Manejo do complexo “vira-cabeça” no cultivo de tomate e pimentão

Cuidados com época de cultivo, a área e o entorno dos plantios podem favorecer o manejo da doença

06.08.2020 | 20:59 (UTC -3)
Cultivar Hortaliças e Frutas

A doença “vira-cabeça” é causada por vírus pertencentes ao gênero Tospovirus, família Bunyaviridae. Foi relatada em 1915 na Austrália e atualmente está distribuída mundialmente. A espécie mais conhecida do gênero Tospovirus é o Tomato Spotted Wilt Virus (TSWV), entretanto no Brasil as espécies de maior importância em tomateiro e pimentão são Groundnut Ring Spot Virus (GRSV) e Tomato Chlorotic Spot Virus (TCSV).

Os sintomas iniciais de Tospovírus em tomateiro aparecem no ápice da planta, com um aumento de pigmentos nos tecidos (semelhantes à melanina), apresentando coloração arroxeada, evoluindo para um bronzeamento e necrose apical, podendo levar à morte da planta. O ápice da planta também tende a apresentar desenvolvimento assimétrico (ponteiro virar para um dos lados), daí a denominação de “vira-cabeça do tomateiro”. As folhas e os frutos podem apresentar sintomas em forma de anéis circulares, característicos da doença

Em pimentão, os sintomas são similares aos do tomate, entretanto não ocorre o arroxeamento dos tecidos, podendo apresentar como sintoma principal a ocorrência de clorose (amarelecimento das folhas do ápice) e o ponteiro virar para um dos lados. Nos frutos podem ser observados sintomas de manchas circulares de coloração amarelada, vermelho ou esverdeada, anéis, deformações, estrias e até mesmo rachaduras. Nas folhas pode-se observar a presença de anéis circulares, sintoma caraterístico e comum do vírus na cultura. O superbrotamento é um dos sintomas que podem ocorrer, caso a planta seja infectada precocemente.

Em geral, sintomas de necroses, clorose e anéis são comuns em solanáceas, como em tomateiro, pimentão, pimenta, berinjela, jiló e batata, plantas folhosas como a alface, bem como diversas plantas daninhas. Dessa forma, a observação de sintomas pode, muitas vezes, possibilitar a identificação da doença.

As infecções causadas por Tospovírus geram prejuízos significativos, podendo levar a perdas de 100% em tomateiro e pimentão, dependendo da época em que a planta foi infectada. As perdas são geradas não somente pela redução da produtividade, mas também pela deformação dos frutos, refletindo diretamente na sua qualidade. Para tomateiro e pimentão, sabe-se que plantas infectadas após 60 dias do transplantio das mudas, essas não têm sua produção severamente comprometida, sendo necessário proteger as mudas da infecção viral durante esse período.

As espécies de Tospovírus apresentam uma ampla gama de hospedeiros, com mais de mil espécies de plantas, incluindo plantas ornamentais, plantas das famílias asteráceas, solanáceas e fabáceas, além de diversas plantas daninhas. Essa ampla gama de hospedeiros dificulta o manejo da doença, pois essas plantas servem de fonte de inóculo do vírus e perpetuação da doença no campo.

Os Tospovírus possuem como vetor os tripes (ordem Thysanoptera). Os vírus são transmitidos de maneira persistente circulativa-propagativa, na qual o vírus é adquirido somente nos primeiros estádios ninfais do inseto e transmitido pela fase adulta.Tripes adultos podem adquirir o vírus, porém não são capazes de transmiti-lo. Os tripes possuem tamanhos variando de 1mm a 2mm de comprimento, com coloração amarelo-clara a escuro ou preto (dependendo da espécie do inseto) e aparelho bucal do tipo raspador-sugador.

Os tripes são insetos fitófagos, podendo ser encontrados em todas as partes das plantas. Entretanto, podem ser facilmente localizados nas folhas jovens e, principalmente, em flores, pois necessitam do pólen para complementar sua alimentação. O ciclo de vida dos tripes é do tipo hemimetabólico, composto pelas fases de ovo, ninfa e adultos. Assim, fêmeas adultas colocam ovos sobre as plantas e, após a eclosão, seguem os estádios ninfais que se alimentam das folhas e partes florais. Um dos estádios ninfais ocorre no solo, onde não há a alimentação. Dessa forma, para que um tripes adulto possa ser vetor do vírus, as fêmeas precisam colocar os ovos e o inseto se desenvolver em uma planta infectada.

Atualmente, no Brasil, as espécies de tripes de maior importância em tomateiro e pimentão são Frankliniella schultzei F. occidentalis.Tem-se observado nos últimos anos o aumento da densidade populacional de tripés em diversas culturas. A rápida proliferação do inseto está relacionada a períodos de baixa precipitação pluviométrica, que permite menor ciclo de vida a ele e, consequentemente, maior multiplicação do vetor, gerando um aumento das populações do inseto em campo. Entretanto, em locais de clima ameno, o dano causado por Tospovírus normalmente se restringe a casas de vegetação.

Outra situação preocupante é a utilização de inseticidas sem rotação de moléculas e de forma excessiva, que contribuiu para seleção de populações de tripés resistentes a determinados inseticidas.

Sintoma característico de
Sintoma característico de
Sintoma característico de
Sintoma característico de

Manejo

O manejo de Tospovírus apresenta uma série de dificuldades, visto a diversidade de espécies hospedeiras do complexo do vírus, bem como do inseto vetor. Dessa forma, o Manejo Integrado de Doenças (MID) deve ser implementado com medidas fitossanitárias, culturais, químicas e biológicas, quando apropriadas. 

Assim como qualquer outra espécie de vírus que apresenta insetos vetores como principal forma de transmissão e perpetuação, o manejo de Tospovírus em tomate e pimentão deve estar focado no controle preventivo da doença.

Uma das principais medidas estratégias a serem adotadas é a programação do plantio. Esta medida de controle objetiva o cultivo de tomate e pimentão em épocas com a menor pressão de população de tripes. Desse modo, deve-se evitar meses mais quentes, como dezembro, janeiro e fevereiro, principalmente, pois nesse período as condições ambientais são favoráveis à multiplicação do vetor. Esse é um dos fatores mais importantes, pois nos meses de verão a população do inseto vetor é alta, dificultando o manejo da doença e do inseto. 

Anéis concêntricos em folhas de pimentão.
Anéis concêntricos em folhas de pimentão.

Para o início de novos cultivos a utilização de mudas sadias e livres de vírus é imprescindível. Os viveiros e a cultura devem ser instalados em locais distantes de plantas hospedeiras de vírus e vetores, e cultivos de pimentão instalados distantes de plantios de tomate, pois uma cultura pode servir de fonte de inóculo do vírus para a outra, caso existam plantas doentes.

Além disso, é importante evitar o cultivo sucessivo de plantas hospedeiras do vírus na área produtiva, como plantas ornamentais, as asteraceas, fabaceas e solanáceas, para diminuir a fonte de inóculo do vírus no sistema produtivo.

Como a gama de hospedeiros do vírus e do vetor é alta, incluindo diversas espécies de plantas daninhas, as áreas de produção devem ser mantidas limpas, para evitar que estas plantas sirvam como fonte de inóculo do vírus ou como fonte de tripes. Importante destacar que não apenas a área de cultivo deve ser mantida livre de plantas daninhas, mas também o entorno deve ser manejado de forma adequada. Dentre as plantas daninhas, destaca-se a “beldroega”, pois é uma planta-chave na disseminação do “vira-cabeça”. Essa planta, além de ser hospedeira do vírus e do tripes, sua propagação vegetativa favorece a manutenção da doença no campo.

Sintomas de Tospovírus em beldroega.
Sintomas de Tospovírus em beldroega.

Para medidas de controle do inseto-vetor recomenda-se o monitoramento de tripes através de armadilhas adesivas de coloração amarela ou azulada, associada ao controle químico do inseto. Em geral, aplicações foliares de inseticidas não demonstram supressão da doença na área, especialmente quando o vetor está presente. Entretanto, aplicações de inseticidas diretamente do solo via modo “drench”, após o transplantio das mudas, tem-se demonstrado uma medida promissora para evitar a dispersão do “vira-cabeça”. Dessa forma, o manejo químico do inseto-vetor é uma das práticas mais utilizadas e eficazes no manejo de tripés para o controle da doença. Porém, deve ser utilizada de maneira adequada, com rotação de ingredientes ativos e aplicação iniciada quando a pressão do vetor não seja excessivamente alta.

A utilização de quebra-ventos ou barreiras ao redor da área de cultivo é uma medida de manejo importante, pois tem como objeto evitar a entrada de tripes na área produtiva. Além disso, evita a dispersão do vetor dentro do sistema produtivo. Outras práticas culturais, como adubação equilibrada (evitar excesso de nitrogênio) e irrigação adequada, auxiliam no manejo da doença.

Em geral, a utilização de apenas uma medida de controle não é eficaz para combater a doença. Dessa forma, é recomendado lançar mão de todas as medidas de manejo disponíveis para que se possa manejar o “vira-cabeça” de forma eficiente.

Giovana Carolina Dourado Cruciol, Eduardo Vicentin, Vinicius Henrique Bello, Marcos Roberto Ribeiro-Junior, Felipe Barreto da Silva, Eduardo da Silva Gorayeb, Luís Fernando Maranho Watanabe, José Marcelo Soman, Marcelo Agenor Pavan e Renate Krause-Sakate, FCA/Unesp – Botucatu/SP 

Cultivar Hortaliças e Frutas Julho 2019

A cada nova edição, a Cultivar Hortaliças e Frutas divulga uma série de conteúdos técnicos produzidos por pesquisadores renomados de todo o Brasil, que abordam as principais dificuldades e desafios encontrados no campo pelos produtores rurais. Através de pesquisas focadas no controle das principais pragas e doenças do cultivo de hortaliças e frutas, a Revista auxilia o agricultor na busca por soluções de manejo que incrementem sua rentabilidade. 

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