​​Do pomar à mesa

Programa de melhoramento desenvolvido na ESALQ avalia características do maracujá-doce que apontam para a popularização do fruto ainda pouco conhecido pelos brasileiros

06.01.2017 | 21:59 (UTC -3)
Caio Albuquerque

O Brasil é o maior produtor mundial de maracujá e as espécies mais cultivadas são o maracujá-amarelo, que ocupa a maioria dos pomares comerciais, e o maracujá-doce, que tem alcançado o triplo do valor do maracujá-amarelo nos mercados. “O sabor exótico dos frutos do maracujá-doce é atrativo para o consumo humano, seja in natura, seja na forma de produtos processados, e devido ao seu alto valor comercial, é desejável cultivá-lo em maior escala”, comenta a agrônoma Lourdes Chavarria Pérez, doutoranda no programa de Pós-graduação em Genética e Melhoramento de Plantas da ESALQ.

Desde meados da década de 1990, a professora Maria Lucia Carneiro Vieira, do Departamento de Genética, desenvolve pesquisas com maracujás. “Temos conduzido estudos moleculares visando à construção de mapas de ligação e o mapeamento de genes, tanto de maracujá azedo como doce”. Segundo a docente, várias publicações têm sido geradas e estudantes vêm se formando no âmbito dessa linha de pesquisa, gerando conhecimento sobre genética e genômica dessas espécies e fornecendo subsídios para o seu melhoramento.

Um desses estudos foi desenvolvido pela agrônoma Lourdes, natural da Costa Rica, que chegou no Brasil em 2012 para fazer o mestrado sob orientação da professora Maria Lucia. NoLaboratório de Genética Molecular de Plantas Cultivadas, a costarriquenha conduziu uma pesquisa para gerar uma variedade comercial de maracujá-doce. “A partir de 200 genótipos de uma família de plantas irmãs, selecionamos 100 para levarmos ao campo. Após a avaliação desses 100 indivíduos, durante dois anos e em dois locais, selecionamos 30”. Na bancada, a pesquisadora analisou as seguintes características: peso e diâmetro dos frutos, peso, comprimento e espessura da casca, teor de sólidos solúveis, peso e porcentagem de polpa.

O experimento foi conduzido, inicialmente, na área experimental do Departamento de Genética em Anhumas-SP, no período de janeiro de 2013 a abril de 2014, em um sistema de espaldeiras verticais. “O clima frio e seco daquele local exigiu que a pesquisa se prolongasse e, então, decidi pelo doutorado direto, quando avaliamos novamente os 30 genótipos, em 2015, em uma área aqui no campus em Piracicaba”.

Em termos logísticos cuidar de mais uma safra deu mais trabalho devido aos deslocamentos e ao manejo das lavouras, mas as adversidades climáticas nos ajudaram a obter informações mais seguras. “O clima e o solo de Anhumas e de Piracicaba são diferentes e aqueles genótipos que se destacaram em ambas os locais nos permitiram afirmar com mais segurança quais se adaptam bem no sudeste do estado de São Paulo, ou seja, nossas recomendações sobre o comportamento dos 30 indivíduos se tornaram mais confiáveis”.

Melhoramento – A pesquisadora aponta que, apesar da importância evidente do maracujá e do seu potencial para ser explorado como fruta tropical, são raros os estudos genéticos direcionados a melhorar a cultura. “Não há programas de melhoramento em andamento no país, já que os custos são altos para o estabelecimento de populações em condições de campo, além de existir pouco conhecimento sobre os tratos culturais gerais para o desenvolvimento dos pomares de maracujá-doce”. Segundo a agrônoma, a escassez de conhecimento aliada à indisponibilidade de material selecionado é traduzido para o agricultor como um investimento de risco. “A carência de variedades melhoradas é responsável pela evidente variação dentro dos pomares, tanto na produtividade quanto na qualidade do fruto, no que tange ao formato, tamanho, peso e conteúdo de polpa”.

“Entre as doenças de difícil controle devido à severidade da infeção e aos poucos produtos para o controle químico registrados no país, destaca-se a mancha bacteriana causada porXanthomonas axonopodis pv. passiflorae. Essa doença, dada à dificuldade de controle e à facilidade de dispersão, causa perdas extensivas nos plantios, atingindo, em alguns casos, em significativas perdas”. Assim o grupo liderado pela professora Maria Lucia continua trabalhando, incluindo estudos sobre a defesa das plantas à bactéria.

A etapa seguinte apontou para uma análise dos dados apoiada pelo Laboratório de Genética e Estatística, coordenado pelo professor Antonio Augusto Franco Garcia. “Assim chegamos a 5 genótipos promissores que apresentaram comportamento de campo, qualidade de fruto, produtividade e capacidade de adaptação muito positivas”, explica Lourdes, certa de que contribuiu na empreitada iniciada ainda na década de 1990. “Há potencial para chegarmos a uma variedade, há interesse dos produtores e recebemos, inclusive a visita de uma empresa de sementes interessada em patentear e pagar royalties para a ESALQ”, finaliza.

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