado no Brasil pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

A parceria brasileira é formada pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp, Embrapa Informática Agropecuária e Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (Cena/USP). São parceiros internacionais a Universidade Estadual de Michigan (MSU), nos Estados Unidos; a Universidade de Oxford, o King's College e o Imperial College, de Londres; a Universidade de Edimburgo, no Reino Unido; além da Academia Chinesa de Ciências Agrícolas (CAAS), Academia Chinesa de Ciências (CAS) e Universidade Agrícola da China (CAU).

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