Ferramentas para controle das moscas-das-frutas

Monitoramento no campo constitui uma importante ferramenta para evitar perdas por infestação destes insetos

01.07.2020 | 20:59 (UTC -3)
Cultivar Hortaliças e Frutas

As moscas-das-frutas são pragas limitantes para a expansão da fruticultura nacional e estão entre os principais insetos que causam danos nos frutos e restringem as exportações devido às barreiras quarentenárias impostas pelos países importadores. Atualmente o Brasil exporta aproximadamente 2% dos frutos produzidos, sendo que a maior parte das exportações está relacionada a frutos de manga, maçã, uva de mesa e melão. Embora a presença de mosca-das-frutas não seja o único entrave que dificulta as exportações, é sem sombra de dúvidas o principal desafio a ser vencido para aumentar a qualidade das frutas produzidas e a venda para o mercado externo. 

Em 2015, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) criou o Programa Nacional de Combate às Moscas-das-Frutas (PNMF) com foco nas espécies de Anastrepha (A. fraterculus, A. obliqua e A. grandis) nativas do continente americano, na mosca-da-carambola (Bactrocera carambolae), praga quarentenária presente, restrita aos estados do Amapá, Roraima e Pará. O programa também focou na mosca-do-mediterrâneo (Ceratitis capitata), praga exótica, há mais de 100 anos presente no Brasil e com grande distribuição no território nacional. Embora várias espécies de moscas causem danos no Brasil, as duas com maior importância agrícola são a mosca-das-frutas sul-americana e a mosca-do-mediterrâneo, consideradas pragas quarentenárias para os países membros da União Europeia, para os Estados Unidos e países do Oeste Asiático, principais importadores de frutas produzidas no Brasil.

No Sul do Brasil, duas mudanças que alteraram as informações sobre a ocorrência de moscas-das-frutas nos últimos anos têm sido observadas. A primeira delas se refere ao fato de que a C. capitata sempre foi relacionada como uma espécie secundária. Entretanto, estudos demonstram que para as regiões de fronteira, tanto com a Argentina quanto com o Uruguai, a maioria das moscas capturadas é da espécie C. capitata. A segunda mudança está relacionada com a época de ocorrência da A. fraterculus nos pomares. Tradicionalmente, não eram observados danos em citros por essa espécie e no final do outono a população da mosca-das-frutas era considerada baixa. Nos últimos três anos têm sido registradas altas infestações nos meses de maio e junho, comprometendo o cultivo de citros em todas as regiões do Estado. Estima-se que a perda média tenha chegado a 40% da produção.

Os sintomas do ataque de moscas-das-frutas iniciam-se com o aparecimento de pontos amolecidos na casca e descoloração na região da postura, com posterior mudança na coloração, que passa de parda a marrom. Na cultura dos citros o nível de infestação varia de acordo com a cultivar, a localização do pomar e as condições climáticas. No entanto, os citros apresentam mecanismos que podem afetar o desenvolvimento e a reprodução das moscas-das-frutas, a exemplo das características físico-químicas dos frutos (cor, peso, acidez, entre outros).

Neste sentido foram realizados estudos, em laboratório, a fim de verificar a época de ocorrência da mosca-sul-americana e da mosca-do-mediterrâneo em frutos de laranjeira cultivar Navelina. Também foi determinada a preferência para oviposição em três espécies cítricas (laranja, tangerina e limão), bem como a relação da oviposição, das duas pragas, com a espessura da casca de frutos cítricos.

Desenvolvimento relacionado aos estádios de maturação

Foram coletados frutos de laranjeira cultivar Navelina obtidos de pomares comerciais localizados no município de Rosário do Sul, no Rio Grande do Sul. Após a floração, foi acompanhado o desenvolvimento dos frutos para caracterizar quatro estádios fenológicos, definidos a partir das suas características físicas e químicas. Os quatro estádios de maturação foram definidos como: I) fruto com aproximadamente 5cm de diâmetro (fruto com ¾ do tamanho final); II) fruto com 6cm a 7cm de diâmetro (fruto verde próximo ao tamanho final); III) fruto na mudança de cor verde para amarela e IV) final da maturação, onde os frutos apresentam toda casca com coloração amarelo-alaranjada (Figura 1). Para as análises físicas e químicas, foram determinados o peso (g) e o diâmetro dos frutos (cm), a espessura da casca (mm), o pH, o teor de açúcares (expresso em °Brix) e a acidez (expressa em porcentagem de ácido cítrico).

Dos estádios de maturação de frutos de laranjeira Navelina avaliados, verificou-se infestação apenas no estádio IV (final da maturação). Os índices de infestação neste estádio foram de 0,72 pupário/fruto e de 2,05 pupários/fruto para Anastrepha fraterculus e Ceratitis capitata, respectivamente.

Os dados demonstram a maior suscetibilidade dos frutos de laranjeira Navelina quando a maturação do fruto cítrico é mais avançada, tendo em vista a diminuição da acidez e o aumento da taxa de açúcares. Conforme ocorreu no presente estudo, a acidez total reduziu do estádio I ao IV de 0,85 a 0,52, bem como a taxa de açúcares aumentou de 9,9 a 11,1 (Tabela 1). 

Desenvolvimento em frutos maduros

Sessenta frutos de laranja Navelina de cada estádio de maturação foram ofertados para cada espécie de mosca-das-frutas por um período de 24 horas. Após a exposição, os frutos foram individualizados em recipientes plásticos com tampa perfurada contendo vermiculita, onde deixou-se transcorrer o desenvolvimento dos imaturos para se proceder a contagem dos pupários e sua separação para observações de parâmetros biológicos.

Observou-se que a duração do período ovo-adulto de A. fraterculus e de C. capitata em frutos de laranjeira Navelina foi em média de 30 dias. O número médio de ovos (fecundidade) de A. fraterculus foi superior ao de C. capitata. No entanto, a fertilidade (capacidade de gerar larvas) foi similar para as duas espécies, em torno de 60%. Após a emergência, as fêmeas de moscas-das-frutas levaram em média 15 dias para começar a oviposição nos frutos, sendo então importante o monitoramento na área para identificar este momento e realizar o controle antes. A maior parte da postura (80%) foi realizada nos primeiros 15 dias do período de oviposição, sendo que o pico de oviposição ocorreu no 11º dia (299 ovos) para A. fraterculus e no 16º dia para C. capitata (269 ovos).

Adulto de Anastrepha fraterculus.
Adulto de Anastrepha fraterculus.

Preferência para oviposição em frutos cítricos

Foram ofertados frutos de três espécies cítricas (laranjeira Navelina, tangerineira Clemenules e limoeiro Siciliano) para cada espécie de mosca-das-frutas, por um período de 24 horas. Após o período de exposição, os frutos foram retirados para a contagem de ovos.

Verificou-se que A. fraterculus preferiu ovipositar em frutos de tangerineira e C. capitata em frutos de laranjeira. Em frutos de limoeiro não houve oviposição por ambas as espécies. Quando analisada a influência da presença do limão na oviposição, tanto para laranja como para tangerina não houve diferença significativa no número de ovos de A. fraterculus, indicando não haver esta influência na escolha do fruto por esta espécie. Já para C. capitata verificou-se que em laranja houve maior oviposição quando este fruto foi oferecido em combinação com limão, parecendo haver um estímulo para oviposição quando nesta situação. Considerando que a frutificação de laranjeira Navelina e de limoeiro Siciliano ocorre no mesmo período (fevereiro a julho), pode haver a maior probabilidade de oviposição em laranja, quando estas cultivares cítricas estão presentes na mesma área. A escolha do hospedeiro por insetos é influenciada por estímulos químicos e visuais. Desta forma, as fêmeas de C. capitata podem ter identificado compostos inadequados para o desenvolvimento dos seus descendentes em frutos de limoeiro Siciliano.

Influência da espessura da casca

Para avaliar a relação entre a profundidade de oviposição de moscas-das-frutas e a espessura da casca de citros, frutos maduros de laranja Navelina e de tangerina Clemenules foram oferecidos às fêmeas de A. fraterculus C. capitata por 24 horas. Após o período de exposição, os frutos foram analisados em microscópio estereoscópico para identificar a localização dos ovos em cada fruto.

Verificou-se que a espessura da casca de laranjas Navelina e tangerina Clemenules não influenciou a oviposição de A. fraterculus e C. capitata. Ambas as espécies não depositaram seus ovos dentro das frutas cítricas. As fêmeas colocaram os ovos na região do flavedo (camada externa da casca) de laranja e entre o albedo (camada fibrosa da casca) e o flavedo em tangerina. A maior profundidade de deposição dos ovos em tangerina pode estar relacionada à menor firmeza da casca, comparada à laranja, permitindo maior sobrevivência larval devido à menor dificuldade de a larva migrar da casca para a polpa.

Figura 1 - Estágios de maturação de laranja ‘Navelina’. I) fruto com o tamanho final; II) fruto verde próximo ao tamanho final; III) fruto na mudança de cor verde para amarela e IV) casca com coloração amarelo-alaranjada.
Figura 1 - Estágios de maturação de laranja ‘Navelina’. I) fruto com o tamanho final; II) fruto verde próximo ao tamanho final; III) fruto na mudança de cor verde para amarela e IV) casca com coloração amarelo-alaranjada.

Considerações

A definição dos estádios de maturação de uma cultivar permite relacionar as condições em que o fruto se encontra adequado à infestação. Embora o desenvolvimento dos frutos no campo esteja relacionado a uma série de fatores, como temperatura, regime pluviométrico e radiação, a caracterização físico-química pode fornecer uma indicação do período em que ocorre o desenvolvimento larval de moscas-das-frutas e assim orientar o estabelecimento de estratégias de controle. Para a cultivar Navelina, constatou-se que a infestação ocorre somente no último estádio de maturação (casca com coloração amarelo-alaranjada), correspondendo ao período de junho a julho no estado do Rio Grande do Sul.

Com isso, é possível verificar que tanto a mosca-sul-americana, como a mosca-do-mediterrâneo preferem ovipositar em frutos maduros, com características físico-químicas que correspondem à maturação. Desta forma, o monitoramento, no campo, durante este período, constitui uma importante ferramenta para evitar perdas por infestação de moscas-das-frutas.

Naymã Pinto Dias, Unesp; Mirtes Melo e Dori Edson Nava, Embrapa Clima Temperado

Cultivar Hortaliças e Frutas Novembro 2019

A cada nova edição, a Cultivar Hortaliças e Frutas divulga uma série de conteúdos técnicos produzidos por pesquisadores renomados de todo o Brasil, que abordam as principais dificuldades e desafios encontrados no campo pelos produtores rurais. Através de pesquisas focadas no controle das principais pragas e doenças do cultivo de hortaliças e frutas, a Revista auxilia o agricultor na busca por soluções de manejo que incrementem sua rentabilidade. Na edição de novembro de 2019 você confere também: 

a

Compartilhar

Mosaic Biosciences Março 2024