Manejo correto do míldio na cebola

Sementes certificadas, cuidados sobre o plantio, irrigação racional, emprego de práticas culturais e métodos de controle fazem parte do manejo

11.08.2020 | 20:59 (UTC -3)
Cultivar Hortaliças e Frutas

Diversos são os fatores que contribuem para a baixa produtividade da cebola, com destaque para doenças de diversas etiologias, que causam danos significativos à cultura. Entre estas, o míldio causado por Peronospora destructor (Berk.) Casp. é uma doença de grande importância na  época de cultivo que coincide com condições de temperaturas amenas e alta umidade. 

Os primeiros sintomas podem ser observados em qualquer estádio de desenvolvimento da cultura, tanto em folhas como em hastes florais aparentemente sadias, através da formação de eflorescência acinzentada constituída por esporângios e esporangióforos do patógeno (Figura 1A). Com a evolução da doença, ocorre descoloração do tecido afetado, que adquire tonalidade verde mais clara que as regiões sadias das folhas (Figura 1B). Ao aumentarem de tamanho, as manchas se alongam no sentido das nervuras e, em seguida, tornam-se necróticas.

Figura 1 - Sintomas do míldio (Peronospora destructor) em folhas de cebola - Esporulação (A) e halo clorótico (B).
Figura 1 - Sintomas do míldio (Peronospora destructor) em folhas de cebola - Esporulação (A) e halo clorótico (B).

Como nas condições brasileiras não tem sido relatada a formação do oósporo, a sobrevivência do patógeno se dá por meio de bulbos e plantas remanescentes na lavoura. Plantas de cebolinha-verde próximas à lavoura também constituem fonte de inóculo. A disseminação pode ocorrer pela água ou correntes de ar. Temperaturas abaixo de 22ºC e umidade relativa do ar acima de 95% são ideais para o desenvolvimento do patógeno.  

Marcuzzo e Moraes (2018) avaliaram em condições in vitro a influência da temperatura e do fotoperíodo na germinação de esporângios de P. destructor. Esporângios foram removidos das folhas entre as 6h e as 8h (período de liberação dos esporângios) em folhas verdes de cebola com auxílio de um pincel (n° 8) e lavagem com água esterilizada. A suspensão foi espalhada com uma alça de Drigalski, 100µl de suspensão de esporângios contendo a concentração de 2x105 esporângios/mL junto com 100µl de uma suspensão (agitada por 15 minutos) de 10% de extrato aquoso de fragmentos (0,5cm) de folha de cebola (para favorecer a germinação dos esporângios) em placas de Petri contendo meio Agar-Água 1%. Em seguida, as placas foram incubadas em câmaras de germinação do tipo D.B.O. (Demanda Biológica de Oxigênio) a temperaturas de 5ºC, 10ºC, 15ºC, 20ºC, 25ºC e 30°C (±1°C) no escuro. Em um segundo momento repetiu-se o experimento incubando os esporângios de P. destructor em D.B.O. a 17°C (temperatura ideal de germinação obtida com a equação polinomial (Figura 1A) com os fotoperíodos de 0, 6, 12, 18 e 24 horas/luz. Para ambos os experimentos foi avaliada a percentagem de germinação após 72 horas de incubação, já que esporângios de P. destructor têm esse período de tempo para germinarem. Para visualização dos esporângios foram adicionadas algumas gotas de azul de metileno 0,33% diluído em água e com movimentos circulares espalhou-se as gotas sobre toda a superfície do meio com o corante. A germinação foi quantificada sob microscópio óptico com a objetiva de dez vezes, visualizando-se cem esporângios aleatórios na placa. Foi considerado germinado o que tivesse o tubo germinativo maior que o tamanho do esporângio. Com base nos resultados obtidos, constatou-se que a temperatura exerce grande influência sobre a germinação dos esporângios de P. destructor. Observa-se que as maiores percentagens de germinação ocorreram no intervalo de temperaturas entre 15ºC e 20°C (Figura 1A), variando entre 39% e 35% respectivamente. A germinação dos esporângios de P. destructor é bruscamente reduzida em temperaturas extremas, como na de 5°C, onde a percentagem de germinação foi de apenas 2% e na de 30°C não foi observado germinação. Por meio da equação gerada pela curva (y = -0,227x²+7,835x–33; R² = 0,916) (Figura 1A), a temperatura ótima para a germinação de esporângios de P. destructor foi de 17°C.

Em relação à germinação de esporângios em diferentes fotoperíodos, observou-se uma resposta linear (Figura 1B). Através da equação y = -0,25x+36 (R² = 0,34) verificou-se que o fotoperíodo mais favorável ao desenvolvimento é na ausência de luz, com 39% dos esporângios germinados, quando comparado com 24 horas de luz, situação em que obteve apenas 29%. Porém, foi pouco expressiva a diferença do fotoperíodo ao se comparar com a temperatura. Desta forma, é possível que P. destructor tenha sua germinação favorecida por menores períodos de luz. Assim, em dias nublados e com pouca luminosidade, como o que ocorre durante o outono/inverno na região do Alto Vale do Itajaí durante o ciclo da cebola, são favorecidas a germinação dos esporângios e a ocorrência da doença. Conclui-se que a germinação dos esporângios foi obtida em temperaturas de 15ºC a 20°C, sendo a temperatura ótima de 17°C, e no escuro.

MANEJO

A disseminação de doenças a longas distâncias, ou a sua introdução na lavoura, ocorre, na maioria dos casos, através de sementes ou mudas infectadas. Por esse motivo, a escolha de sementes deve ser cuidadosa, preferindo-se aquelas selecionadas/certificadas/fiscalizadas e tratadas quimicamente. Ao adquirir mudas de viveiros, deve-se exigir que forneçam o registro de procedência e certificado fitossanitário assinado por responsável técnico.

Local e época de plantio

Na produção de mudas, deve-se escolher local isolado, longe de outras aliáceas ou plantações de cebola. O local deve ser bem drenado e arejado. Deve-se evitar o plantio em baixadas úmidas, sujeitas à formação de neblina (baixadas, mal ventiladas e/ou em áreas mal drenadas); o local de plantio deve ser preferencialmente com exposição Norte e a orientação de linhas Leste-Oeste, para aumentar a insolação e a ventilação, e diminuir a umidade ambiente. Haveroth  & Marcuzzo (2012) avaliaram uma área de 36m2, onde metade foi transplantada com mudas de cebola no sentido Leste-Oeste e outra metade no sentido Norte-Sul. A severidade foi avaliada semanalmente, durante 13 semanas, em 40 plantas demarcadas aleatoriamente em cada sentido de plantio. Os dados de severidade foram integralizados e calculados pela área abaixo da curva de progresso da doença (AACPD), cujas médias foram comparadas pelo teste de T 5%. A severidade da doença foi estatisticamente diferente, pois no sentido Norte-Sul o valor da AACPD foi 19,17% maior que em Leste-Oeste. O sentido de plantio influenciou diretamente na severidade da doença. A época de plantio deve ocorrer conforme o zoneamento agroclimático e a recomendação do cultivar.

Irrigação

 A água utilizada para irrigação deve ser de boa qualidade e não passar por lavouras contaminadas; na produção integrada é proibido o uso de irrigação por aspersão. Recomenda-se irrigação por gotejamento para evitar a disseminação de fitopatógenos.

Práticas culturais

Em áreas com histórico de doença deve-se fazer rotação com gramíneas ou leguminosas por três anos. O uso de quebra-vento e a condução da cultura de modo que receba maior insolação e ventilação diminuem as condições climáticas favoráveis; a calagem e a adubação devem ser equilibradas, realizadas de acordo com critérios técnicos, principalmente quanto ao excesso de nitrogênio, uma vez que esse excesso deixa os tecidos vegetais suculentos e, consequentemente, mais sensíveis à infecção; plantas doentes devem ser arrancadas e eliminadas da lavoura; é preciso diminuir o trânsito de pessoas e máquinas em áreas com a doença; um maior espaçamento entre plantas permite melhor aeração do cultivo.

Controle biológico

Não há produto indicado para a doença, mas Marcuzzo e Santos (2017) avaliaram o efeito de promoção de crescimento e/ou biocontrole na cultura contra o míldio da cebola causado por P. destructor. Utilizando-se mudas Empasc 352-Bola Precoce com 45 dias, as raízes foram microbiolizadas por uma hora em suspensão com NaCl 0,85% de 2x106 esporos/ml de Thichoderma harzianum; suspensão em NaCl 0,85% de 108 de Pantoea agglomerans; suspensão a 1% de formulado comercial à base de T. harzianum, T. viride, T. sp., Clonostachys rosea, Bacillus subtilis, Paenibacillus lentimorbus (MIX 1); suspensão a 2% do formulado anterior (MIX 2); 1% de formulado comercial à base de Thichoderma harzianum (FCTh) e testemunha em solução salina (NaCl 0,85%). Semanalmente foi avaliado o percentual do tecido necrosado pela doença em cada folha, em dez plantas demarcadas em cada repetição. Os dados de severidade foram integralizados e calculados pela Área Abaixo da Curva de Progresso da Doença (AACPD), através da fórmula: AACPD = ∑ [(y1+y2)/2]*(t2-t1), onde y1 e y2 refere-se a duas avaliações sucessivas da intensidade da doença realizadas nos tempos t1 e t2, respectivamente. Após o transplantio, quando 70% das plantas apresentavam estaladas, foi realizada a colheita nas plantas avaliadas para a doença, que foram pesadas e convertidas para produtividade comercial total em kg/ha. Nenhum dos tratamentos com os agentes microbianos foi eficiente quanto ao incremento da produtividade e no biocontrole do míldio da cebola. Constatou-se que T. harzianum apresentou o maior valor de AACPD (322,68) e severidade final (25,89%), e que isoladamente diferiu da testemunha e dos demais tratamentos, mas a produtividade apesar de não significativa entre os tratamentos, foi de 600kg/ha superior à testemunha. Conclui-se que nas condições experimentais nenhuma das suspensões microbianas através da microbiolização em mudas de cebolas foi eficaz no controle do míldio e na produtividade de cebola.

Controle químico

Para o controle químico de doenças fúngicas em cebola tem-se um número considerável de produtos registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Nesta forma de controle, devem ser levadas em consideração as medidas anteriores para o manejo, pois somente o uso químico isoladamente nem sempre é eficaz. Produtos à base de cobre, ditiocarbamatos e metalaxyl são algumas das moléculas indicadas no controle químico. O uso de metalaxyl deve ser utilizado em mistura com ditiocarbamato para evitar/retardar o surgimento de populações resistentes. Deve-se dar preferência para produtos de classe toxicológica III e IV, sempre recomendados pelo responsável técnico. Marcuzzo et al. (2016) avaliaram o controle da doença com a utilização dos fungicidas oxicloreto de cobre, oxicloreto de cobre + mancozebe, mancozebe, clorotalonil, cimoxanil + mancozebe, metalaxil + mancozebe, metalaxil + clorotalonil, mandipropamida e fenamidone e testemunha sem pulverização em condição de infecção natural. O experimento foi realizado em 2015, no IFC/Campus Rio do Sul, no delineamento experimental de blocos ao acaso com quatro repetições. As aplicações dos fungicidas foram efetuadas semanalmente a partir do transplantio, totalizando 16 aplicações. Semanalmente foi avaliado o percentual da doença presente em cada folha de dez plantas demarcadas aleatoriamente dentro de cada repetição. Os dados de severidade foram integralizados e calculados pela área Abaixo da Curva de Progresso da Doença (AACPD). As médias obtidas da AACPD e da severidade final (%) foram submetidas à análise estatística. O oxicloreto de cobre proporcionou baixo controle, tendo o maior valor (918,34) enquanto que o metalaxil + clorotalonil o menor valor (400,51) de AACPD. Na severidade final, o cimoxanil + mancozeb obteve valor de AACPD (638,74) e severidade final (31,19%) não diferindo estatisticamente do oxicloreto de cobre, mancozebe e suas misturas. Conclui-se que nas condições experimentais o fungicida protetor clorotalonil e os fungicidas sistêmicos isolados ou em mistura, com exceção de cimoxanil + mancozebe, são eficazes no controle do míldio da cebola.

Em Santa Catarina está disponível o sistema de previsão da doença no site http://www.ciram.sc.gov.br/agroconnect/.

Figura 2 - Relação entre a germinação de esporângios de P. destructor sob diferentes temperaturas (A) e diferentes fotoperíodos (B). IFC/Campus Rio do Sul, 2017.
Figura 2 - Relação entre a germinação de esporângios de P. destructor sob diferentes temperaturas (A) e diferentes fotoperíodos (B). IFC/Campus Rio do Sul, 2017.

A cebola

A cultura da cebola (Allium cepa L.) ocupa o terceiro lugar entre as hortaliças de maior expressão econômica do Brasil e constitui atividade socioeconômica de grande relevância para pequenos produtores da Região Sul. Atualmente, ocupa no Brasil 51.967 hectares, com uma produção de 1.622.106 toneladas e um rendimento médio de 31.220kg/ha. O estado de Santa Catarina compreende a maior área de cultivo da cebola, com produção de 431.759 toneladas, representando 26% do total produzido do país.

Leandro Luiz Marcuzzo, IFC

Cultivar Hortaliças e Frutas Julho 2019

A cada nova edição, a Cultivar Hortaliças e Frutas divulga uma série de conteúdos técnicos produzidos por pesquisadores renomados de todo o Brasil, que abordam as principais dificuldades e desafios encontrados no campo pelos produtores rurais. Através de pesquisas focadas no controle das principais pragas e doenças do cultivo de hortaliças e frutas, a Revista auxilia o agricultor na busca por soluções de manejo que incrementem sua rentabilidade. 

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