Estratégias para controle da mosca-das-frutas

Estudos sobre biodiversidade de parasitoides podem contribuir para o controle da mosca-das-frutas

03.08.2020 | 20:59 (UTC -3)
Cultivar Hortaliças e Frutas

A região Sul do Brasil é uma importante produtora de frutas de clima temperado, com destaque para maçã, pêssego, ameixa, pera, uva e goiaba-serrana. Em Santa Catarina, 87% dos produtores provêm da agricultura familiar, sendo que a fruticultura é a principal fonte de renda para muitas famílias. Vários entraves fitossanitários prejudicam a produção de frutas, como o ataque de doenças e insetos. Entre os insetos-praga, destaca-se a mosca-das-frutas sul-americana, Anastrepha fraterculus (Diptera: Tephritidae) que regularmente causa danos, afetando a produção e a qualidade dos frutos comercializados.

Os danos provocados pela praga acarretam perdas na produção e aumento nos custos, em função das frequentes aplicações de inseticidas, além de limitações à exportação de frutas, principalmente para países onde não há a praga em seu território. Estudos e observações a campo indicam que em situções em que o ataque dessa praga é intenso, as perdas podem chegar a 100%.

Em maçãs, as injúrias provocadas pela mosca-das-frutas sul-americana são causadas tanto pela oviposição das fêmeas nos frutos, quanto pelo hábito carpófago das larvas, que, durante a alimentação, abrem galerias, provocando alteração no sabor, amadurecimento precoce e apodrecimento dos frutos. Além disso, o ferimento realizado durante a oviposição pode propiciar a infecção por fungos e bactérias, tornando-os impróprios para a comercialização e consumo in natura. Os danos podem ser observados em maçãs ainda verdes, com aproximadamente 20mm de diâmetro, até naquelas próximas à colheita.

No Brasil, as pulverizações de inseticidas em iscas tóxicas ou em cobertura total dos pomares ainda são as principais práticas adotadas pelos fruticultores para o controle das moscas-das-frutas. Na cultura da macieira por exemplo, muitos fruticultores realizam o controle calendarizado, com aplicações semanais, podendo chegar a até 15 aplicações de inseticidas durante a safra. Contudo, os inseticidas piretroides e organofosforados utilizados no controle da praga, apresentam alta toxicidade, carência elevada e baixa ou nenhuma seletividade aos inimigos naturais. Além disso, a exigência dos países importadores com relação à ausência de pragas e resíduos químicos, limitando a exportação de frutos frescos, aliada à conscientização ambiental dos consumidores e produtores brasileiros, reforça o imediato aprimoramento no manejo dessa praga.

Várias espécies de frutíferas nativas são hospedeiras de A. fraterculus, as quais proporcionam a migração das populações do inseto para os pomares. No entanto, esses hospedeiros também servem de refúgio para os parasitoides, que são pequenas vespinhas que atuam como inimigos naturais da praga. Apesar do potencial de utilização desses inimigos naturais no controle das moscas-das-frutas sul-americanas, poucos estudos têm sido realizados de forma a contribuir para a implementação do controle biológico natural em pomares. São, portanto, necessários estudos mais aprofundados sobre as espécies e os aspectos funcionais desses inimigos naturais, de forma adequada às dimensões e às necessidades dos fruticultores do Sul do Brasil.

Galerias internas provocadas pela alimentação de larvas de Anastrepha fraterculus (Diptera: Tephritidae) em maçã
Galerias internas provocadas pela alimentação de larvas de Anastrepha fraterculus (Diptera: Tephritidae) em maçã

A frutificação de hospedeiros nativos influencia no tamanho das populações de A. fraterculus que irão colonizar os pomares comerciais e domésticos, tendo em vista que a praga migra de espécies frutíferas presentes nas matas e nas adjacências dos pomares. Nas matas, várias espécies de hospedeiros são encontradas, especialmente da família Myrtaceae, contribuindo para que a reprodução das moscas-das-frutas ocorra praticamente o ano todo. A detecção e a quantificação das populações de mosca-das-frutas nesses hospedeiros são etapas essenciais para se programar técnicas de controle menos agressivas e mais sustentáveis.

Em todo o mundo, em programas de controle biológico de várias pragas agrícolas, muitas pesquisas foram ou estão sendo estimuladas pelo sucesso frequente de inimigos naturais, especialmente os parasitoides. Em determinadas situações, os inimigos naturais nativos podem manter a população da praga em baixos níveis. Além disso, a maioria dos casos de controle biológico relatados com sucesso ocorre em sistemas razoavelmente estáveis, incluindo culturas perenes, como pomares.

Desenvolvimento de lesões de podridão em maçã, após puncturas realizadas por fêmeas adultas de Anastrepha fraterculus (Diptera: Tephritidae)
Desenvolvimento de lesões de podridão em maçã, após puncturas realizadas por fêmeas adultas de Anastrepha fraterculus (Diptera: Tephritidae)

 Oviposição de Anastrepha fraterculus (Diptera: Tephritidae) em fruto verde de maçã (tamanho real do fruto: 20mm)
Oviposição de Anastrepha fraterculus (Diptera: Tephritidae) em fruto verde de maçã (tamanho real do fruto: 20mm)

Dentre as estratégias de manejo da mosca-das-frutas está a manutenção de refúgios vizinhos aos pomares para o estabelecimento e a multiplicação de inimigos naturais. O aumento nos níveis de parasitismo pode ser estimulado pelo plantio e a preservação de hospedeiros alternativos que proporcionem maior proliferação e estabelecimento de parasitoides. Dessa forma, estudos sobre a biodiversidade de parasitoides contribuem para a busca de métodos alternativos de controle da mosca-das-frutas, pois fornecem informações importantes sobre as espécies de frutíferas que atuam como hospedeiras para esses inimigos naturais.

Monitoramento de mosca-das-frutas em pomar de macieira (Caçador, Santa Catarina). Foto: Everlan Fagundes
Monitoramento de mosca-das-frutas em pomar de macieira (Caçador, Santa Catarina). Foto: Everlan Fagundes

A PESQUISA

Dois projetos estão sendo conduzidos em condições de campo e de laboratório, com foco no levantamento das espécies de parasitoides que estão atuando na região do Alto Vale do Rio do Peixe, em Santa Catarina. Os hospedeiros e suas interações com outras espécies também estão sendo estudados, a fim de fornecer subsídios para a formulação de estratégias de controle da mosca-das-frutas sul-americana.

Os estudos se iniciaram na safra 2015/2016, na Estação Experimental da Epagri de Caçador (SC), a qual possui uma área de 1.103,4 hectares de mata nativa e 30 hectares de pomares. Em 2019, as pesquisas foram expandidas para áreas de fruticultores dos municípios de Calmon, Macieira, Matos Costa, Rio das Antas e Videira.

Para estudar a entomofauna de parasitoides associados à A. fraterculus é necessário coletar frutos infestados pela praga. Dessa forma, os hospedeiros nativos que estão sendo estudados são: cerejeira-do-rio-grande ou cereja-do-mato (Eugenia involucrata); guabirobeira (Campomanesia xanthocarpa); pitangueira (E. uniflora); uvaieira (E. pyriformis); sete-capotes ou capoteira (C. guazumifolia); araçazeiro-vermelho e amarelo (Psidium cattleianum) e goiabeira-serrana (Acca sellowiana), todos representantes da família Myrtaceae.

As coletas de frutos são realizadas anualmente, de novembro a abril, em plantas que não receberam nenhum tratamento com agroquímico. Os frutos são coletados no chão e na copa das árvores, aleatoriamente, no estádio de maturação fisiológica. Para verificar a possibilidade de migração dos parasitoides de hospedeiros nativos para pomares comerciais, são coletados frutos de plantas que estejam localizadas em áreas próximas a pomares de frutíferas, tais como macieira (Malus domestica), pereira (Pyrus spp.), ameixeira (Prunus salicina) e pessegueiro (Prunus persica). Também são coletados frutos de espécies nativas localizadas em áreas de mata. A população de moscas nos pomares é monitorada semanalmente, de outubro a abril, com armadilhas do tipo Mcphail, contendo atrativo alimentar como isca.

Em cada local de estudo, de cada espécie frutífera, são coletados 50 frutos de cinco plantas, totalizando 250 frutos/espécie frutífera/local. Após a coleta, os frutos são transportados até o laboratório e acondicionados em recipientes plásticos contendo uma camada de aproximadamente 1cm de areia esterilizada (50 frutos/recipiente) e mantidos em sala climatizada (25 ± 1ºC; 60 ± 10% U.R.; fotofase 12 horas). Após sete, 14 e 21 dias, a areia é peneirada para a contagem de pupários, os quais são transferidos para placas de Petri contendo areia esterilizada como substrato e acondicionados em gaiolas (40 x 29 x 51,5cm) até a emergência de mos-cas e/ou parasitoides.

Após a emergência dos insetos, os exemplares são armazenados em frascos de plástico ou vidro (50ml) contendo álcool etílico líquido 70%. Em seguida, realizam-se a triagem e a identificação das espécies, através de chaves dicotômicas específicas. Exemplares das espécies são depositados na coleção do Museu Entomológico da Epagri, na Estação Experimental de Caçador, para se necessário serem utilizados em estudos futuros.

Anualmente estão sendo calculados os índices de infestação de mosca-das-frutas e a porcentagem de parasitismo nas espécies frutíferas estudadas. Esses dados são utilizados para informar aos fruticultores de como está a infestação da praga no decorrer da safra. A próxima etapa do projeto incluirá visitas periódicas aos fruticultores para fornecer treinamentos sobre o monitoramento da praga, bem como orientá-los na elaboração de estratégias de controle. Dessa forma, os fruticultores controlarão a praga quando realmente houver necessidade, respeitando os dados de monitoramento, gerando menor dependência no uso de agroquímicos, tendo, consequentemente, menores custos de produção, frutos produzidos com qualidade e sem resíduos.

Estão sendo ministradas capacitações e palestras para fruticultores e técnicos sobre os avanços desses estudos para o controle da mosca-das-frutas em pomares comerciais e domésticos. Os resultados das pesquisas já foram disponibilizados à cadeia produtiva através da publicação de artigos científicos, resumos e reportagens em revistas, além da divulgação em diversas mídias destinadas a fruticultores, técnicos, pesquisadores e à comunidade em geral. Somado a isso, estima-se que 120 famílias já foram beneficiadas com os resultados e as informações obtidas nessas pesquisas.

RESULTADOS ALCANÇADOS

Em todos os municípios da região do Alto Vale do Rio do Peixe, Santa Catarina, em que se procedeu a coleta de frutos para o estudo, já foram registradas espécies de parasitoides realizando o controle biológico natural da mosca-das-frutas sul-americana (Tabela 1). Até o momento, são seis espécies registradas (Tabela 1), com destaque para Aganaspis pelleranoi (Hymenoptera: Braconidae), que representou 43% dos espécimes coletados.

Em 2018 ocorreu o primeiro registro para o Sul do Brasil, da espécie de parasitoide Aganaspis nordlanderi (Hymenoptera: Figitidae). Até então, essa espécie só tinha registro para os estados do Amazonas, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Goiás e Espírito Santo. Esse também foi o primeiro registro de A. fraterculus como hospedeira de A. nordlanderi no Brasil (Santos & Guimarães, 2018). Anteriormente a esse estudo, essa espécie de parasitoide só tinha registro para outras espécies de mosca-das-frutas.

Durante o estudo, verificou-se que todas as frutíferas nativas avaliadas apresentam fenologia de frutificação concomitante com as cultivares de macieira cultivadas na região do Alto Vale do Rio do Peixe, Santa Catarina. No final de setembro inicia-se a frutificação da cerejeira-do-rio-grande e em outubro frutificam a pitangueira e a guabirobeira. Esses são os primeiros hospedeiros a gerar moscas que se dispersarão para os pomares de macieira, especialmente os das cultivares de ciclo precoce que se encontrarão em maturação fisiológica no final de dezembro e em janeiro. Já as cultivares de macieira de ciclo intermediário (híbridos e mutações de Gala) e tardio (híbridos e mutações de Fuji) apresentam frutificação concomitante com os frutos de uvaieira, capoteira, goiabeira-serrana e araçazeiros (vermelho e amarelo), sendo essas frutíferas as principais multiplicadoras de mosca-das-frutas na região do Alto Vale do Rio do Peixe, Santa Catarina. Em contrapartida, também são importantes no fornecimento de parasitoides para os pomares. Dessa forma, o monitoramento em todas as espécies de hospedeiros nativos deve ser realizado do início da frutificação até a maturação dos frutos, viabilizando a tomada de decisão de controle.

Acondicionamento dos frutos em caixas para a emergência de moscas e parasitoides em condições de laboratórioAcondicionamento dos frutos em caixas para a emergência de moscas e parasitoides em condições de laboratório
Acondicionamento dos frutos em caixas para a emergência de moscas e parasitoides em condições de laboratórioAcondicionamento dos frutos em caixas para a emergência de moscas e parasitoides em condições de laboratório

Parasitoide da mosca-das-frutas sulamericana: Aganaspis nordlanderi (Hymenoptera: Figitidae). (Tamanho real do inseto: 3mm). Foto: André Amarildo Sezerino
Parasitoide da mosca-das-frutas sulamericana: Aganaspis nordlanderi (Hymenoptera: Figitidae). (Tamanho real do inseto: 3mm). Foto: André Amarildo Sezerino

Figura 1 - Fenologia de frutificação da macieira e dos principais hospedeiros multiplicadores de Anastrepha fraterculus (Diptera: Tephritidae) registrados na região do Alto Vale do Rio do Peixe, em Santa Catarina
Figura 1 - Fenologia de frutificação da macieira e dos principais hospedeiros multiplicadores de Anastrepha fraterculus (Diptera: Tephritidae) registrados na região do Alto Vale do Rio do Peixe, em Santa Catarina

Os fruticultores que possuem espécies frutíferas nativas em suas propriedades estão sendo orientados a monitorá-las desde o início da frutificação até a maturação total dos frutos. Em anos agrícolas em que a frutificação desses hospedeiros é alta, tem-se que adequar os cuidados no controle da mosca-das-frutas, tendo em vista a alta migração da praga para pomares comerciais e domésticos. Os fruticultores também são orientados sobre a importância da preservação e conservação dessas frutíferas, devido aos frutos serem fonte de alimento para diversas espécies de pássaros e morcegos. Anteriormente a esse estudo, muitos fruticultores eliminavam as frutíferas nativas de suas propriedades, pois achavam que serviam apenas para multiplicar moscas para os pomares comerciais. Entretanto, não sabiam da importância da manutenção delas como refúgio aos inimigos naturais e para a alimentação de animais silvestres.

Futuramente, estima-se que os resultados ambientais dessas pesquisas contribuam para reduzir as aplicações de agroquímicos e os custos para o controle da mosca-das-frutas sul-americana, produzir frutos com qualidade e sem resíduos de defensivos, agregando valor às frutas comercializadas, e manter a biodiversidade natural dos ecossistemas.

O projeto tem como parceiros e apoiadores Epagri, CNPq chamada INCT – MCTI/CNPq/Capes/FAPs no 16/2014 e Fundo de Apoio à Pesquisa da Universidade Alto Vale do Rio do Peixe (2017/2018).

Objetivos específicos do estudo

• Caracterizar as injúrias de A. fraterculus em função das características físico-químicas dos frutos de hospedeiros nativos localizados próximos a pomares comerciais de frutíferas de clima temperado, na região do Alto Vale do Rio do Peixe (SC).

• Realizar o levantamento de parasitoides nativos associados à A. fraterculus em frutíferas nativas na região do Alto Vale do Rio do Peixe (SC).

• Avaliar os índices de infestação de A. fraterculus e o percentual de parasitismo em frutos de hospedeiros nativos.

• Identificar uma espécie de parasitoide com potencial para ser utilizada no controle biológico de A. fraterculus em pomares comerciais e domésticos de frutíferas de clima temperado em Santa Catarina.

Janaína Pereira dos Santos, Epagri- Estação Experimental de Caçador

Larvas de Anastrepha fraterculus (Diptera: Tephritidae) se alimentando da polpa de araçá-vermelho
Larvas de Anastrepha fraterculus (Diptera: Tephritidae) se alimentando da polpa de araçá-vermelho

Janaína Pereira dos Santos, Epagri- Estação Experimental de Caçador

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