Medidas de controle da cigarrinha-do-milho

Manejo deve ser pensado de modo a focar tanto no inseto como nos enfezamentos causados pela praga

12.01.2021 | 20:59 (UTC -3)
Cultivar Grandes Culturas

A cigarrinha-do-milho, Dalbulus maidis, é atualmente uma praga-chave do milho no Brasil, especialmente em plantios escalonados ou em segunda safra. A sua importância é maior devido ao fato de ser vetor de agentes causadores de enfermidades denominadas “enfezamentos” cuja consequência pode ser uma redução drástica na produtividade de grãos.

Os adultos, de coloração amarelo-palha, podem apresentar variações entre mais claros ou mais escuros, especialmente em função do clima. Possuem entre olhos compostos por duas manchas circulares negras. Os machos podem ser facilmente separados das fêmeas por possuir o abdome amarelo e tórax e cabeça opacos; ao contrário, nas fêmeas a coloração é homogênea em todo o corpo. Apresentam dois pares de asas transparentes com distribuição longitudinal ao longo do comprimento, ultrapassando o abdome, antenas setáceas e aparelho bucal do tipo sugador labial com três segmentos. A espécie pode ser separada facilmente de outras pela característica da família Cicadellidae de possuir quatro fileiras de espinhos nas tíbias das pernas posteriores.

As fêmeas colocam ovos diminutos, que medem individualmente cerca de um milímetro de comprimento. Já o tamanho das ninfas varia com o instar, entre 0,9mm e 2,8mm de comprimento. A fêmea adulta mede, em média, 3,2mm, sendo maior que o macho de 2,8mm. 

Os ovos da cigarrinha são depositados de maneira endofítica na nervura central da folha
Os ovos da cigarrinha são depositados de maneira endofítica na nervura central da folha

Ciclo de vida do inseto

Como praticamente todos os insetos, o ciclo de vida da cigarrinha é afetado pela temperatura, tornando-se mais alongado em temperaturas mais frias.  Embora com muitos resultados de pesquisa, a maioria deles foi obtida em laboratório, com temperaturas fixas, completamente diferentes das condições reais. Logicamente com a fonte de alimento disponível e adequada, o aumento de temperatura pode reduzir o ciclo de vida e consequentemente aumentar o número de gerações anuais.

Os ovos da cigarrinha, alongados e curvados na extremidade, são depositados de maneira endofítica na nervura central da folha, sendo difícil de ser observado pelo agricultor ou até mesmo por pessoas que não tenham conhecimento mais profundo sobre a praga. Em condições climáticas favoráveis os ovos dão origem às formas jovens, denominadas ninfas, em média dez dias após serem depositados na planta. Como os insetos adultos, as ninfas são sugadoras de seiva retirada do floema. As ninfas se desenvolvem em um período médio de 15 dias e passam por cinco diferentes estágios, denominados instares. Portanto, o ciclo médio de ovo a adulto é inferior a 30 dias no verão, podendo ter várias gerações durante o ano, especialmente onde não há variações extremas de temperatura. A longevidade gira em torno de 45 dias.

Importância econômica

A importância da cigarrinha-do-milho pode ser considerada de duas maneiras. A primeira, pelo dano direto causado pela alimentação. Dependendo da densidade populacional do inseto, há redução de matéria seca e matéria verde, com consequente redução no potencial produtivo da planta. A segunda maneira, e até mais importante, é a capacidade e a eficiência da praga em transmitir patógenos para a planta, cuja infecção pode causar perdas severas em produtividade em cultivares suscetíveis.

Migração

Em geral, permanece na planta de milho, o único hospedeiro no Brasil, durante todo o ciclo de desenvolvimento da planta; começa a migrar após a maturação das plantas em busca de outros plantios com plantas em início de desenvolvimento vegetativo. Por ser um inseto ágil e bom voador, os adultos podem se deslocar por quilômetros de distância do ponto de partida.

Proliferação de espigas em planta de milho com sintomas de enfezamento
Proliferação de espigas em planta de milho com sintomas de enfezamento

Habitat

Geralmente habita o cartucho das plantas, em número variável, dependendo da época. Porém, qualquer perturbação no ambiente faz com que o adulto imediatamente se afaste do local, muitas vezes sem que o agricultor perceba.

Patógenos transmitidos pela cigarrinha

Duas são as doenças transmitidas pela cigarrinha, ambas encontradas no floema da planta, denominadas popularmente como enfezamento vermelho e enfezamento pálido.

 Os maiores danos ocasionados por estes patógenos são verificados quando a transmissão ocorre no início de desenvolvimento da planta.

Uma planta infectada pode exibir vários sintomas. Plantas com folhas com coloração amarelada ou avermelhada, plantas com espigas deformadas ou com proliferação de espigas em um mesmo ponto, perfilhamento, encurtamento de internódios acima da espiga, grãos pequenos e frouxos, quebra de colmos, morte precoce da planta.

A planta infectada reduz a produtividade de grãos de acordo com o grau de resistência da cultivar utilizada, com a idade da planta ao ser infestada e até mesmo com as condições adversas para o seu desenvolvimento.

Análise de risco

Os insetos adultos chegam em uma lavoura de milho no estágio em que as plantas estão no seu início de desenvolvimento. A origem da praga pode ser de plantas de milho tiguera existentes nas proximidades ou de áreas distantes cultivadas com o milho. Ao chegarem à nova planta hospedeira e sem a ocorrência de fatores adversos que possam eliminá-los, os insetos iniciam um novo ciclo, alimentando-se da planta através da sucção de seiva. Paralelamente, as fêmeas começam a colocar seus ovos nas folhas. Destes ovos eclodem as formas jovens, denominadas de ninfas, aumentando o número de insetos sugando as plantas. Dados disponíveis na literatura mostram que a fecundidade de uma fêmea pode superar 611 ovos durante sua vida, que gira em torno de 45 dias, colocando uma média de 14 ovos por dia. Portanto, considerando uma proporção de 60% de fêmeas em uma determinada localidade, uma única fêmea pode gerar mais de 360 novas fêmeas.

Deve ser considerado que a simples presença do inseto na área de produção não significa necessariamente que a planta será infectada. Para que isto ocorra, o inseto deve estar previamente contaminado com os agentes causadores da doença por um determinado período. Ou seja, a transmissão da doença para uma planta sadia só vai ocorrer se a cigarrinha tiver se alimentado de uma planta doente por um período mínimo entre uma hora e duas horas, tempo necessário para aquisição e após um período latente exigido pelos patógenos, que varia entre 17 dias e 28 dias, dependendo da espécie envolvida. A partir deste ponto, ao se alimentar da planta sadia por um período médio entre 30 minutos e 60 minutos, ocorre a inoculação. A cigarrinha infectada retém vetor em seu organismo em um período médio entre 29 dias e 42 dias, período em que continua a transmitir os patógenos causadores dos enfezamentos. Embora ocorra maior taxa de transmissão pelas fêmeas, os machos também podem transmitir os patógenos.

Considerando que as infecções preferenciais são em plantas jovens, e que em função deste fato ocorrem as maiores perdas em produtividade, ao contrário do que se dá com as infecções em plantas mais desenvolvidas, para o milho produzido em apenas uma safra é fundamental manejar adequadamente as populações da cigarrinha logo no início de sua incidência na planta.   

Por outro lado, em áreas onde ocorre a segunda safra de milho ou plantios escalonados para exploração de milho para venda in natura ou para a agroindústria o manejo da cigarrinha infectada em qualquer estágio de desenvolvimento da planta deve ser considerado.

A tomada de decisão correta sobre uma medida de controle da praga não é uma tarefa fácil. A agilidade dos insetos adultos que abandonam momentaneamente a planta ao menor distúrbio e a ausência de sintoma precoce de danos dificultam ao agricultor a percepção do problema. Consequentemente, ele não utiliza as medidas necessárias para evitar os prejuízos iminentes que serão observados durante o período reprodutivo do milho. Muitas vezes é difícil imaginar que a infecção ocorreu no início do desenvolvimento da planta.

 Outro ponto que deve ser considerado é o histórico do cultivo do milho. Antes da introdução do milho Bt, o controle da lagarta-do-cartucho Spodoptera frugiperda, que também ocorre em plantas de milho em estágios iniciais de desenvolvimento, era realizado mediante o uso de produtos químicos, aplicados via tratamento de sementes ou em pulverização. Tais aplicações também contribuíram para o controle da cigarrinha.

Porém, com a introdução do milho geneticamente modificado, por exemplo, milho Bt para o controle de insetos-pragas, houve em um primeiro momento a redução significativa no uso de inseticidas para o controle da S. frugiperda. O conjunto de fatores como as ausências de produtos químicos, de injúria da cigarrinha e da própria lagarta-do-cartucho, considerada uma praga dominadora a ponto de repelir outras espécies como a cigarrinha, que tem como habitat preferencial o mesmo habitat da lagarta, favoreceu o inseto sugador em milho.  

Vale também ressaltar a contribuição de plantas de milho RR que não são facilmente eliminadas por dessecação em áreas destinadas ao plantio da soja. Como ocorrem especialmente na segunda safra, se desenvolvem naturalmente na área tornando-se fonte de alimento adequado da cigarrinha, o que aumenta o risco para os plantios de milho. As doenças só se perpetuarão no novo habitat através da presença de insetos adultos infectados.

Adulto e ninfa da cigarrinha-do-milho Dalbulus maidis
Adulto e ninfa da cigarrinha-do-milho Dalbulus maidis

Controle

Apesar de ser uma medida preventiva, o tratamento de sementes com inseticidas sistêmicos é uma alternativa a ser considerada para o controle da cigarrinha e até mesmo com ação sobre outras pragas iniciais, incluindo algumas espécies de mastigadores, especialmente em áreas de produção com histórico de ocorrência dos enfezamentos. Informações detalhadas sobre produtos e modo de usar são encontradas em http://agrofit.agricultura.gov.br/agrofit_cons/principal_agrofit_cons.

Monitoramento

O monitoramento da cigarrinha pode ser realizado através de coletas de insetos no cartucho da planta ou por meio da utilização de cartões com cola e de coloração amarela. A vantagem dos cartões está na possibilidade de serem instalados na área antes mesmo da semeadura do milho, propiciando a detecção da chegada do inseto, possibilitando a tomada de decisão sobre o manejo correto da praga. Obviamente, a manutenção dos cartões ao longo do ciclo do milho vai fornecer ao produtor e à região o conhecimento da flutuação da praga e a possibilidade de calcular o risco que a praga pode oferecer ao agronegócio local.

Estudos avaliando métodos de amostragem indicaram maior número de fêmeas de cigarrinha no cartucho da planta e maior número de machos nos cartões. A fêmea tende a permanecer se alimentando e ovipositando no cartucho da planta, enquanto os machos se movimentam mais em busca da fêmea para copular. Porém, o uso dos cartões pegajosos com certeza é também uma ferramenta muito importante para o monitoramento da praga, sendo utilizado a 0,50m de altura.

Opção de manejo

Por se tratar de insetos vetores e pela severidade da doença transmitida, o manejo de cigarrinha é complexo e, portanto, o agricultor deve considerar as estratégias para o controle do inseto e da doença. Entre as várias cultivares de milho no mercado brasileiro existem diferenças no grau de tolerância à doença, sendo tais cultivares preferidas em áreas com histórico da doença. É interessante também, na medida do possível, o plantio mais cedo e a eliminação de plantas voluntárias.

O uso de inseticidas sistêmicos é também uma alternativa, especialmente através do tratamento das sementes.

Plano coletivo para o manejo do complexo cigarrinha x enfezamentos

Para evitar a redução em produtividade do milho considerando a complexidade do manejo da cigarrinha x enfezamento é interessante utilizar ações coletivas envolvendo o segmento agrícola da produção de milho em base regional, conforme o Box.

Box - Como organizar um plano coletivo de manejo regional

• Reunião preparatória, explanação do plano e seleção dos participantes.

• Formação de grupo de WhatsApp para veicular todas as informações pertinentes e rápidas sobre as atividades agrícolas para todos os participantes, com o coordenador sendo responsável pelas respostas e ou ações a serem tomadas.

• Capacitar os técnicos de cooperativa, extensionistas e agricultores, podendo envolver estudantes de Agronomia, com possibilidade de desenvolvimento de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).

• Delinear uma área (ou região), georreferenciar e produzir mapas das propriedades participantes.

• Levantar dados climáticos, especialmente temperatura, precipitação e ventos (direção).

• Distribuir dez armadilhas colantes amarelas (8cm x 8cm) por hectare na área, antes do plantio, a 0,5m do solo.

• Área de plantio com tratamento da semente com inseticida sistêmico.

• Anotar a data de todas as atividades, a partir da distribuição das armadilhas.

• Avaliar a presença de cigarrinhas nas armadilhas e projetar avanço populacional.

• Avaliar a presença de cigarrinha nas plantas.

• Pulverizar as áreas próximas de onde o inseto foi detectado, usando prioritariamente insumos biológicos.

• Avaliar paisagem agrícola nas proximidades da área de plantio.

• Determinar a incidência de plantas doentes.

• Avaliar produtividade.

Ivan Cruz e Ana Luisa Gangana de Castro, Embrapa Milho e Sorgo

Cultivar Grandes Culturas Dezembro/Janeiro 2021

A cada nova edição, a Cultivar Grandes Culturas divulga uma série de conteúdos técnicos produzidos por pesquisadores renomados de todo o Brasil, que abordam as principais dificuldades e desafios encontrados no campo pelos produtores rurais. Através de pesquisas focadas no controle das principais pragas e doenças do cultivo de grandes culturas, a Revista auxilia o agricultor na busca por soluções de manejo que incrementem sua rentabilidade. 

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