Medidas de manejo contra ferrugem em alho

Cuidados com adubação, umidade do solo, escolha adequada de cultivares e controle químico estão entre medidas possíveis de manejo da doença

23.12.2020 | 20:59 (UTC -3)
Cultivar Hortaliças e Frutas

Entre as diversas doenças que incidem sobre a cultura do alho se encontra a ferrugem, causada por Puccinia porri (Sowerby) G. Winter (sin. Puccinia allii). Conhecida desde 1809, é uma das principais doenças da cultura, comumente encontrada em todas as regiões produtoras. Sua maior intensidade ocorre no Sul e Sudeste do Brasil. A doença promove a destruição da parte aérea da cultura, o que consequentemente leva à redução da produtividade.

O fungo é biotrófico e pertence ao filo Basidiomycota, classe Puccioniomycetes e ordem Pucciniales. É autoico, de ciclo completo, mas raramente encontrado na forma espermogonial (ou pícnio) e écio (ou aécio), não relatados no Brasil. Os urediniósporos (ou uredósporos) (Figura 1) produzidos nos uredínios (ou urédia; uredossoro) possuem coloração amarelada, arredondados, com superfície irregular, medindo de 23µm a 32µm x 20µm a 26µm e posteriormente a formação de teliósporos de coloração castanha-escura medindo de 28µm a 45µm x 20µm a 26µm produzidos em télios (ou télia; teleutossoro) (Becker, 2004).

Figura 1 - Uredósporos de Puccinia porri
Figura 1 - Uredósporos de Puccinia porri

A doença é favorecida em plantas estressadas por falta ou excesso de umidade no solo. Também por adubações desequilibradas e por excesso de nitrogênio e matéria orgânica, ou ainda por cultivos em solo compactado e de baixada, que favoreça o acúmulo de água (Massola Jr, 2011).

Sintomas

 Os sintomas são pústulas amarelas devido à produção de uredosporos. Sob condições favoráveis ao desenvolvimento da doença, as pústulas podem ocupar a lâmina foliar, fazendo com que a folha seque (Figura 2). Em um estágio mais avançado da doença, a formação de uredosporos é menor e a produção de teliósporos ocorre, o que confere às pústulas uma cor marrom-escura ou preta (Figura 3). Folhas com alto índice de severidade podem se tornar amareladas e morrer (Figura 4), causando depauperamento das plantas (Figura 5), com formação de bulbos de tamanho reduzido (Becker, 2004; Massola Jr, 2011; Pavan et al., 2017).

Figura 2 – Sintoma de ferrugem na fase de urédia em folha de alho
Figura 2 – Sintoma de ferrugem na fase de urédia em folha de alho

Figura 3 - Sintoma de ferrugem na fase de télia em folha de alho
Figura 3 - Sintoma de ferrugem na fase de télia em folha de alho

Epidemiologia

Temperaturas entre 10°C e 24ºC e períodos prolongados de molhamento foliar favorecem o desenvolvimento da doença, que encontra condições ideais entre 16ºC e 21°C e acima de quatro horas de molhamento foliar. Temperaturas abaixo de 10ºC e acima de 24ºC desfavorecem o desenvolvimento da doença. A doença tem maior intensidade quando é menor o índice pluviométrico (Massola Jr, et al., 2011; Napier, 2012; Pavan et al., 2017). O vento é o principal disseminador dos esporos, enquanto a chuva contribui para fazer a deposição dos esporos suspensos no ar (Becker, 2004).

Em experimento conduzido no Instituto Federal Catarinense (IFC), Campus Rio do Sul, não foi constatada ferrugem na cebola cultivar Bola Precoce – Empasc 352 plantada ao lado de alho com sintomas de ferrugem. O mesmo foi observado quando realizada inoculação artificial com o fungo. Porém a ferrugem na cebola é relatada no Sudeste, onde possivelmente as condições climáticas e/ou cultivares sejam diferentes durante a época de cultivo da cebola em relação ao Sul do Brasil. Além disso, não há estudos no País sobre a existência de alguma raça fisiológica específica entre as culturas.

A doença tem maior prevalência após a diferenciação do bulbilho, o que leva a pressupor que a translocação de fotoassimilados da folha para o bulbo diminui a resistência da planta. Também a diminuição da cerosidade da folha pode favorecer o aumento da infecção do patógeno.

Figura 4 - Folha morta pela doença
Figura 4 - Folha morta pela doença

Figura 5 - Depauperamento das plantas de alho em diferentes estágios pela doença
Figura 5 - Depauperamento das plantas de alho em diferentes estágios pela doença

O fungo pode sobreviver em plantas “guaxas” que normalmente são encontradas em lavouras, pelos bulbilhos e/ou bulbos que não foram colhidos ou nos arredores dos galpões de armazenamento. Cebolinha verde é um hospedeiro perene e mesmo não apresentando os sintomas, pode manter a viabilidade do fungo, já que o mesmo é biotrófico. Trabalho realizado no IFC/Campus Rio do Sul constatou que uredósporos coletados de cebolinha verde provocaram sintomas em alho, mas não em cebola. A doença também é constatada no alho-porró.

Em relação à epidemiologia, um trabalho foi realizado pelo aluno José Carlos Kusma, do curso de Agronomia do IFC/Campus Rio do Sul, em condições in vitro para avaliar a influência da temperatura e do fotoperíodo na germinação de uredósporos de P. porri. Uredósporos foram removidos das folhas de alho com auxílio de um pincel (n° 8) e lavagem com água esterilizada.  A suspensão de 100µl de suspensão de uredósporos contendo a concentração de 1x105 uredósporos/ml foi espalhada com uma alça de Drigalski em placas de Petri contendo meio Agar-Água 1%. Em seguida, as placas foram incubadas em câmaras de germinação do tipo Demanda Biológica de Oxigênio (D.B.O.) a temperaturas de 3°C, 10°C, 15°C, 20°C, 25°C e 30°C (±1°C) no escuro. Em um segundo momento repetiu-se o experimento incubando os uredósporos de P. porri em D.B.O. a 16°C (temperatura ideal de germinação obtida com a equação polinomial (Figura 6A) com os fotoperíodos de zero, seis, 12, 18 e 24 horas luz. Para ambos os experimentos foi avaliada a porcentagem de germinação após 24 horas de incubação. A germinação foi quantificada sob microscópio óptico com a objetiva de quatro vezes, visualizando-se 100 uredósporos aleatórios na placa. Foi considerado germinado o que tivesse o tubo germinativo maior que o tamanho do esporo.

Com base nos resultados obtidos, constatou-se a que temperatura exerce grande influência sobre a germinação dos uredósporos de P. porri. Observa-se que a maior porcentagem de germinação ocorreu a 15ºC com 22%, enquanto que a 10°C, 20°C e 25ºC se mantiveram estáveis, sem grandes diferenças (Figura 6A), variando entre 9,75%, 12,5% e 11,75%, respectivamente. A germinação dos uredósporos de P. porri é bruscamente reduzida em temperaturas extremas, onde a 3ºC e a 30°C a porcentagem de germinação foi de apenas 0,5% e 0%, respectivamente. Quando a temperatura passou de 25°C para 30ºC, teve-se uma redução de 96% da germinação. Por meio da equação gerada pela curva (y = -0,094x² + 3,156x – 9,191; R² = 0,846) (Figura 6A), a temperatura ótima para a germinação de uredósporos de P. porri foi de 17°C.

Figura 6 - Relação entre a germinação de uredósporos de Puccinia porri sob diferentes temperaturas (A) e diferentes fotoperíodos (B). IFC/Campus Rio do Sul, 2020
Figura 6 - Relação entre a germinação de uredósporos de Puccinia porri sob diferentes temperaturas (A) e diferentes fotoperíodos (B). IFC/Campus Rio do Sul, 2020

Em relação à germinação de uredósporos em diferentes fotoperíodos observou-se uma resposta polinomial de 2º (Figura 6B). Através da equação y = -0,041x2 + 1,075x + 17,65 (R² = 0,169), verificou-se que o fotoperíodo mais favorável ao desenvolvimento é com 13 horas de luz. Portanto, é possível que P. porri tenha sua germinação favorecida por maiores períodos de luz, assim dias da primavera que aumentam as horas de luminosidade, como o que ocorre no Sul do Brasil durante o ciclo da cultura, favorecem a germinação dos uredósporos e a ocorrência da doença. Conclui-se que a germinação dos uredósporos foi obtida em temperaturas de 10°C a 25°C, sendo a temperatura ótima de 17°C e 13 horas de luz.

Manejo da doença

As práticas de manejo são fundamentais para reduzir os danos causados pela doença. O pH deve ser o recomendado para a cultura, pois propicia um melhor desenvolvimento da planta. Aplicações anuais de calcário elevam o pH, podendo beneficiar o desbalanço de micronutrientes, favorecendo a sua infecção.

Recomenda-se evitar excesso de adubação nitrogenada e seguir o indicado pela análise de solo. Pois o nitrogênio em excesso deixa os tecidos mais suculentos, favorecendo a penetração e multiplicação.

É salutar controlar a umidade do solo através da drenagem da área e/ou elevação dos canteiros, a fim de evitar umidade e aumentar o período de molhamento foliar à planta.

A irrigação deve ser feita conforme a necessidade da cultura, evitando o acúmulo de água na lavoura. Prevenir o adensamento de plantas, pois isso facilita a disseminação e também o aumento da umidade no interior das plantas.

Evitar o uso de implementos agrícolas, bem como o trânsito de máquinas agrícolas e pessoas que tenham passado em áreas contaminadas, com intuito de diminuir a disseminação de uredósporos. Eliminar toda planta de alho “guaxo” que permanece vegetando na lavoura e nos arredores de galpões de armazenamento.

Fazer uso de cultivares como Caiano Roxo, Gigante de Lavínia e Centenário, pois são mais resistentes à doença (Massola Jr, et al., 2011). Azevedo (1997) constatou que as cultivares Contestado e Quitéria apresentaram menor número de pústulas por folha, bem como menor número de uredósporos produzidos, enquanto Caçapava, Caçador e Cará registraram maiores. As cultivares Dourados e Peruano foram intermediárias.

Em relação ao controle alternativo, Becker & Marcuzzo (2007) verificaram a redução de 20% na severidade da doença pela aplicação semanal de solução de própolis a 10%. No entanto, quando adicionou espalhante adesivo, ele causou fitotoxidez na cultura.

O uso de indutores de resistência foi avaliado por Lunardelli (2003), que verificou ter o acibenzolar-S-methyl resultado semelhante ao uso convencional  de Mancozeb, 250g/100L. No entanto, a dose de 6g.pc/100L causou fitotoxidez às plantas. O mesmo autor verificou que o uso de bioflavonoide + ácido ascórbico em 300ml p.c/100L proporcionou redução de 30% a 68% na severidade da ferrugem. O uso de cálcio + ácido ascórbico e potássio 20 (N3%+K2O). O uso de potássio 20 proporcionou 20% de incremento na parte aérea. Ecolife e potássio 20 proporcionaram, respectivamente, 11% e 10,5% de incremento no peso de bulbo.

Na página Agrofit do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) há 43 fungicidas registrados para controle da doença, sendo destes 17 à base de mancozeb e outros 13 à base de tebuconazole. Becker (2004) constatou quase 90% de controle em relação à testemunha com o uso de mancozeb e que sua eficiência também foi constatada por Garcia et al. (1994), mas estes verificaram que o defensivo não diferiu do propiconazole e triadimenol. No entanto, o oxicloreto de cobre, nesse trabalho, apresentou baixa eficiência. Na Etiópia o propiconazole apresentou maior efetividade de controle em relação ao mancozeb (Mengesha et al., 2016).

Dalla Pria et al. (2008) verificaram que a mistura de trifloxystrobin e tebuconazole de 75g/ha e 150g/ha nas formulações SC e WG foi adequada ao controle da doença pela similaridade com o tebuconazole e por não causar danos visíveis na cultura. O uso do tebuconazol e a azoxistrobina forneceram boa proteção contra a ferrugem quando pulverizados em intervalos de dez dias na Califórnia-EUA (Koike et al., 2001).

As medidas citadas têm por objetivo promover o manejo da doença e diminuir os danos causados na cultura. 

Leandro Luiz Marcuzzo, Instituto Federal Catarinense, Campus Rio do Sul

Cultivar Hortaliças e Frutas Dezembro/Janeiro 2021

A cada nova edição, a Cultivar Hortaliças e Frutas divulga uma série de conteúdos técnicos produzidos por pesquisadores renomados de todo o Brasil, que abordam as principais dificuldades e desafios encontrados no campo pelos produtores rurais. Através de pesquisas focadas no controle das principais pragas e doenças do cultivo de hortaliças e frutas, a Revista auxilia o agricultor na busca por soluções de manejo que incrementem sua rentabilidade. 

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