Medidas de controle do greening

Como racionalizar controle do psilídeo Diaphorina citri com uso de Tamarixia radiata associado a tecnologias

15.06.2020 | 20:59 (UTC -3)
Cultivar Hortaliças e Frutas

O Brasil é o maior produtor mundial de citros, suplantando países como os EUA, que possuem regiões extremamente tradicionais na produção de sucos de laranja, como o estado da Flórida, cujo símbolo é uma laranja.

Apesar desta liderança, a citricultura brasileira passou por diversas ameaças fitossanitárias desde muito tempo. Na década de 1940, o setor foi quase dizimado pela “Tristeza”, doença causada por um vírus, transmitido pelo pulgão-preto, cujo problema foi resolvido com a utilização do porta-enxerto resistente (limão-cravo).

Nos últimos 40 anos, a cadeia citrícola brasileira vem enfrentando problemas seríssimos como a leprose-dos-citros, a clorose variegada dos citros (CVC) ou amarelinho, o bicho-furão, o minador-dos-citros (este relacionado ao cancro cítrico), a moscas-das-frutas, cochonilhas e outras espécies de ácaros. Até a recentemente introduzida Helicoverpa armigera (Lepidoptera: Noctuidae) vem prejudicando a citricultura brasileira.

Apesar de todos esses problemas, sem sombra de dúvida a maior ameaça é o Huanglongbing ou HLB (também conhecido como Greening), doença que foi detectada em 2004 no país e é transmitida pelo psilídeo Diaphorina citri (Hemiptera: Liviidae), cujo patossistema apresenta características que dificultam seu manejo.

Entretanto, graças à organização dos citricultores, existem órgãos como o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), que têm orçamento baseado na exportação de frutos, que cuidam, entre outros aspectos, da parte fitossanitária e têm resolvido a maioria dos problemas com projetos de pesquisa financiados e realizados em colaboração com universidades e institutos de pesquisa, além de trabalhos na própria instituição, muito bem organizados e com pessoal de alto nível técnico para pesquisa.

Ocorre até um paradoxo na citricultura brasileira, especialmente nos últimos anos, nos quais houve um aumento maciço na aplicação de produtos químicos para controle fitossanitário e, mesmo assim, os principais casos relatados, como o bicho-furão, o minador dos citros e mais recentemente Diaphorina citri vêm sendo controlados com alternativas ao controle químico, baseando-se em pesquisas realizadas pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (USP/Esalq) e apoiadas pelo Fundecitrus e instituições parceiras.

Apesar de todo o esforço, o HLB é ainda um desafio. A doença é atribuída a um grupo de bactérias transmitidas quase que exclusivamente pelo psilídeo, mas que podem ainda se disseminar por meio de enxertia e mudas contaminadas. Embora o vetor já ocorra no Brasil desde 1943, se tornou importante a partir de 2004, quando foi confirmada a presença das bactérias. Até então o psilídeo era responsável apenas por danos diretos como encarquilhamento de brotações, secamento de folhas e ramos, apenas quando em grandes populações.

No começo dos anos 2000 a doença se alastrava pelo mundo, embora tivesse sido relatada pela primeira vez ainda no século 19, na China, onde recebeu o nome de Huanglongbing (HLB) que significa dragão amarelo. Posteriormente, foram referidos outros nomes com destaque a Greening, nome também atribuído por muito tempo.

Embora desde o seu aparecimento a doença tenha exigido a erradicação de mais de 50 milhões de plantas cítricas no Brasil, ela tem sido controlada de forma satisfatória no País, que vem inclusive aumentando sua produção nos últimos anos. O mesmo não ocorreu nos EUA, onde a Flórida praticamente teve seu parque citrícola exterminado pela doença. E isto se deveu à forma inadequada de controle adotada, pois nos EUA, embora tenham sido realizados investimentos de milhões de dólares, houve uma concentração de esforços em estratégias de nutrição de plantas atacadas (“coquetéis nutritivos”), procurando mantê-las em campo por mais tempo. Esse tipo de abordagem é muito falha, pois embora a planta apresente um melhor aspecto e até se mantenha produzindo após a aplicação dos produtos, entretanto, continua sendo fonte das bactérias que vão sendo disseminadas pelo pomar até que todas as plantas estejam infectadas.

Por outro lado, no Brasil, os esforços, com gastos bem menores que os americanos, foram direcionados ao Manejo Integrado da Doença com ações externas e internas nos pomares convencionais. Assim, atualmente o Fundecitrus preconiza ações chamadas de “Os dez mandamentos”, focadas na parte interna dos pomares: uso de mudas sadias; aplicação de inseticidas para controle do psilídeo vetor; erradicação de plantas atacadas; utilização de armadilhas amarelas para detectar a chegada de D. citri na cultura, dentre outras medidas, sempre considerando o manejo em termos regionais.

Essas ações se complementam ainda com o manejo externo (cujas práticas  são focadas fora do pomar), pois constatou-se que embora a população do psilídeo nos pomares comerciais seja pequena (devido a muitas aplicações de agroquímicos), ainda há disseminação da doença, pois os focos primários da praga acorrem nas bordaduras dos pomares, em locais como áreas de murta (Murraya paniculata) ou outras espécies hospedeiras do psilídeo, pomares orgânicos ou abandonados ou plantas cítricas de fundo de quintal. O psilídeo apresenta uma grande capacidade de migração que pode alcançar mais de 2km, sem considerar a ajuda do vento (caso haja sua presença na direção dos pomares convencionais), a dispersão da praga pode ser muito maior. Assim, D. citri se multiplica e se desenvolve naqueles locais (focos primários), onde normalmente não é tomada nenhuma medida de controle, e posteriormente migra para os pomares comerciais.

Estes locais têm recebido grande atenção dentro da abordagem do manejo externo, sendo realizadas ações educativas para conscientizar a população sobre a necessidade de erradicar os pomares abandonados, evitar o plantio de murta em locais próximos de plantios de citros e substituição de plantas cítricas de fundo de quintal por outras frutíferas que não sejam hospedeiras do psilídeo. Outros trabalhos em desenvolvimento vêm investigando se alguma planta nativa, presente em áreas de mata ou reservas florestais, poderia ser hospedeira de Diaphorina citri, porém os resultados não indicam até agora que haja alguma planta nestes locais que permite o desenvolvimento completo do inseto.

Essa estratégia que envolve a tomada de ações fora da área do cultivo comercial permitiu a adoção de uma nova abordagem de utilização do Controle Biológico dentro do Manejo Integrado de Pragas, com o objetivo de antecipar e evitar que a praga entre no pomar.

Assim, essas áreas, consideradas focos primários, correspondem a aproximadamente 12 mil hectares no estado de São Paulo. Nestes locais, além das ações já citadas, uma estratégia que vem sendo realizada com sucesso é a liberação do parasitoide Tamarixia radiata, uma vespinha originária da Ásia. Este inimigo natural foi escolhido pois existem relatos de caso de sucesso com sua utilização em outros locais do mundo (Diniz et al, 2019). Em 2004, logo que se detectou a doença, foi iniciado um projeto para importar o parasitoide para o Brasil. No entanto, antes da conclusão do processo, a espécie foi encontrada nas regiões de Piracicaba e Jaboticabal.

Embora existam outros inimigos naturais do psilídeo (como joaninhas, por exemplo) Tamarixia é considerada a mais efetiva por alguns motivos, como ser específica, adaptada às condições brasileiras e apresentar alta capacidade de controle (cada fêmea da vespinha pode matar até 500 ninfas da praga). Outra característica favorável é que além de atacar as ninfas grandes da praga, T. radiata pode se alimentar dos ovos e ninfas pequenas de D. citri.

Após a constatação da presença da vespinha, foi iniciada uma série de pesquisas para viabilizar seu uso, como as melhores condições de temperatura e umidade para o desenvolvimento, melhor fase da praga a ser oferecida e testes em casas de vegetação e campo. Após se verificar a efetividade de Tamarixia nas diferentes regiões do estado de São Paulo, foi iniciada uma criação em larga escala do inimigo natural no Departamento de Entomologia e Acarologia da Esalq/USP, a partir de metodologia desenvolvida na mesma Instituição (Parra et al, 2016). Essa criação passou a produzir parasitoides que foram distribuídos para os produtores e serviu de modelo para outras unidades de produção. Atualmente existem nove biofábricas distribuídas em São Paulo, Paraná e Bahia produzindo o parasitoide para liberação nas áreas de foco primário da praga e para fins de pesquisa.

Outras estratégias para alcançar maior eficiência no controle da praga vêm sendo buscadas continuamente. Assim, diversos estudos sobre o comportamento e biologia da praga e do inimigo natural foram realizados. Sabe-se que o psilídeo necessita de brotações da planta hospedeira para colocar os ovos, assim a ocorrência da praga depende destes fluxos vegetativos e consequentemente o parasitoide depende da presença da praga. Em função disto, foram realizados estudos inter e multidisciplinares incluindo pesquisas sobre exigências térmicas e higrométricas da praga e do inimigo natural, bem como a época em que ocorrem as brotações das plantas cítricas, para que fossem definidos os períodos em que a praga e o inimigo natural coexistam (Figura 1).

Figura 1 - Dados de exigências térmicas e condições de umidade relativa ideais para o desenvolvimento do psilídeo (Diaphorina citri) e seu parasitoide (Tamarixia radiata).
Figura 1 - Dados de exigências térmicas e condições de umidade relativa ideais para o desenvolvimento do psilídeo (Diaphorina citri) e seu parasitoide (Tamarixia radiata).

Após estudos (técnicas de criação do psilídeo, dinâmica populacional da praga e do inimigo natural, estudos de seletividade, hospedeiros alternativos do psilídeo, dispersão e densidade de liberação do parasitoide), foram utilizados modelos matemáticos relacionados com dados climáticos e fenológicos de citros de diferentes regiões do estado. A partir disto, foram definidos os meses do ano que são favoráveis (verde) e não favoráveis (vermelho) ao sucesso do controle biológico da praga. Os mapas (Figura 2) são exemplos que orientam o agricultor quando liberar para que haja sucesso aliado às demais nove estratégias do MIP que correspondem aos dez mandamentos preconizados pelo Fundecitrus.

Figura 2 - Mapas do estado de São Paulo, gerados a partir do índice Fuzzy, indicando as regiões mais (tons de verde) e menos (tons de vermelho) adequadas para o controle biológico de D. citri com liberações do parasitoide T. radiata (Adaptado de Garcia et al, 2019).
Figura 2 - Mapas do estado de São Paulo, gerados a partir do índice Fuzzy, indicando as regiões mais (tons de verde) e menos (tons de vermelho) adequadas para o controle biológico de D. citri com liberações do parasitoide T. radiata (Adaptado de Garcia et al, 2019).

Com estes mapas é possível saber os meses do ano em que o agricultor deve liberar T. radiata (na base de 3.200 parasitoides/ha e em 56 pontos de liberação) para o controle do psilídeo, sempre nas áreas externas dos pomares (áreas abandonadas, áreas de murta, áreas orgânicas e áreas de fundo de quintal).

Está em desenvolvimento um aplicativo de celular em que o agricultor poderá inserir dados do próprio pomar (relativos à presença ou à ausência de brotações) e o sistema irá captar os dados climáticos do local (temperatura e umidade relativa) e assim gerar informações ainda mais precisas. Espera-se que tal sistema esteja em breve nas mãos do produtor. Embora todo sistema tenha sido desenvolvido para manejo do psilídeo, pode ser perfeitamente adaptado para manejo de outras pragas em outras culturas. 

José Roberto Postali Parra, Alexandre José Ferreira Diniz, Adriano Garcia Gomes e Gustavo Rodrigues Alves, USP/Esalq

Cultivar Hortaliças e Frutas fevereiro/março 2020 

A cada nova edição, a Cultivar Hortaliças e Frutas divulga uma série de conteúdos técnicos produzidos por pesquisadores renomados de todo o Brasil, que abordam as principais dificuldades e desafios encontrados no campo pelos produtores rurais. Através de pesquisas focadas no controle das principais pragas e doenças do cultivo de hortaliças e frutas, a Revista auxilia o agricultor na busca por soluções de manejo que incrementem sua rentabilidade. Na edição de abril/maio você confere também: 

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