Manejo integrado de fungos em batata

Cuidados no plantio, emprego de cultivares mais tolerantes, rotação de culturas e tratamento de sementes são medidas para manejo das doenças

27.07.2020 | 20:59 (UTC -3)
Cultivar Hortaliças e Fungos

Vários fungos fitopatogênicos podem afetar a cultura da batata, prejudicando diretamente a germinação, a emergência, o desenvolvimento das plantas, a produtividade e a qualidade da produção. Em geral, são disseminados através de batatas-sementes contaminadas e possuem a capacidade de sobreviver no solo por longos períodos em hospedeiros alternativos ou através de estruturas de resistência. Nesse artigo, são abordados os principais aspectos referentes a alguns desses patógenos, bem como as medidas de controle mais recomendadas.

Crosta negra

A crosta negra ou rizoctoniose é uma doença de ocorrência generalizada na cultura da batata, sendo comum em áreas úmidas e intensamente cultivadas. Estima-se que a rizoctoniose possa causar perdas no rendimento de tubérculos comerciais de até 30%.

Rhizoctonia solani (teleomorfo Thanatephorus cucumeris [A. B. Frank] Donk) possui micélio vigoroso, com coloração marrom a ocre, hifas septadas e ramificações laterais em ângulo reto.  A sua disseminação ocorre através de batata-semente infectada, máquinas, ferramentas e implementos contaminados com solo infestado e pelo escorrimento de água de superfície durante a ocorrência de chuvas e irrigação.

A crosta negra na cultura da batata é causada principalmente pelos grupos de anastomose AG-3 e AG-4. O grupo AG-3 causa podridões radiculares em batata, tomate e berinjela (subgrupo AG-3 PT) e manchas foliares em fumo (subgrupo AG-3 TB). O grupo AG-4 é menos específico, podendo causar podridão de sementes, tombamento de pré e de pós-emergência e, em algumas situações, podridão de raízes em culturas como soja, feijão, amendoim, tomate, melão, melancia, espinafre, pimentão e brócolis.

A doença é caracterizada por causar lesões castanho-avermelhadas (deprimidas) em brotos subterrâneos, hastes jovens e estolões, germinação lenta, redução de estande no campo, baixo vigor e crescimento desigual das plantas, amarelecimento e crescimento limitado das plantas, enrolamento de folhas, emissão de tubérculos aéreos, formação de tubérculos pequenos, deformados, enrugados e associados à presença de escleródios. O termo crosta negra refere-se aos escleródios ou corpos de repouso do fungo que se formam e permanecem aderidos à superfície do tubérculo. Esses são estruturas individuais, firmes, que possuem coloração marrom-escuro a negra, apresentam tamanhos variáveis e formatos irregulares (1mm a 5mm de espessura e 1mm a 10m de comprimento) e são formados pelo enovelamento do micélio do fungo. A doença é favorecida por solos argilosos, neutros a ácidos (pH=7 ou menor), frios, úmidos, mal drenados, matéria orgânica mal decomposta, plantios profundos e temperaturas entre 5ºC e 25ºC (ótima 18ºC e 22ºC).

O fungo pode sobreviver no solo por longos períodos, mantendo-se na forma de escleródio ou micélio, colonizando restos de cultura.

Sarna prateada

A sarna prateada é uma doença cada vez mais importante na cultura da batata. Afeta especialmente os tubérculos, não ocorrendo em outros órgãos aéreos ou subterrâneos. Essa raramente interfere na produtividade, porém afeta de forma significativa o aspecto visual e o valor comercial de tubérculos lavados. Muitas vezes, a doença é considerada um problema de armazenamento, no entanto, a infecção costuma ocorrer no campo antes da colheita.

O ascomiceto Helmintosporium solani possui micélio septado, ramificado e escuro. Os conidióforos são simples, longos e septados. Os conídios são castanho-escuros, redondos na base e afilados para o final. Variam de 15µm a 64µm de comprimento e de 4µm a 8µm de largura.

A doença afeta os tubérculos tanto no campo como no armazenamento, provocando o aparecimento de manchas claras superficiais que, ao evoluírem, apresentam um aspecto circular, escuro e indefinido. A colonização por H. solani é geralmente limitada a células da periderme e córtex. A morte celular nessas camadas causa a perda de água das células medulares, o que acaba causando enrugamento superficial, redução do peso e da consistência dos tubérculos. A casca apresenta-se alterada, com aspecto seco, áspero e brilho prateado, principalmente quando úmida ou molhada. No armazenamento em câmaras frias, a doença causa a desidratação de tubérculos e pode estar associada a patógenos dos gêneros FusariumPectobacterium e Dikeya.

A sarna prateada é transmitida principalmente por batatas-sementes infectadas, sendo comum sua presença em material importado. A doença é favorecida por temperaturas acima de 5°C e umidade elevada (90%). Após a germinação dos conídios, o fungo penetra nos tubérculos pelas lenticelas ou pela epiderme, antes da colheita, e continua seu desenvolvimento durante o armazenamento. A doença pode ser intensificada pelo atraso na colheita. 

Sarna pulverulenta

A sarna pulverulenta afeta diretamente os tubérculos, reduzindo o seu valor comercial ou inviabilizando-os para o mercado. A doença já foi observada em várias regiões produtoras brasileiras, sendo sempre associada ao plantio de batata-semente infectada.

Spongospora subterranea f. sp. subterrânea é um parasita obrigado que pertence ao filo Protozoa, classe Plasmodiophoromycetes, ordem Plasmodiophorales. Apresenta cistossoros ovoides, irregulares, com 19µm a 85µm de diâmetro. Os esporos são poliédricos com 3,5µm a 4,5µm de diâmetro, com paredes lisas, finas e amareladas. Os zoósporos responsáveis pelo processo de infecção são ovoides, biflagelados e possuem a capacidade de se movimentarem em água livre. Os cistossoros atuam como estruturas de resistência que permitem ao patógeno sobreviver no solo por períodos de três anos a dez anos e são facilmente disseminados por tubérculos infectados, escorrimento de água de superfície (chuvas e irrigação) e solo aderido a ferramentas, implementos, botas etc.

Os sintomas iniciais da doença manifestam-se através de pequenas manchas de cor clara na superfície do tubérculo. Em seguida, se convertem em pústulas abertas, escuras, arredondadas e com bordas irregulares compostas por fragmentos da epiderme. Os centros das lesões são deprimidos, apresentando tecidos irregulares e esponjosos. Nas raízes, formam-se galhas (0,5cm a 1,5cm) escuras e enrugadas, que reduzem o vigor das plantas. As lesões causadas pela doença favorecem a entrada de outros agentes causadores de podridões como Fusarium spp., Pectobacterium spp. e Dickeya spp. que podem dificultar o diagnóstico.

A sarna pulverulenta é favorecida por solos frios e úmidos, temperaturas na faixa de 11ºC a 18ºC e pH do solo entre 4,7 e 7,6. A cultura da batata é mais suscetível à doença no período de três a quatro semanas após o início da tuberização.

Entre os hospedeiros de S. subterranea destacam-se o tomate, o pimentão, o nabo, a canola, Solanum spp., a maria pretinha (Solanum americanum) e a figueira do inferno (Datura stramonium).

Murcha de fusarium e podridão seca

A murcha de fusarium é uma das doenças mais comuns na cultura da batata. Pode causar falhas na germinação, morte de plantas, perda de vigor, queda significativa de produtividade e qualidade de tubérculos. A podridão seca durante o armazenamento e pode causar a depreciação e o descarte significativo de tubérculos. A doença tem poder de causar perdas de 25% no campo e de 60% durante o armazenamento.

Várias espécies do gênero Fusarium podem estar relacionadas à cultura da batata, causando prejuízos no campo e durante o armazenamento. A doença pode estar associada às espécies Fusarium solani (Mart.) Sacc., Fusarium avenaceum (Fr. : Fr.) Sacc., Fusarium solani f. sp. eumartii (C.W. Carp.) W.C. Snyder & H.N. Hansen e Fusarium oxysporum  f. sp. tuberosi Snyder et Hansen. O gênero Fusarium possui micélio vigoroso, que varia do branco ao roxo, apresenta hifas septadas e produz macro e microconídios curvos, fusiformes, septados ou não. Mostra, ainda, estruturas de resistência denominadas clamidósporos, que podem perpetuar o patógeno no solo por longos períodos.

A murcha de fusarium é caracterizada pela murcha progressiva das plantas, o escurecimento externo das hastes e a descoloração dos tecidos vasculares de hastes e tubérculos. Clorose, bronzeamento das folhas, formação de tubérculos aéreos e escurecimento das gemas (olhos negros) também são sintomas típicos da doença.

  A podridão seca de tubérculos é observada durante o armazenamento, e está associada principalmente às espécies F. solani e F. alvenaceum.  Os sintomas da doença são expressos por lesões e pelo apodrecimento generalizado dos tubérculos, escurecimento dos tecidos internos e presença de bolor branco-rosado sobre as lesões.  A doença afeta diretamente a aparência dos tubérculos e reduz o rendimento devido ao descarte de tubérculos doentes. De maneira geral, a infecção ocorre através de ferimentos na colheita e os sintomas se tornam evidentes durante o armazenamento.

A doença é favorecida por temperaturas ao redor de 25°C, umidade relativa em torno de 60%-75% e solos ácidos.

Murcha de verticillium

No Brasil, a murcha de verticillium é uma doença esporádica na cultura da batata, relatada principalmente nos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul. A doença pode causar redução significativa na produtividade e no tamanho dos tubérculos.

O ascomiceto Verticillium dahliae apresenta micélio hialino septado e ramificado, conídios simples unicelulares ovais e hialinos. Trata-se de um fungo polífago, que pode parasitar mais de 400 hospedeiros, incluindo espécies herbáceas anuais (hortaliças, ornamentais, cereais etc) e perenes (frutíferas, florestais etc). Pode sobreviver por longos períodos no solo associado à matéria orgânica ou através de estruturas de resistência denominadas microescleródios. 

A doença causa amarelecimento e seca de folhas e folíolos, murcha progressiva, escurecimento dos vasos condutores, necroses em hastes e morte de plantas. Tubérculos afetados podem apresentar descoloração vascular castanha semelhante às hastes. 

V. dahliae infecta a planta através das raízes e coloniza o sistema vascular, resultando em menor absorção de água e nutrientes. Como consequência, ocorre o amarelecimento prematuro da folhagem, a murcha progressiva e a morte de prematura de plantas. A doença é mais severa em plantas mal nutridas e em situações de estresse favorecida por constantes mudanças climáticas e falta de água. O agente causal pode sobreviver no solo associado à matéria orgânica, na forma de microescleródios e no interior de tubérculos.

A doença é favorecida por temperaturas que variam de 21ºC a 28°C e alta umidade do solo. Essa pode ocorrer isolada ou em complexo com outras doenças como canela preta, murcha de fusarium e nematoides. 

Mofo branco

O mofo branco ocorre em áreas intensamente cultivadas e sujeitas à alta umidade e a temperaturas amenas. A doença encontra as condições favoráveis para o seu desenvolvimento nas safras de inverno, sendo frequente a sua ocorrência em áreas de pivô central infestadas. 

O ascomiceto Sclerotinia sclerotiorum apresenta micélio vigoroso de coloração branca e produz estruturas de resistência denominadas escleródios. Esses são grandes (20mm-10mm de diâmetro), lisos, com formatos que variam do arredondado ao irregular. Os escleródios, além de germinarem diretamente no solo, possuem a capacidade de produzir apotécios em condições específicas. Os apotécios são corpos de frutificação que produzem ascósporos, que são ejetados e, em seguida, dispersos pelo vento ou água. Esses, em contato com a planta, germinam e dão início à infecção.

Os sintomas da doença se caracterizam por lesões úmidas, recobertas de micélio branco e escleródios negros que afetam folhas e hastes. Nas hastes, as lesões tendem a anelar, causando seu murchamento e morte. A doença provoca também a destruição da medula interna do caule, que se torna parda e repleta de escleródios no seu interior.

S. sclerotiorum tem um amplo espectro de plantas hospedeiras, sendo relatada em mais de 350 espécies.

Olho pardo

O olho pardo caracteriza-se por afetar apenas os tubérculos, reduzindo diretamente o seu valor comercial.

O fungo Cylindrocladium clavatum possui conídios cilíndricos, hialinos e unisseptados, com 37,6-47,9 x 3,4-5,6µm de diâmetro. Além da batata, o fungo é relatado nas culturas de pimentão, pimenta, mandioca, eucalipto, soja e outras.

As lesões são irregulares, levemente depressivas e de coloração parda a negra. O centro das lesões pode ser mais claro e estar recoberto por conídios e conidióforos do fungo. A doença é observada com maior frequência em solos de cerrado, principalmente em áreas anteriormente cultivadas com soja, amendoim e ervilha, que também são hospedeiras do patógeno.

O gênero Cylindrocladium agrupa parasitas facultativos que, devido à capacidade de produzir microescleródios, tanto em meio de cultura artificial, como no solo e sobre os hospedeiros, sobrevivem às mais adversas condições ambientais. As estruturas infectivas germinam e penetram diretamente pelas lenticelas presentes na superfície dos tubérculos, não sendo necessária a existência de ferimentos.

O olho pardo é favorecido por temperaturas ao redor de 25°C e alta umidade. O processo infeccioso ocorre no campo, porém os sintomas, na maioria das vezes, são observados somente na pós-colheita.

Necroses nas raízes provocadas por Rhizoctonia solani.
Necroses nas raízes provocadas por Rhizoctonia solani.

Medidas integradas para controle de fungos do solo

• Evitar o plantio em área com histórico recente de doenças de solo.

• Não realizar cultivo em solos argilosos (pesados) ou excessivamente úmidos.

• Plantar sementes sadias.

• Plantio de cultivares com algum nível de resistência.

Cultivares tolerantes à crosta negra: Vivaldi, Bailla, Chipie, Colorado, Gredine, Opaline, Soleia, Markies, Voyager, Sinora, Novella e Innovator.

Cultivares tolerantes à murcha de fusarium; Asterix e Markies  

• Preparo correto do solo. Eliminar possíveis “pés de grade”, com o objetivo de favorecer a aeração do solo e permitir que não haja acúmulo de umidade nas camadas superficiais do solo.

• Realizar o plantio de batata-semente, entre 5cm e 7cm, para favorecer a rápida germinação e emergência das plantas.

• Rotação de culturas.

• Realizar a adubação com base na análise de solo. Elevados níveis de nitrogênio podem aumentar a suscetibilidade a várias doenças. A adição de fontes de enxofre e zinco no solo pode reduzir a severidade da sarna pulverulenta, enquanto que níveis adequados de cálcio, fósforo e silício tendem a diminuir a incidência da murcha de fusarium.

• Plantio e incorporação de adubos verdes. O aumento da microflora competidora pode reduzir de forma significativa as populações de fungos fitopatogênicos no solo.

• Realizar o tratamento de sementes e/ou a aplicação de fungicidas no sulco de plantio e na amontoa. No Brasil, existem produtos registrados para o controle de crosta negra, murcha de fusarium, mofo branco e sarna pulverulenta.

• Eliminar da área restos de cultura, plantas voluntárias e hospedeiros alternativos.

• Controle biológico. Formulações de Trichoderma harzianum aplicadas no sulco de plantio ou na batata-semente podem reduzir a severidade da crosta negra, da murcha de fusarium e do mofo branco. Pesquisas com formulações de Bacillus subtilis também têm sido consideradas eficazes para o controle da crosta negra.

• Evitar ferimentos às hastes durante a operação de amontoa e nos tubérculos por ocasião de colheita e armazenamento.

• Lavar e desinfestar caixas, equipamentos de lavagem e classificação.

• Impedir o tráfego de implementos e de pessoas provenientes de áreas infestadas. Lavar e desinfestar ferramentas, implementos e botas utilizados em áreas infestadas.

• Promover condições adequadas de temperatura, umidade, circulação de ar e higiene durante o armazenamento de batata-semente e tubérculos.

Aspecto da crosta negra em tubérculos de batata.
Aspecto da crosta negra em tubérculos de batata.

Ricardo J. Domingues, Jesus G. Töfoli, Josiane T. Ferrari, Instituto Biológico Secr. da Agric.e Abast. do Estado de SP

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