Desafios para expansão da produção da pera

Expansão da cultura da pera esbarra na dificuldade de encontrar cultivares e porta-enxertos mais adaptados às condições brasileiras

09.07.2020 | 20:59 (UTC -3)
Cultivar Hortaliças e Frutas

A pera está entre as frutas de clima temperado de maior interesse mundial, sendo a mais importada pelo Brasil. O consumo do mercado interno é de cerca de 210 mil toneladas, das quais, aproximadamente 90% têm como origem Argentina, Chile e Portugal (FAO, 2017). Isso ocorre devido à baixa produção brasileira, que está em torno de 22.108 toneladas em uma área de 1.305 hectares, fazendo com que o país ocupe o 46º lugar no ranking mundial de produtores de pera.

A produtividade brasileira e a qualidade dos frutos são consideradas baixas, não apresentando padrão adequado para atender às exigências do mercado consumidor. A baixa produção de peras no Brasil vem sendo atribuída principalmente à falta de cultivares que se adaptem às condições climáticas não favoráveis à cultura.

Dessa forma, a produção de peras acaba concentrando-se nas regiões que apresentam o mínimo de condições exigidas pela cultura, sendo cinco os principais estados produtores, onde ocorrem safras de fevereiro a abril: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo.

CULTIVARES ROCHA E SANTA MARIA      

Dentre as principais cultivares de peras europeias que estão apresentando produção e qualidade alta com maior adaptação às condições climáticas das regiões produtoras do Sul do país estão Santa Maria e Rocha.

As cultivares Santa Maria e Rocha estão cada vez mais difundidas mundialmente pelas características atraentes que compõem seus frutos, apresentando excelente resistência ao manuseio e ao transporte, além de não perder sua qualidade quando armazenadas, com indicações de cultivo principalmente na região Sul do país. O cultivo de pereira europeia pode se tonar uma alternativa para diversificar a produção de fruticultura de clima temperado e subtropical na região Sul.

PORTA-ENXERTOS PARA PEREIRAS

Para um bom desempenho das cultivares de pereiras é necessária a utilização de porta-enxertos que contribuam para um eficiente crescimento vegetativo e produtivo. Porém, a falta de porta-enxertos adequados para as condições edafoclimáticas da região Sul do país está entre os maiores obstáculos para a expansão da cultura.

No país, a maioria dos pomares é formada por pereiras enxertadas sobre marmeleiro (Cydonia oblonga Mill.), no entanto algumas cultivares europeias apresentam incompatibilidade quando enxertadas sobre esta espécie, tornando-se necessário um aprofundamento no entendimento de novas possíveis combinações entre cultivares e porta-enxertos.

A compatibilidade dentro da espécie e entre espécies depende da cicatrização e regeneração dos tecidos no local da união. Quando ocorre a incompatibilidade, há o impedimento da formação e a funcionalidade dos feixes vasculares, afetando a translocação de seiva e, consequentemente, o crescimento e o desenvolvimento da planta.

CONDIÇÕES EDAFOCLIMÁTICAS PARA CULTIVO

A pereira é uma cultura de clima temperado. Devido a isso, é indicada para regiões de maiores altitudes e que apresentem horas de frios homogêneas, com temperaturas abaixo ou iguais a 7,2ºC. Estas regiões são mais propícias para o desenvolvimento da espécie, fornecendo as horas de frio necessárias para superação da dormência. Este período de dormência compreende o tempo necessário de acúmulo de frio para que as gemas formadas no outono brotem adequadamente na primavera; Portanto, selecionar a cultivar mais adequada para cada condição edafoclimática é muito importante para o sucesso do cultivo de pereira.

LIMITAÇÕES DE CULTIVO

A escolha da cultivar é um fator limitante para a produção, pois deve-se considerar as necessidades em exigências de frio de cada cultivar e outros aspectos de manejo e comercialização, que irão depender de cada região de produção.

O porta-enxerto possui influências nas características vegetativas e produtivas da copa, tendo grande importância na adaptação aos fatores ambientais, devido à ligação entre o solo e a cultivar, podendo interferir na absorção de nutrientes, adaptando-se às características físico-químico do solo. A escolha adequada do porta-enxerto possibilita modificar o tamanho e o vigor da planta. A redução do crescimento vegetativo permite plantios mais adensados, melhorando e facilitando o manejo do pomar. Selecionar o porta-enxerto correto garante melhores características de tamanho, vigor e superação de condições de estresse.

Além do marmeleiro, em alguns pomares as pereiras estão enxertadas sobre porta-enxertos Pyrus calleryana (Decne), que proporcionam plantas com alto vigor e entrada mais tardia em produção. Com o alto vigor dos porta-enxertos, as cultivares de pereira europeia levam em torno de seis a sete anos para começar a produção e necessitam de drástica intervenção no manejo da copa, características indesejadas pelo fruticultor.  

NOVOS PORTA-ENXERTOS PARA PEREIRAS

 No processo de seleção do porta-enxerto é importante levar em conta a sua afinidade com a cultivar copa, bem como a adaptação do conjunto copa/porta-enxerto às condições de clima e solo. Na busca por novas opções para a cultura da pereira foram oferecidas novas seleções de marmeleiro (Cydonia oblonga), assim como de P. communis L., como os híbridos de Old Home x Farmingdale (OHF) nos EUA, podendo ser opções para melhorar a produtividade, a precocidade e a qualidade dos frutos de algumas cultivares de pereiras europeias. Os porta-enxertos da série OHF se destacam por apresentar um grau elevado de tolerância ao fogo bacteriano, considerado uma das doenças mais graves em pereiras, tolerante a geadas, resistência média ao pulgão e de seu vigor classificado como semianão. 

A seleção de P. communis L. também foi utilizada para a obtenção do porta-enxerto CAV 3, desenvolvido pelo grupo de Fruticultura do CAV/Udesc em 2012, obtida a partir de sementes comerciais, por meio da técnica de seleção massal, em uma população de 320 seedlings estabelecida em 2008.

A introdução de alguns novos porta-enxertos requer o conhecimento da extensão e natureza das reações de compatibilidade. Após o processo de enxertia, ou seja, durante todo o período de cicatrização e regeneração dos tecidos, ocorre uma cascata de eventos e sinalizações na planta que culminam em diferentes respostas e efeitos fisiológicos.

Uma das possibilidades de verificar a compatibilidade copa/porta-enxerto seria pelo estudo de características ligadas ao desenvolvimento inicial da planta, sendo que a porcentagem de brotação de gemas pode ser considerada uma das mais importantes.

RESULTADOS E INDICAÇÕES

Foi conduzido um experimento na área experimental do Departamento de Agronomia da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro) no Campus Cedeteg, situada em Guarapuava, Paraná. Os tratamentos constituíram das combinações das cultivares de pereira (Santa Maria e Rocha) com os porta-enxertos (OHF 69, OHF 87 e CAV 3), totalizando seis tratamentos. O delineamento experimental foi de blocos ao acaso em esquema fatorial 2 x 3, com quatro repetições e cinco plantas por parcela experimental.

 As avaliações de porcentagem de brotação foram realizadas em dois ciclos vegetativos, primeiro e segundo ano da implantação do plantio, respectivamente. As avaliações se iniciaram na segunda quinzena de setembro de 2017 e na primeira quinzena de setembro de 2018, quando as plantas começaram a brotação. Primeiramente foi feita a contagem de gemas totais e a partir do início da brotação (estádio fenológico de ponta verde) foram realizadas avaliações semanalmente até a estabilização da brotação, que ocorreu na primeira quinzena de outubro em 2017 e de outubro em 2018, totalizando seis avaliações em 2017 e cinco avaliações em 2018. Os resultados foram expressos em porcentagem de gemas brotadas.

Os resultados da avaliação de porcentagem de brotação demostram que houve efeito linear positivo em função do tempo no primeiro ano de avaliação, para ambas as cultivares (Figuras 1A e 1B). O início da brotação (IB – 5%) ocorreu na segunda quinzena de setembro, sendo mais tardio para a combinação Rocha/CAV 3 (Figura 1B).

No primeiro ano de avaliação (2017) os maiores índices de brotação final registrados foram na combinação Rocha/OHF 69 (92,28%) (Figura 1B) e Santa Maria/OHF 69 (96,47%) (Figura 1A) aos 35 dias após o início da brotação.

Conforme as equações do modelo proposto (Figuras 1A e 1B), o porta-enxerto OHF 69, em ambas as cultivares, atingiu 50% da brotação no menor período de tempo, que foi de 16,5 e 12,6 dias para as cultivares Santa Maria e Rocha, respectivamente. Já o porta-enxerto OHF 87 obteve esse percentual aos 16,7 dias, para ambas as cultivares; e o porta-enxerto CAV 3 somente alcançou 50% da brotação aos 23,5 e 18,8 dias, para as cultivares Santa Maria e Rocha, respectivamente.

No segundo ciclo de avaliação da porcentagem de brotação, os valores de percentual de brotação final foram menores em comparação ao período anterior, porém, a velocidade de brotação foi maior (Figuras 2A e 2B).  Como pode-se observar, o porta-enxerto OHF 69 atingiu 50% da brotação no sexto dia após o início, para ambas as cultivares, representando uma redução média de oito dias. 

A estabilização da brotação ocorreu aos 35 dias (Figuras 1A e 1B) após o início da brotação no primeiro ano de avaliação, enquanto no segundo ano a mesma ocorreu aos 28 dias (Figuras 2A e 2B). Esta redução no número de avalições realizadas no segundo ano, provavelmente se deu em função das diferenças de condições climáticas após o início da brotação. 

No segundo ciclo de avaliação novamente foi observado um aumento linear da brotação em função do tempo, para ambas as cultivares (Figuras 2A e 2B). 

A formação dos brotos, das estruturas reprodutivas e a eficiência produtiva são fortemente influenciadas pela translocação de seiva via xilema e floema, os quais podem ser afetados pelo porta-enxerto utilizado. Neste contexto, nota-se que o porta-enxerto CAV 3, em ambas as cultivares avaliadas, não apresentou bom desempenho nas duas avaliações.

Percebe-se que o porta-enxerto CAV 3 foi o que proporcionou a porcentagem de brotação mais lenta em ambas as cultivares avaliadas, sendo que aos 35 dias após o início da brotação na primeira avaliação, a cultivar Santa Maria apresentou 86,15% e a cultivar Rocha, 82,24% de brotação (Figuras 1A e 1B), e aos 28 dias após o início da brotação, na segunda avaliação, a cultivar Santa Maria apresentou 68,48% e a cultivar Rocha, 61,25% de brotação (Figuras 2A e 2B).

Durante todo o período de avaliação, que compreendeu de setembro/2017 a novembro/2018, pôde-se perceber que as condições de clima foram favoráveis ao desenvolvimento inicial das plantas, apresentando temperaturas médias mínima e máxima, de 11,9ºC e 22,5°C, respectivamente, com precipitação acumulada de 1.275,9mm e 834,6mm, totalizando 2.110,5mm acumulados durante os 14 meses de condução do experimento.

Após um ano de adaptação das plantas às condições edafoclimáticas na região em estudo, a quantidade de horas de frio acumuladas durante os meses de maio a setembro de 2018 foi de 481,3 UF (Unidades de Frio), calculadas de acordo com o Método Carolina do Norte Modificado, que correspondeu a 276 horas de frio (≤ 7,2ºC) acumuladas pelas plantas durante o período hibernal.

Conforme observado, entre as seis combinações avaliadas, apenas as combinações Rocha/OHF69 (92,51%), Santa Maria/OHF (90,28%) e Rocha/OHF87 (86,53%) atingiram a brotação máxima (BM ≥ 80%). Tal fato indica que estas combinações melhores se adaptaram às condições edafoclimáticas neste primeiro ciclo de desenvolvimento e que possivelmente o porta-enxerto OHF 69, tanto para a cultivar Rocha quanto para a cultivar Santa Maria, bem como o porta-enxerto OHF 87 sob a cultivar Rocha, proporcionaram a redução da quantidade de horas de frio exigidas por estas cultivares, classificadas como europeias.

As avaliações de desenvolvimento vegetativo inicial, assim como nas fases fenológicas da cultura, representam uma importante ferramenta para verificar a adaptação às condições climáticas. Permitindo, deste modo, selecionar a melhor combinação da cultivar copa e porta-enxerto, uma vez que o cultivo de pereira é uma excelente alternativa para a diversificação da fruticultura na região.

Estágio de ponta-verde, brotação em pereiras com uso de porta-enxertos e primeira floração antecipada.
Estágio de ponta-verde, brotação em pereiras com uso de porta-enxertos e primeira floração antecipada.

Estágio de ponta-verde, brotação em pereiras com uso de porta-enxertos e primeira floração antecipada.
Estágio de ponta-verde, brotação em pereiras com uso de porta-enxertos e primeira floração antecipada.

Estágio de ponta-verde, brotação em pereiras com uso de porta-enxertos e primeira floração antecipada.
Estágio de ponta-verde, brotação em pereiras com uso de porta-enxertos e primeira floração antecipada.

A brotação de gemas tende a ser mais uniforme após as plantas suprirem o frio necessário para cada genótipo. Diante disto, a lenta evolução da brotação do porta-enxerto CAV 3, em ambas as cultivares e nos dois anos, possivelmente pode ter ocorrido pela maior exigência em frio do porta-enxerto em relação aos demais. Provavelmente, isto ocasionou menor porcentagem de gemas brotadas, apesar da uniformidade observada.

A escolha do porta-enxerto deve levar em consideração, portanto, a adaptabilidade da combinação entre copa e porta-enxerto às condições edafoclimáticas, além do seu efeito em reduzir o vigor da cultivar copa, a fim de garantir melhor desenvolvimento e maiores produtividades. 

Entre as frutas de clima temperado de maior interesse mundial, a pera desponta como a mais importada pelo Brasil.
Entre as frutas de clima temperado de maior interesse mundial, a pera desponta como a mais importada pelo Brasil.

Laís Cristina Bonato Malmann Nedilha, UFPR; Janaina Marek, Engenheira Agrônoma, Doutora em Agronomia, (Produção Vegetal) e Pesquisadora; Leo Rufatto, Udesc; Renato Vasconcelos Botelho, Unicentro

Cultivar Hortaliças e Frutas Novembro 2019

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