Impactos da chuva após pulverização com inseticidas na macieira

Como ação de inseticidas pode ser afetada por precipitações após pulverizações em pomares de maçã contra Grapholita molesta

10.06.2020 | 20:59 (UTC -3)
Cultivar Hortaliças e Frutas

A Grapholita molesta se tornou, nos últimos anos, um dos principais insetos-praga de cultivos de macieira no Brasil. Nos frutos, as lagartas penetram pela região do pedúnculo, ou do cálice, e dirigem-se pela polpa até a região carpelar para alimentação. Os frutos atacados apresentam galerias internas e são totalmente depreciados para o comércio in natura. Os danos externos se caracterizam pela presença de excrementos típicos em forma de “serragem”, ligados por uma espécie de teia.

A principal estratégia para reduzir perdas pelo ataque da grafolita é o emprego de inseticidas organofosforados, com destaque para o ingrediente ativo fosmete. O fosmete é amplamente utilizado para o controle de G. molesta em macieira, pois apresenta elevada toxicidade sobre todas as fases de vida da praga. Outro grupo, as diamidas antranílicas, que inclui o ingrediente ativo clorantraniliprole, também apresenta excelente resultado de controle, sendo utilizado em pelo menos uma aplicação por safra.

De maneira geral, é comum que sejam realizadas várias aplicações de inseticidas que, não raramente, chegam a quantidade de 20 a 30 aplicações por safra. Apesar do elevado número de pulverizações, o percentual de frutos danificados pela praga costuma ser de 4%, considerado elevado pelo setor produtivo, e de interferência na comercialização internacional da fruta, pois os países importadores não compram a fruta com a presença da praga. Na safra de 2017/18 vários lotes de maçãs destinados à União Europeia foram rechaçados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), durante a fiscalização, devido à presença de lagartas de G. molesta vivas no interior dos frutos que seriam exportados.

Alguns fatores podem afetar a eficácia dos inseticidas no campo, entre eles a ocorrência de chuvas após uma pulverização. A precipitação pode impactar a atividade de depósito pela diluição, redistribuição, remoção física e extração do agroquímico do tecido da planta. A eficiência do inseticida mediante uma condição de chuva dependerá de qual combinação desses fatores está em ação, bem como do tempo entre a aplicação e o início da chuva, o tipo de precipitação, a formulação do inseticida e as propriedades da superfície-alvo.

Um dos motivos de preocupação dos pomicultores da região de Vacaria, Rio Grande do Sul, é justamente a alta incidência de chuva, com média mensal de 140mm de precipitação durante a safra. Esta situação gera inquietudes, pois as informações de pesquisa disponíveis sobre a necessidade de reaplicação de inseticidas após uma chuva são limitadas ou apenas fruto de "sabedoria popular”. Nela, são informadas que chuvas acima de 20mm até quatro horas após a aplicação inviabilizam a atividade do inseticida na planta.

Para avaliar a influência da chuva na eficiência dos inseticidas fosmete e clorantraniliprole aplicados para o controle de lagartas de G. molesta, foi conduzido um estudo na Embrapa Uva e Vinho (EFCT), em Vacaria, no Rio Grande do Sul, nas safras de 2015/16, 2016/17 e 2017/18 em pomar de macieira constituído pelas cultivares Gala e Fuji, com área de 0,4ha.

Foram aplicadas chuvas sobre as plantas do pomar através de um simulador do tipo Empuxo, composto por dez braços rotatórios e aspersores de chuva Veejet 80/100 distribuídos helicoidalmente numa espiral concêntrica, adaptado para liberar 50mm de chuva por hora. O simulador girava a uma altura de aproximadamente 1,5m acima das plantas, cobrindo uma área de 176m2 por chuva simulada.

O equipamento utilizado para as pulverizações foi um turboatomizador axial. As aplicações dos inseticidas fosmete e clorantraniliprole foram realizadas na dose comercial e de forma independente no pomar. Após a pulverização do pomar, eram demarcados quatro pontos para a realização de uma chuva simulada com 50mm de intensidade e duração de uma hora por ponto. Cada ponto correspondeu ao tempo de secagem do inseticida na planta: 30 minutos, duas horas, seis horas e 24 horas após a pulverização. Para cada inseticida testado e ponto de chuva simulada foram coletados frutos nos momentos: antes da chuva (0mm), nos cinco minutos (5mm), 15 minutos (13mm), 30 minutos (25mm) e uma hora (50mm de volume - final da chuva). 

Foram aplicadas chuvas sobre as plantas do pomar através de um simulador do tipo empuxo.
Foram aplicadas chuvas sobre as plantas do pomar através de um simulador do tipo empuxo.

Atividade aleatória de coleta de frutos de maçã durante a chuva.
Atividade aleatória de coleta de frutos de maçã durante a chuva.

Os frutos coletados foram levados ao laboratório e infestados com duas lagartas de primeiro instar de G. molesta no terço superior do fruto, próximo ao pedúnculo. Após a incubação de dez dias, os frutos foram cortados para avaliação da presença de lagartas e de danos internos. Antes de cada pulverização, uma testemunha absoluta (sem receber chuva) foi obtida através da coleta de 20 frutos, ofertados às lagartas seguindo a metodologia descrita anteriormente.

Com a metodologia utilizada, não se verificou efeito negativo no controle de G. molesta com o uso dos inseticidas fosmete e clorantraniliprole após receberem uma chuva simulada de 50mm por uma hora. Entretanto, percebeu-se que a eficiência foi incrementada dos produtos nos primeiros volumes de chuvas que chegaram às plantas.

No geral, o padrão de controle dos inseticidas testados mostrou uma curva ascendente, atingindo o máximo de eficiência com 25mm de chuva, havendo redução a partir desta quantidade de chuva até os 50mm avaliados (Figura 1).

Para o inseticida fosmete houve diferença significativamente positiva na eficiência de controle observada antes da chuva e após o início da precipitação. Com um volume de 5mm precipitado sobre as plantas, o controle passou de 51% para 90% e de 62% para 88%, com tempos de secagem de 30 minutos e duas horas, respectivamente.

Esta situação se modifica quando volumes maiores de chuva (50mm) são lançados sobre as plantas após 30 minutos de secagem. Neste caso, o controle foi reduzido, igualando-se à aquele obtido antes da chuva (0mm). Independentemente do tempo de secagem do fosmete, o padrão é o mesmo, havendo elevação de controle até os 25mm iniciais e após uma redução até aos patamares de eficiência diagnosticados antes do início da chuva.

O inseticida clorantraniliprole mostrou comportamento similar. Com volume de 5mm de chuva, a variação observada de controle foi de 64% para 88% após 30 minutos de secagem, e de 60% para 85% após duas horas de secagem na planta. A maior eficiência de controle (81% e 80%) foi observada com volumes de chuva de 13mm e 25mm, respectivamente, após seis horas da aplicação do inseticida nas plantas.

Na literatura, testes realizados com fungicidas mostram que o modo de ação do ingrediente ativo interfere na sua resistência à chuva. Fungicidas sistêmicos são aqueles que sofrem menor “lavagem” pela chuva, comparativamente aos de contato, que atuam restritamente sobre a superfície de folhas e frutos. Em relação a inseticidas não existem trabalhos mostrando essa relação, pois o alvo normalmente é o inseto. Na grafolita, tanto o fosmete como o clorantraniliprole, agem por contato e ingestão, e mesmo não sendo sistêmicos, apresentam efeito de profundidade nos frutos, o que pode elevar sua resistência à chuva.

O fato de observar elevação na eficiência de controle nos primeiros momentos das chuvas deve-se a um somatório de fatores. O turboatomizador axial utilizado pelo setor produtivo da macieira dispensa grande volume de assistência de ar, sem possibilidade de ajustes, o que resulta em perdas do ingrediente ativo por deriva acima das plantas e pelo depósito no solo. Além disso, as gotas liberadas nos bicos não atingem toda a planta de maneira uniforme devido à arquitetura da planta, fazendo com que frutos e folhas não sejam molhados da mesma forma.

Neste contexto é sensato imaginar que no início das chuvas simuladas houve realocação dos inseticidas na planta. A chuva age lavando o produto depositado, que ainda não foi absorvido pela planta, e reposicionando em outras partes, como na região peduncular dos frutos, o que acaba elevando a eficiência para G. molesta. A região peduncular é o local preferencial de penetração da grafolita no fruto e com maior deposição do ingrediente ativo nesta região espera-se uma maior eficiência de controle. Com o passar do tempo, a chuva também lava o produto dos frutos, fazendo com que a eficiência de controle venha a igualar-se aos patamares diagnosticados antes do início das chuvas. É esperado que chuvas de maior duração diminuam consideravelmente a eficiência dos inseticidas em tempos de secagem inferiores a seis horas.

Neste trabalho, os resultados obtidos evidenciaram que seis horas após a aplicação dos inseticidas em macieiras foi um tempo seguro e suficiente para os produtos testados serem absorvidos pelas plantas. Este aspecto foi verificado em estudos realizados com fungicidas nas culturas de tomate e batata, que apontam que quanto maior o intervalo entre a pulverização e início da chuva, menor a perda de ingrediente ativo por lavagem.

O senso empírico comum, utilizado pelos pomicultores brasileiros, é de que, independentemente do inseticida utilizado, o tempo de quatro horas de secagem antes do início da precipitação é suficiente para sua absorção pela planta. Os resultados aqui obtidos corroboram com o senso comum, porém, mostram um dado novo: o de que uma chuva com intensidade de 50mm por hora, com duração até 30 minutos, incrementa a eficiência do fosmete e clorantraniliprole quando aplicados sobre macieiras para o controle de G. molesta. É importante mencionar que os resultados do efeito da precipitação sobre a eficiência de um inseticida não podem ser extrapolados para outros inseticidas, devido às características intrínsecas dos produtos.

Assim, para se obter uma recomendação técnica mais precisa acerca da reaplicação de inseticidas após a ocorrência de chuvas, experimentos e testes complementares, tomando como base as informações aqui apresentadas e as características físico-químicas de cada produto, devem ser realizados, com diferentes intensidades de chuva e duração para confirmação dos padrões de comportamento e eficiência dos inseticidas utilizados para o controle de G. molesta em pomares de macieira.

Figura 1 - Eficiência média dos inseticidas fosmete e clorantraniliprole em quatro tempos de secagem após a pulverização (30 minutos, duas horas, seis horas e 24 horas) no controle de danos internos de lagartas de Grapholita molesta em frutos de macieira submetidos a chuva simulada de 50mm por hora. Vacaria, RS
Figura 1 - Eficiência média dos inseticidas fosmete e clorantraniliprole em quatro tempos de secagem após a pulverização (30 minutos, duas horas, seis horas e 24 horas) no controle de danos internos de lagartas de Grapholita molesta em frutos de macieira submetidos a chuva simulada de 50mm por hora. Vacaria, RS

Conclusões

Chuvas com intensidade de 50mm por uma hora não interferem na eficiência final dos inseticidas para controle de G. molesta.

Nos primeiros 30 minutos de uma chuva com intensidade de 50mm/h há elevação na ação de controle de G. molesta em decorrência da realocação dos ingredientes ativos testados nas plantas.

Um tempo de secagem de seis horas para os inseticidas fosmete e clorantraniliprole é suficiente para manterem a eficiência antes do início de uma chuva de alta intensidade em macieiras.

Inoculação de lagartas de Grapholita molesta.
Inoculação de lagartas de Grapholita molesta.

Dano interno em fruto de maçã provocado pelo ataque da praga.
Dano interno em fruto de maçã provocado pelo ataque da praga.

Daniela Fernanda Klesener, Univ. do Estado de Santa Catarina – CAV; Regis Sivori Silva dos Santos, Embrapa Uva e Vinho - EFCT; Mari Inês Carissimi Boff, Univ. do Estado de Santa Catarina – CAV; Luciano Gebler, Embrapa Uva e Vinho - EFCT

Cultivar Hortaliças e Frutas fevereiro/março 2020 

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