Importância do monitoramento de esporos da ferrugem-asiática

Como monitoramento de esporos da ferrugem-asiática pode ajudar na construção de um banco de dados que favoreça e antecipe manejo contra doença

23.12.2020 | 20:59 (UTC -3)
Cultivar Grandes Culturas

A ferrugem-asiática, causada pelo fungo Phakopsora pachyrhizi, é uma das doenças mais severas para a cultura da soja (Glycine max). Trata-se de um fungo biotrófico e sua movimentação ocorre através do vento (MELCHING et al., 1976).

A falta de conhecimento da dinâmica de dispersão da ferrugem-asiática prejudica as ações efetivas de controle, onde o entendimento do modo de dispersão da doença pode fornecer ferramentas que ajudem na previsibilidade da chegada e evolução da epidemia, resultando em melhores controles e redução de danos. Isso comprova a real necessidade de aplicação de pesquisas para monitorar o processo de desenvolvimento e dispersão da P. pachyrhizi, em determinada região.

Diante deste contexto um trabalho foi realizado com o objetivo monitorar a mobilidade dos esporos da P. pachyrhizi em Santo Ângelo, região das Missões, noroeste do Rio Grande do Sul. O experimento foi conduzido na área experimental da Universidade Regional Integrada, no munícipio de Santo Ângelo, durante a safra 2019/20.

A instalação do experimento considerou a livre circulação de ar e a proximidade com lavouras de soja. O monitoramento foi realizado com a coleta de lâmina, através de um coletor de esporos, que consiste em uma haste metálica para fixação ao solo, ligado a um tubo alongado e cilíndrico feito de PVC (Figura 1).

Figura 1 - Relação entre as condições ambientais e a presença de esporos da P. pachyrhizi, na safra (2019/2020)
Figura 1 - Relação entre as condições ambientais e a presença de esporos da P. pachyrhizi, na safra (2019/2020)

A presença de esporos da P. pachyrhizi na região das Missões, no Rio Grande do Sul (Figura 1), na safra de 2019/2020, já foi encontrada a partir do início dos trabalhos, em 1º de novembro de 2019. Vale ressaltar que em resultados de outros coletores, em anos anteriores, foi possível verificar a presença de esporos durante todos os meses do ano, variando apenas em quantidade.

Com uma umidade relativa do ar média em torno de 84% entre as datas de 8 de novembro e 6 de dezembro e temperatura do ar que variou entre 20°C e 28°C, as condições ambientais caracterizaram-se como ótimas para a ocorrência da infecção, desenvolvimento e esporulação da ferrugem asiática. Marchetti et al. (1976) demonstram o efeito da temperatura e duração do período de molhamento na germinação e infecção por esporos de P. pachyrhizi, onde pode-se concluir que o fungo é capaz de germinar entre as temperaturas de 7ºC e 30ºC, com faixa ótima de 15ºC a 25ºC.

No dia 6 de dezembro 2019, foi identificado pelo coletor, a contagem máxima realizada durante o experimento, totalizando 417 esporos coletados. Até este momento, as condições meteorológicas exigidas pela ferrugem asiáticas estavam contempladas e a evolução da produção de inóculo vinha em crescimento. Isso mostra que as relações do triângulo entre patógeno – ambiente – hospedeiro, formando a doença, estava ocorrendo em plantas guaxas e/ou vindo de plantas doentes de outras localidades.

Coletor de esporo da Phakopsora pachyrhizi
Coletor de esporo da Phakopsora pachyrhizi

Por se tratar de um patógeno biotrófico de grande habilidade de deslocamento a longas distâncias, a direção dos ventos passa a ser uma informação importante. Na América do Sul, o ventos contra-Alísios passam sobre a região Amazônica e transportam umidade e partículas sólidas em níveis mais altos para a região Sul do Brasil em função da barreia imposta pela Cordilheira dos Andes. Esses ventos são de direção norte-noroeste e quentes. Além dos contra-Alísios, a passagem de frentes frias gera ventos de norte-noroeste em níveis mais baixos, próximos à superfície, conhecidos popularmente como Vento Norte. São ventos de curta duração (alguns dias) mas de velocidade alta, com máximos observados na estação da primavera.

Os dados de vento da Estação Meteorológica do INMET em Santa Rosa, município localizado a noroeste de Santo Ângelo, indicaram a ocorrência de ventos de direção norte-noroeste na região das Missões durante a realização do experimento, principalmente os dias 21/11/2019 e 29/11/2019, com velocidades altas acima de 30 km/h.

Além de alterar o comportamento do vento, a passagem de frentes frias na região Sul do Brasil provoca a formação de chuvas. As chuvas frontais geram volumes baixos até altos, duram por horas a dias e ocorrem em grandes regiões principalmente no inverno e na primavera. As chuvas nessa região se formam ainda pela ocorrência de aquecimento intenso do ar, e são chamadas de convectivas. As chuvas convectivas apresentam altos volumes, ocorrência localizada e por algumas horas, principalmente durante as tardes de primavera e verão quando o aquecimento se intensifica.

A falta de conhecimento da dinâmica de dispersão do fungo causador da doença prejudica as ações de controle
A falta de conhecimento da dinâmica de dispersão do fungo causador da doença prejudica as ações de controle

Independentemente do processo de formação, a chuva é a principal responsável pela limpeza da atmosfera, carregando de volta para a superfície todas as partículas que ficam em suspensão, incluindo os esporos. A água da chuva também é interceptada pelas folhas das plantas e fornece, juntamente com a água formada pelo orvalho, o molhamento necessário para a germinação e infecção pelos esporos.

Por outro lado, a chuva também é responsável pelo impacto da gota na folha e a liberação dos esporos da pústula. Após isso, o vento fica responsável pelo deslocamento a longas distâncias. Em períodos secos, após a formação da pústula, a liberação e mobilidade do patógeno são dificultadas. Por isso que após as precipitações, os componentes climáticos e fitopatológicos se somam para potencializar a epidemia (Figura 1).

Com base nestes pontos, os dados do coletor foram comparados com os do site do Consórcio Antiferrugem (Embrapa) (Figura 2). Esta ferramenta é utilizada para registrar os primeiros casos de sintomas visuais de ferrugem em áreas de soja, tanto comerciais como espontâneas.

Figura 2 - Consócio Antiferrugem, primeiro foco da ferrugem asiática no RS (Safra 2019/2020)
Figura 2 - Consócio Antiferrugem, primeiro foco da ferrugem asiática no RS (Safra 2019/2020)

Analisando as duas informações, do coletor e do Consórcio, foi possível verificar que as informações corroboraram. O primeiro relato de ferrugem em área comercial registrado no site do Consórcio Antiferrugem foi em 11/12/2019 na cidade de Porto Vera Cruz, Rio Grande do Sul, cerca de 100 km distante do coletor de esporos. Com base nisso foi possível cruzar as informações e relacionar a identificação do aumento vertiginoso de esporos no coletor à eminente evolução da epidemia.

Após esta data, a coleta de esporos no coletor regrediu a valores muito baixos. Isso ocorreu devido ao fato  de o Rio Grande do Sul ter sido acometido por um longo período de estiagem e baixa umidade relativa. Automaticamente, o número de casos relatados no Consórcio Antiferrugem também tiveram baixa representatividade.

Os dados permitem inferir que, se não estivesse ocorrido a estiagem, a elevação da epidemia de ferrugem poderia atingir níveis de danos severos, como é de costume para este patossistema.

Além disso, é importante ressaltar que o coletor de esporos é uma ferramenta que possibilita estudar a dispersão do patógeno e formação de um banco de dados que, futuramente podem ajudar nas aplicações. Iniciar, parar ou aumentar os intervalos de aplicação com base no coletor de esporos é obra do acaso e não tem segurança técnica.

Portanto, o conhecimento da aerobiologia de esporos de P. pachyrhizi, permite relacionar o nível de coleta dos esporos com as condições meteorológicas de determinada região. Assim, futuramente esse banco de dados poderá servir de ferramenta para antecipar o manejo desta que é uma das doenças que mais acarreta prejuízos ao produtor rural.

Eduardo Argenta Steinhaus, Luiz Eduardo Braga, Eduarda Casarin Kronhardt, Laura Isabel da Luz de Ataide e Marcelo Gripa Madalosso, Universidade Regional Integrada, Campus Santo Ângelo – Grupo de Proteção de Plantas; Angelica Durigon, Universidade Federal de Santa Maria, Departamento de Fitotecnia

Cultivar Grandes Culturas Novembro 2020

A cada nova edição, a Cultivar Grandes Culturas divulga uma série de conteúdos técnicos produzidos por pesquisadores renomados de todo o Brasil, que abordam as principais dificuldades e desafios encontrados no campo pelos produtores rurais. Através de pesquisas focadas no controle das principais pragas e doenças do cultivo de grandes culturas, a Revista auxilia o agricultor na busca por soluções de manejo que incrementem sua rentabilidade. 

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