Manejo de fungos em solanáceas e cucurbitáceas

De difícil controle, fungo Phytophthora capsici exige combinação de medidas de manejo para redução dos níveis da doença

26.06.2020 | 20:59 (UTC -3)
Cultivar Hortaliças e Frutas

A família botânica Solanaceae compreende aproximadamente 85 gêneros distribuídos em todo o mundo, sendo em especial abundante nas Américas. Muitas espécies desta família apresentam importância econômica como hortaliças. Exemplos frequentes residem nas várias espécies de Capsicum e Solanum, das quais é possível destacar as pimentas e os pimentões (C. annuum L.), as pimentas malagueta e tabasco (C. frutescens L.), as pimentas de cheiro e habanero (C. chinense Jacq.), a pimenta-dedo-de-moça (C. baccatum L.), a berinjela (Solanum melogena L.), o jiló (Solanum aethiopicum var. gilo) e o tomate (S. lycopersicum L. = Lycopersicum esculentum Mill.). Dentre estas hortaliças, o tomate e o pimentão se destacam em termos de importância econômica.

Outra família botânica com vários representantes de importância como hortaliças é a família Cucurbitaceae. Dentre as hortaliças pertencentes a esta família destacam-se o melão (Cucumis melo L.), a melancia [Citrillus lanatus (Thunb.) Matsun et Nakai], as abóboras [Cucurbita maxima Duchesne, C. moschata (Duchesne) Duchesne ex Poiret, C. pepo L. e diversos híbridos interespecíficos], o pepino (Cucumis sativus L.) e o maxixe (Cucumis anguria L.).

Devido à constituição suculenta das hortaliças, que facilita o desenvolvimento de fungos e bactérias, as doenças são constantes desafios aos horticultores. Normalmente são causadas por bactérias, fungos, nematoides e vírus. Podem ser também provocadas por fatores abióticos, como deficiência ou excesso de nutrientes, fitotoxidez por agroquímicos e luminosidade inadequada. Neste caso são também conhecidas como distúrbios fisiológicos. Entretanto, os fungos e pseudofungos são de longe o grupo mais numeroso entre os patógenos de hortaliças e, provavelmente, os mais importantes.

Dentre as doenças de hortaliças, se destacam aquelas causadas por organismos de solo, como os oomicetos do gênero Phytophthora. Causam doenças que levam a grandes prejuízos por serem de difícil controle. Existem três espécies de Phytophthora que provocam doenças de importância econômica em hortaliças, P. infestans (requeima do tomate e da batata), P. capsici P. nicotianae (podridões de raízes e frutos de várias hortaliças).

A espécie P. capsici causa a murcha ou a requeima do pimentão, podendo infectar uma parte ou todas as plantas de uma lavoura. Este patógeno também gera murchas e podridões de frutos em outras hortaliças solanáceas e em cucurbitáceas. É um patógeno polífago, amplamente distribuído nos solos cultivados do Brasil e de muitos outros países. Ataca a planta a partir do solo infestado e é de difícil controle.

HOSPEDEIRAS

Phytophthora capsici apresenta várias hospedeiras, a maioria nas famílias Solanaceae e Cucurbitaceae. Entre as principais encontram-se o pimentão, as pimentas do gênero Capsicum, o tomateiro e a berinjela. Em hospedeiras cucurbitáceas destacam-se as abóboras, o pepino e a melancia. Muitas invasoras também são atacadas por este patógeno e isto tem importância epidemiológica, pois mantêm e até multiplicam o seu inóculo no solo. Além destas, algumas plantas perenes também são consideradas hospedeiras de P. capsici. Na Tabela 1 estão listadas algumas das principais espécies de plantas hospedeiras de P. capsici, relatadas no Brasil e em outros países.

SINTOMAS

Os sintomas das doenças causadas por P. capsici em suas hospedeiras, dependem do estádio de crescimento da planta e das condições ambientais, em especial a temperatura e a ocorrência de água livre na planta via precipitação pluviométrica ou irrigação. Em pimentas e pimentão, a doença é por vezes denominada de murcha ou canela-preta, especialmente quando os sintomas caracterizam-se por podridão de raiz e colo (canela-preta) e murcha da planta. No campo, geralmente, observam-se sintomas de murchas de plantas em pequenas reboleiras (manchas de plantas murchas ou mortas). Entretanto, em telados pode-se observar grandes manchas de plantas doentes ou até mesmo todas as plantas murchas ou mortas. Esses sintomas ocorrem em condições de pouca oferta de água livre, como em regiões ou épocas secas de cultivo. Sob condições de alta umidade relativa, e principalmente de chuvas fortes e frequentes, podem ocorrer também podridão de fruto e queima foliar, por vezes denominada requeima. Frutos de pimentão e pimentas atacados, sob condições de alta umidade, apresentam um crescimento esbranquiçado sobre as lesões. Este crescimento esbranquiçado constitui-se de estruturas do fungo, tais como micélio, esporangióforos e esporângios. Quando P. capsici ataca plantas nos primeiros estádios de crescimento (mudas), também pode causar tombamento.

Em tomate, P. capsici pode causar problemas em todos os estádios de desenvolvimento da planta, tais como tombamento de plantas, podridão de raiz e colo, murcha e podridão de fruto, especialmente em frutos de tomate rasteiro, onde causa o sintoma de olho-de-cervo. Em plantas adultas de tomate, entretanto, o sintoma mais frequentemente é o subdesenvolvimento e amarelecimento da planta, pois o tomateiro é relativamente mais resistente que o pimentão.

Além do tomate, do pimentão e das pimentas, este oomiceto causa podridões de raiz e de frutos em outras solanáceas como berinjela e jiló. Em várias regiões do Brasil é comum a infecção severa de frutos dessas solanáceas na época chuvosa, afetando até mesmo frutos em pós-colheita.

Em cucurbitáceas, P. capsici causa tombamento de mudas, podridão de colo e de hastes, murcha da planta e podridões de frutos. Estas podridões de frutos podem ocorrer ainda no campo ou em pós-colheita, causando grandes prejuízos a toda a cadeia produtiva destas hortaliças. Normalmente, plantas de abóboras e abobrinhas são mais suscetíveis que as de pepino e melancia. Entretanto, os frutos de todas estas espécies parecem ser igualmente suscetíveis. A doença também é mais severa em épocas chuvosas e quentes.

Sintomas de murcha e canela-preta em planta de pimentão, causados por Phytophthora capsici.
Sintomas de murcha e canela-preta em planta de pimentão, causados por Phytophthora capsici.

O PATÓGENO E CONDIÇÕES FAVORÁVEIS

Phytophthora capsici sobrevive no solo principalmente na forma de oósporos, uma vez que na forma de esporângio ou zoósporos este oomiceto tem vida muito curta neste ambiente. Entretanto, um nível de inóculo residual pode sobreviver em restos de cultura colonizados entre duas safras, levando a severas epidemias no ano subsequente se as condições forem favoráveis. Tanto o grupo A1 como o A2 já foram encontrados na natureza no Brasil em solanáceas e cucurbitáceas, mas raramente tem se localizado os dois grupos em uma mesma lavoura. Este oomiceto pode sobreviver, ainda, em plantas voluntárias ou em algumas espécies de invasoras.

A disseminação no campo se dá via água de irrigação ou da chuva e através de implementos agrícolas. Dentro de uma cultura, o inóculo também pode ser disseminado pelo vento, a partir de lesões esporulantes em frutos, ramos e folhas. Respingos de água (chuva ou irrigação) podem levar partículas de solo contaminadas até os frutos baixeiros de plantas de tomate estaqueado, de berinjela ou de jiló, causando infecção. A longa distância, a disseminação pode ser através de mudas infectadas, não havendo casos comprovados de disseminação do patógeno via semente.  Períodos prolongados de chuva, temperaturas de 22ºC a 20ºC e solos mal drenados são condições favoráveis à doença. O fungo ataca as plantas em qualquer estádio de desenvolvimento e penetra por aberturas naturais ou ferimentos. Cerca de cinco dias a oito dias após, surgem os sintomas. A doença é policíclica, isto é, ocorre mais de um ciclo em uma mesma estação de cultivo, sendo estes mais curtos e frequentes quanto mais favoráveis forem as condições ambientais, principalmente temperatura e umidade.

Telado de pimentão com 100% de plantas murchas, devido ao ataque de Phytophthora capsici.
Telado de pimentão com 100% de plantas murchas, devido ao ataque de Phytophthora capsici.

MANEJO DA DOENÇA

Como ainda existem poucos materiais comerciais resistentes à doença à venda no Brasil, o controle da requeima do pimentão deve ser realizado por uma combinação de medidas que em conjunto tem efeito aditivo para redução dos níveis finais da doença. Além disso, mesmo em genótipos resistentes de Capsicum, a resistência geralmente só se manifesta em plantas adultas, comprometendo o plantio de pimentas e pimentões em áreas infestadas por P. capsici. Finalmente, mesmo com uso de materiais comerciais parcialmente resistentes, níveis elevados de ataque por P. capsici podem ocorrer, se as condições ambientais forem favoráveis.

Em cucurbitáceas como as abóboras, moranga, abobrinha, pepino, melão e melancia existem algumas fontes de resistência com bons níveis de resistência horizontal à podridão de colo e ao tombamento de plantas causados por P. capsici. Entretanto, por ser uma resistência governada por alguns ou muitos genes, a transferência desta característica para cultivares comerciais é difícil de ser realizada pelos melhoristas de plantas. Por isso, as empresas de sementes não têm muito interesse neste tipo de resistência e não há cultivares comerciais de cucurbitáceas resistentes. Para a podridão de frutos em cucurbitáceas inexiste ou há grande escassez de boas fontes de resistência.

Tombamento de muda de tomate, causado por P. capsici.
Tombamento de muda de tomate, causado por P. capsici.
Podridão em fruto de abóbora, causada por P. capsici.
Podridão em fruto de abóbora, causada por P. capsici.

Para controle das doenças causadas por Phytophthora spp. em hortaliças, alguns agricultores têm usado fungicidas, sendo o mais comum deles o mefenoxam. Entretanto, deve-se alternar o uso deste fungicida com outros produtos, que também tenham efeito sobre oomicetos. Em outros países, depois de poucos anos de uso intensivo do mefenoxam, estirpes resistentes foram selecionadas, tornando-o ineficaz. Quando isto ocorre, a eficiência do controle fica comprometida. Entretanto, no Brasil, a frequência de isolados de P. capsici resistentes ao mefenoxam ainda é muito baixa, talvez porque ainda é pouco usado para o controle deste patógeno em solanáceas e cucurbitáceas, por ser caro ou porque o produto comercial é oferecido em mistura de múltiplos princípios ativos. Não existem produtos químicos registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para controle de P. capsici em cucurbitáceas. No caso do pimentão, existem poucos fungicidas registrados, sendo a maioria do grupo dos cúpricos mais o clorotalonil e o mancozeb. Também estão registrados alguns produtos à base de dimetomorfe, propamocarbe e cimoxanil, que são específicos e altamente eficientes contra oomicetos, como P. capsici. Entretanto, estes fungicidas só terão alta eficiência de controle na fase aérea da doença (requeima e podridão de frutos) em pimentão.

Outra medida de manejo das doenças causadas por P. capsici em hortaliças consiste em evitar plantios em solos infestados pelo patógeno ou sujeitos ao encharcamento, notadamente os argilosos e compactados. Também é recomendado evitar o plantio nas épocas quentes e chuvosas do ano e, quando o fizer, os canteiros devem ser mais elevados, para a redução da umidade do solo nas proximidades do colo da planta. Deve-se aumentar o tempo entre os eventos de irrigação (por sulco); utilizar a irrigação por gotejamento, com o emissor de água afastado do colo da planta; empregar mudas sadias e usar palhada como cobertura orgânica do solo; evitar plantios adensados e excesso de adubação nitrogenada. Fazer rotação de culturas, de preferência com gramíneas; evitar plantio em sucessão de solanáceas e cucurbitáceas em uma área. Também é importante controlar insetos brocas, que fazem furos nos frutos e são porta de entrada para o patógeno penetrar e causar podridões.

Ailton Reis, Embrapa Hortaliças

Cultivar Hortaliças e Frutas Janeiro 2020 

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