Falhas no milho: quando replantar?

Na cultura do milho, geralmente a compensação de plantas vizinhas às falhas existe, mas não na proporção que se pode imaginar. Em alguns casos há vantagem econômica em realizar o replantio

28.05.2020 | 20:59 (UTC -3)
Revista Cultivar

O estabelecimento do estande (número de plantas/ha) ideal na lavoura é fator decisivo na obtenção de altas produtividades. O objetivo desse artigo é demonstrar ao produtor a importância do estande ideal, com o mínimo de falhas possível e, quem sabe, em função da porcentagem de falhas, ajudá-lo a tomar a decisão em fazer ou não o replantio. Pois a compensação em produção pelas plantas sobreviventes e próximas às falhas é limitada. Portanto, todos os cuidados no planejamento, nas ações antes, durante e após a semeadura são fundamentais para o sucesso da sua safra.

Os fatores que afetam o estande da lavoura do milho foram organizados em quatro grupos. O primeiro está relacionado à escolha da semente, que deve ser adquirida de fonte idônea e com garantias de qualidade, pois, partindo de sementes sem qualidade genética e tecnológica, todos os demais investimentos serão em vão. O segundo grupo envolve o planejamento da semeadura: o preparo do leito de plantio, tanto nos sistemas convencionais (com preparo do solo), como no plantio direto; monitoramento de pragas de solo mesmo antes da dessecação; dessecação antecipada e controle de pragas se necessário; manejo das plantas tigueras; cuidados com as sementes no transporte e armazenamento antes do plantio; manutenção e regulagem das máquinas (quanto à uniformidade de distribuição e profundidade de sementes e adubos) e velocidade de plantio adequada às condições de semeadura. No terceiro grupo estão fatores ambientais como temperatura, precipitação e umidade do solo, antes e após a semeadura, sendo que sobre estes fatores, principalmente nas lavouras de sequeiro, o produtor não tem muito controle. O quarto grupo está relacionado aos cuidados na condução da lavoura, durante a germinação e o estabelecimento da cultura, quanto à incidência de pragas que podem causar morte de plântulas.

Merecem destaque, como fator de redução de estande nas lavouras, as espécies-praga que atacam o milho, antes, durante e logo após a germinação. Mesmo antes da dessecação e/ou semeadura, várias espécies de insetos-praga podem estar presentes na área. Algumas espécies como larva-arame e peludinha podem atacar as sementes, destruindo o embrião, o que causa falha na germinação. As falhas podem, ainda, ser causadas por danos nas plântulas, logo após a emergência, devido ao ataque de percevejos e lagartas. Ainda podem ocorrer os corós, que atacam as raízes, levando até mesmo plantas mais desenvolvidas à morte. Embora a maioria dessas espécies tenha ocorrência esporádica, algumas, como o percevejo barriga-verde, têm sido recorrentes no milho safrinha. Assim, plantas com sintomas severos de danos do percevejo, como o perfilhamento de plantas, resultarão em falhas de estande. Portanto, o monitoramento antes da dessecação é fundamental para decidir se é necessário incluir um inseticida nessa pulverização. Posteriormente ao plantio, o monitoramento durante e logo após a germinação também é necessário para garantir a sobrevivência das plantas e preservar o estande planejado.

Nos grupos identificados anteriormente não foram incluídas as chamadas plantas dominadas. São plantas que desde o início já têm o desenvolvimento retardado, mas continuam competindo e ocupando o espaço físico na linha de plantio e se tornam improdutivas por vários outros fatores. Neste caso, como essas plantas competem com as plantas normais por um período de tempo, espera-se pouca ou nenhuma compensação de produtividade pelas plantas vizinhas. Nesse texto não se pretende esgotar o tema sobre a presença de falhas nas linhas de plantio, mas apenas chamar a atenção para os principais fatores e apresentar alguns dados que possam contribuir para a tomada de decisão quanto às condições de semeadura e estratégias para mitigar possíveis perdas na produção ou, ainda, na tomada de decisão do replantio devido ao número excessivo de falhas.

Embora se dê muito valor à qualidade genética das sementes, promovendo grandes eventos a cada lançamento de um novo híbrido ou variedade, a tecnologia de produção, de armazenamento e a comercialização dessas sementes são igualmente importantes para se obter altas produtividades. Tanto as características genéticas quanto as qualidades fisiológicas, físicas e sanitárias das sementes afetam o potencial produtivo da lavoura. Para uma semente ser considerada de alta qualidade, não basta ter pureza, sanidade e alta taxa de germinação, deve também se desenvolver com vigor, com uniformidade e crescimento acelerado da plântula, em condições normais de campo. Resultados científicos mostraram que plântulas de milho com dez dias de atraso na emergência terão uma defasagem de duas folhas no seu estádio de desenvolvimento e, provavelmente, não produzirão espigas e cairão na categoria de plantas dominadas.

Falhas podem ser causadas por danos nas plântulas, logo após a emergência, devido ao ataque de insetos
Falhas podem ser causadas por danos nas plântulas, logo após a emergência, devido ao ataque de insetos

O estabelecimento final do estande por sementes vigorosas constitui a base para obtenção de plantas com alto grau de tolerância aos estresses e obtenção de alta produtividade. A uniformidade de germinação e desenvolvimento inicial já é um bom indicativo do potencial produtivo daquela lavoura. Portanto, para garantir o sucesso de sua lavoura, não se deve limitar a decisão da escolha da semente apenas com base no preço, mas principalmente com base em informações sobre todas as características da semente que se está adquirindo. A lucratividade é resultado da relação do custo de produção com a produtividade obtida. Portanto, uma pequena economia na semente pode resultar em redução significativa no resultado final.

Em geral, cada planta de milho só produz uma espiga, assim, a produtividade da lavoura fica altamente dependente da densidade de plantas produtivas por unidade de área. Como as plantas respondem à competição entre elas, não se observam diferenças significativas entre intervalos próximos de densidade de plantio, pois as plantas estarão uniformemente distribuídas. Entretanto, quando ocorrem falhas, o nível de competição entre plantas, na mesma linha, é diferente e a redução em produtividade torna-se significativa. É necessário considerar que sempre haverá redução do estande durante o desenvolvimento da lavoura e uma perda de 5% a 8% tem sido considerada normal. Essa perda se torna cada vez mais significativa quanto maior for o potencial produtivo da lavoura, em função da tecnologia e/ou investimentos realizados. Portanto, o ideal é perda zero de estande. Sabe-se que os híbridos dentados, por apresentarem maior flexibilidade no crescimento das espigas que os híbridos duros, tendem a compensar mais a variação da densidade de plantas com espigas maiores. Assim, em função do nível de investimento na lavoura, todas essas considerações devem ser ponderadas.

Independentemente das causas das falhas, elas sempre vão promover perdas na produção final. Entretanto, as plantas vizinhas às falhas acabam sofrendo menos competição por luz, água, nutrientes, entre outros fatores. Assim, podem produzir um pouco mais que as demais plantas (sob competição plena na densidade de plantio utilizada) e compensar parte das perdas devido às falhas. A compensação das plantas sobreviventes e vizinhas às falhas é bem conhecida pelos produtores. No caso específico do milho, as plantas que perdem precocemente a competição das plantas vizinhas geralmente produzem uma espiga maior ou mesmo duas ou mais espigas, compensando parte da perda pela morte de uma ou mais plantas na sua vizinhança. A expectativa de uma compensação expressiva alivia a pressão sobre os produtores em investirem mais no estabelecimento das lavouras com as melhores opções de sementes, plantio e manejo fitossanitário inicial da cultura.

Atualmente, com os novos recursos digitais, como imagens aéreas obtidas por drones, veículos aéreos não tripulados (Vants) ou satélites, tem sido bem mais fácil obter informações frequentes, fiéis e gerais das lavouras. As imagens permitem avaliar a uniformidade da lavoura ou identificar reboleiras de plantas com padrões de tamanho e coloração diferentes. Isso pode indicar falhas no plantio, na emergência das plantas, distúrbios fisiológicos, deficiências nutricionais e incidências de pragas, doenças e/ou plantas daninhas. Mesmo quando não é possível fazer o diagnóstico com base nas imagens, mas só a indicação dos pontos da lavoura a serem amostrados, já facilita e aumenta significativamente a precisão e diminui o custo do monitoramento. Para identificar áreas com falhas na lavoura, essas imagens são bastante eficientes, principalmente se observadas periodicamente para avaliar a evolução da lavoura. Entretanto, o diagnóstico preciso das causas das perdas de plantas ainda demanda observações e investigação in loco.

O monitoramento por imagem, embora muito eficiente para detectar determinados problemas na lavoura, ainda não é suficiente para diagnosticar vários desafios no campo. Por exemplo, em algumas doenças sistêmicas, cujos patógenos são transmitidos por insetos-vetores, os sintomas só se manifestam depois de algum tempo, podendo levar a planta à morte. Essas doenças, como os enfezamentos (causados por mollicutes) e as viroses no milho, quando são observados os sintomas, já não há mais como mitigar as perdas. Nesse caso, o monitoramento do vetor (cigarrinha-do-milho) deve ser realizado visualmente ou com armadilhas, tomando amostras em pontos aleatórios e, se necessário, tomar medidas de controle para preservar a sanidade das plantas. Portanto, o monitoramento convencional ainda continua sendo necessário em muitos casos para a condução das lavouras de milho para altas produtividades.

Embora se conheça bem a capacidade das plantas de milho sobreviventes próximas a falhas compensarem as perdas, não há publicação quantificando essa compensação em condições de campo. A perda inicial de plantas, pelos diferentes fatores discutidos anteriormente, é muito comum no início de desenvolvimento do milho e um dos desafios do produtor é a tomada de decisão em fazer ou não o replantio devido à quantidade de falhas. Evidentemente, essa decisão envolve a perda de boa parte da adubação, do custo da semente, da operação de semeadura, retardamento do ciclo etc. Dependendo da porcentagem de falha, talvez não seja econômico esse replantio, considerando todos esses custos adicionais. Portanto, qualquer indicação desse nível de equivalência (custo de replantio equivalente ao valor da perda em produtividade devido às falhas) pode ser de extrema utilidade na tomada dessa decisão.

Um trabalho conduzido na Embrapa Milho e Sorgo, para corrigir a perda de estande, em área experimental, quantificou com razoável precisão a capacidade compensatória das plantas de milho sob diferentes níveis de competição devido às falhas. Com base nesse trabalho é possível inferir o nível de compensação das plantas de milho em função da menor competitividade entre as plantas próximas às falhas. Na Figura 1 estão ilustrados os tratamentos estudados pela simulação de falhas para avaliar individualmente as plantas sob diferentes níveis de competição na linha de plantio. Foram utilizados dez tratamentos distribuídos em dois grupos, com falhas uni e bilaterais. O primeiro grupo, com uma, duas e três falhas, apenas de um lado da planta-referência, e no outro grupo, uma, duas e três falhas de cada lado (A e B), além de suas respectivas combinações, sempre em relação às plantas-referência, ou seja, aquelas vizinhas às falhas. Esses tratamentos foram utilizados em dois híbridos e em dois anos de estudo.

Figura 1 - Ilustração dos arranjos de plantas (Y) e falhas (0) utilizados no ensaio para avaliar a compensação das plantas de milho sobreviventes e vizinhas (referência) às falhas
Figura 1 - Ilustração dos arranjos de plantas (Y) e falhas (0) utilizados no ensaio para avaliar a compensação das plantas de milho sobreviventes e vizinhas (referência) às falhas

Em geral, se observou que a compensação média das plantas-referência, para todos os tipos de falhas simuladas, foi de aproximadamente 23%, o que corresponde a uma perda média de 77% em relação à lavoura sem falhas (Figura 2). Assim, cada 1% de falhas no estande da lavoura resulta em 0,77% (77/100) de perda na produção final de grãos. Portanto, não adianta o produtor se iludir que o milho compensa essa perda de estande, pois essa capacidade de compensação é limitada. À medida que se aumenta o número de falhas, realmente a compensação de cada planta-referência sobrevivente vai aumentando, mas como essa compensação média é cerca de 23% da produção da planta perdida, a produtividade total da lavoura vai se reduzindo proporcionalmente. Por exemplo, uma lavoura com 10% de falhas produzirá cerca de 92% do seu potencial. Se o investimento na lavoura foi para obter uma produtividade de 200 sacas de milho/ha, com as falhas produzirá apenas 184 sacas, ou seja, uma perda de 16 sacas/ha.

Figura 2 - Porcentagem de perdas na produção final do milho devido às falhas em relação ao estande sem falhas
Figura 2 - Porcentagem de perdas na produção final do milho devido às falhas em relação ao estande sem falhas

Considerando as estimativas de perda devido às falhas, qual seria o limiar entre fazer ou não o replantio em função dos custos dessa operação e da porcentagem de falhas na lavoura? Obviamente, esse limiar varia de lavoura para lavoura, dependendo basicamente dos custos de replantio e da produtividade esperada, que é função dos investimentos em manejo cultural, das tecnologias utilizadas, das condições de solo e do ambiente. Como exemplo, considerando o custo de sementes = R$ 700,00/ha e os demais custos de replantio em R$ 500,00/ha, isso totaliza R$ 1.200,00/ha. Considerando, ainda, um preço médio (mercado futuro do milho na data da redação desse artigo) de R$ 50,00/saca, o custo de replantio equivale a 24 sacas de milho (R$ 1.200,00/R$ 50,00) e a produção com as falhas corresponderia a 88% da produção esperada, ou seja, 12% de perdas. Se para cada 1% de falha corresponde 0,77% de perda na produção (média das perdas – Figura 2), dividindo-se 12/0,77 encontra-se a porcentagem de falhas correspondente a esse custo, ou seja 15,6%. Portanto, para esses dados simulados, a observação de qualquer porcentagem de falhas acima de 15,6% é econômico replantar, e abaixo desse valor não compensaria o replantio. Esse cálculo foi como exemplo e para cada situação será necessário estimar a porcentagem de falhas, pois apesar de possíveis diferenças em função das densidades de plantio utilizadas em cada lavoura, as variáveis como produção, preço de comercialização esperado e o custo de replantio devem ser diferentes para cada caso. Esse cálculo pode ainda ser útil na previsão de safra do produtor em função do estande/falhas que obteve na sua lavoura. Na Tabela 1 está estimada a equivalência entre o custo de replantio e a porcentagem de falhas para lavouras com base em valores médios para diferentes níveis de tecnologia utilizada e produtividade esperada.

Para estimar a porcentagem de falhas na lavoura é necessário fazer uma amostragem representativa da área. Como discutido anteriormente, as imagens obtidas através de drones, Vants ou satélites podem facilitar a identificação das áreas mais afetadas, economizando uma amostragem da área total da lavoura, mas a quantificação das falhas demanda avaliação in loco. O tamanho ideal dessa amostra depende da uniformidade de ocorrência dessas falhas na área. Em geral, se considera razoável uma amostra de 10% do total a ser avaliado. Entretanto, nem sempre se utilizam os parâmetros ideais. Para o monitoramento da incidência de pragas na cultura do milho se tem adotado a avaliação de dez pontos de amostragem para cada 100ha. Nesses pontos são tomadas cinco amostras aleatórias de 10m de linha, contando-se o número total de plantas e as falhas observadas. A porcentagem de falhas na amostra pode ser calculada multiplicando o número de falhas por 100 e dividindo o resultado pelo número total de plantas esperadas na amostra (nº de falhas mais o de plantas), ou seja: % falhas = 100 x nº falhas/nº total (plantas + falhas). Fazendo-se a média das amostras em cada ponto e entre todos os pontos, se tem uma estimativa final da porcentagem de falhas na gleba considerada.

Os resultados discutidos aqui se basearam apenas na compensação da perda de estande pela planta-referência (principal) e não foi considerada a compensação via perfilhamento. Em geral, o perfilhamento do milho é considerado uma característica indesejável, pois geralmente é improdutivo e rouba energia da planta principal, reduzindo sua produtividade. Um ou mais perfilhos comumente se formam quando o colmo principal é danificado ou morto por diferentes fatores que afetam a cultura no início de seu desenvolvimento, como, por exemplo, granizo, geadas, insetos-praga, vento, pneus de trator etc. Em alguns híbridos, se o perfilhamento ocorrer cedo, esses perfilhos poderão desenvolver e produzir espigas que irão contribuir com a produtividade final.

Finalmente, chega-se à conclusão de que, na cultura do milho, geralmente a compensação de plantas vizinhas às falhas existe, mas não na proporção que se pode imaginar. Todos os cuidados na obtenção do estande ideal da lavoura do milho é altamente relevante na obtenção de altas produtividades. Portanto, tomar todos os cuidados para o estabelecimento da cultura, com a densidade ideal de plantas, é essencial para se obter alta produtividade. Esses cuidados iniciam-se pelo planejamento antecipado, aquisição, transporte e armazenamento das sementes, bem como nas operações de plantio e tratos culturais durante a emergência das plântulas. Para a tomada de decisão, em fazer ou não o replantio, além de se considerar a porcentagem de falhas deve-se, ainda, ponderar o efeito da nova data de plantio na produção esperada.

 

José Magid Waquil
UFSJ-Campus de Sete Lagoas
Antônio Carlos de Oliveira
Embrapa Milho e Sorgo

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