Monitoramento e medidas de controle da nuvem de gafanhotos

Nuvem de gafanhotos na fronteira da Argentina com o Sul do Brasil coloca autoridades em alerta, com adoção de medidas emergenciais e de monitoramento

30.07.2020 | 20:59 (UTC -3)
Revista Cultivar

Uma densa nuvem de gafanhotos Schistocerca cancellata em movimento na vizinha Argentina colocou em alerta as autoridades brasileiras em junho. Foi a primeira vez nos últimos 70 anos que a praga esteve tão próxima da fronteira com o Sul do País. A ocorrência levou o governo do Brasil a decretar situação de emergência fitossanitária nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Com capacidade de se movimentar até 150 quilômetros por dia, cada metro quadrado ocupado pela nuvem de gafanhotos representa milhares de insetos vorazes, com apetite para devorar vegetais em volume equivalente a 35 mil pessoas ou até dois mil bovinos.

O entomologista Milton Souza Guerra, falecido em 2015, já alertava sobre o risco de gafanhotos no início de 2000. Dizia que a próxima onda viria do Oeste, pois a região do Chaco reunia muitas condições para a proliferação e que lá havia uma população importante desse inseto só aguardando por algumas circunstâncias que desencadeariam o nível de praga.

Não é a primeira vez que o inseto surge na Argentina. Dados do Serviço Nacional de Saúde e Qualidade Agroalimentar (Senasa), que mantém um programa de controle da praga, dão conta de que gafanhotos registram danos no país desde 1538, quando devastaram plantações de mandioca na província de Buenos Aires.

Durante a primeira metade do século 20, o gafanhoto migratório (Schistocerca cancellata Serville) foi o mais prejudicial na Argentina, responsável por perdas econômicas em lavouras e campos naturais, em grandes regiões.

Isso levou a Argentina a adotar diferentes estratégias de controle ao longo dos anos (Box). Surtos mais recentes foram registrados também em 2010, 2015 e 2017.

Distribuição migratória do gafanhoto Schistocerca cancellata
Distribuição migratória do gafanhoto Schistocerca cancellata

O surto em 2020

Em 17 de junho de 2020 a nuvem de gafanhotos entrou no território da província de Santa Fé, na Argentina, após ter sido relatada dias antes nas províncias de Chaco e Formosa, no Paraguai.  A área de distribuição do inseto inclui Paraguai, Bolívia e Brasil, além da Argentina (no Centro e Noroeste) em províncias como Córdoba, Santiago del Estero, Catamarca e La Rioja.

Desde então, o Serviço Nacional de Saúde e Qualidade Agroalimentar (Senasa) tem realizado diversas ações de monitoramento e pulverizações e anunciou ter conseguido diminuir a população de gafanhotos. Nos primeiros dias de julho, parte da nuvem remanescente permanecia no departamento de Curuzú Cuatiá, província de Corrientes, distante aproximadamente 140 quilômetros de Uruguaiana, no Rio Grande do Sul.

Dependente de condições climáticas e ambientais para dispersão a grandes distâncias, o forte frio registrado na região favoreceu a permanência dos insetos em solo argentino.

Desde a detecção do último surto na Argentina, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e secretarias estaduais do Sul do Brasil adotaram medidas emergenciais e monitoram a situação na fronteira, em contato e cooperação com autoridades sanitárias do país vizinho.

O Mapa elaborou um manual técnico de orientações sobre as ações de controle do gafanhoto sul-americano. A publicação, adaptada às condições do Brasil, é respaldada por dados científicos, com capacitação dos agentes envolvidos em um eventual surto da praga no País.

O material tem como referências o Serviço Nacional de Saúde e Qualidade Agroalimentar (Senasa) e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Informa como realizar o monitoramento, as fases da praga, identificação, tratamento preventivo e orientações gerais sobre o uso de agroquímicos.

Espécie presente no atual surto na Argentina é do gafanhoto sul-americano Schistocerca cancellata
Espécie presente no atual surto na Argentina é do gafanhoto sul-americano Schistocerca cancellata

PRINCIPAIS ORIENTAÇÕES DO MANUAL TÉCNICO DO MAPA

É uma das poucas espécies de Schistocerca que, verdadeiramente, formam densas “nuvens” migratórias. As asas são rendadas e a coloração geral envolve diversos tons de marrom.

As grandes tendências migratórias deste Orthoptera deixam margem para dúvidas sobre o seu estado real de distribuição. Registros apontam que Schistocerca cancellata é adaptado às regiões áridas e semiáridas da Bolívia e do Paraguai. Quando da existência de condições climáticas favoráveis ocorre a procriação bem-sucedida, seguida da formação de nuvens que podem migrar para regiões de cultivo.

MONITORAMENTO E CONTROLE

O monitoramento deve ser realizado em locais onde foram registrados gafanhotos com ovos.  Observe se existem buracos no chão e confirme a presença de ovos (atenção: às vezes há indícios de que houve a postura, contudo, os ovos podem não ter sido depositados). Um gafanhoto adulto pode fazer a postura mais de uma vez, entre 80 ovos e 120 ovos por postura, aproximadamente.

O controle no instar do ovo é geralmente complexo. Na maioria dos casos os locais de postura devem ser identificados para monitoramento e detecção precoce dos nascimentos e posterior pulverização com inseticidas registrados no Mapa. Somente em situações pontuais o solo pode ser revirado mecanicamente para exposição dos ovos, causando perda de viabilidade.

Inseto forma densas nuvens e ataca com voracidade as vegetações
Inseto forma densas nuvens e ataca com voracidade as vegetações

NINFAS

Gafanhotos em estágio juvenil, isto é, de ninfas, não têm capacidade de voo, portanto, o monitoramento é no nível do solo. Locais de postura devem ser monitorados periodicamente para verificar nascimentos.

As plantas daninhas ou as culturas danificadas costumam servir para orientar o monitoramento. O controle de estágios juvenis pode ser realizado por terra, podendo complementar as ações por via aérea em determinadas situações que permitem a efetividade do controle ("locais abertos").

A presença de organismos não alvo deve ser considerada na escolha do método mais apropriado. Os nascimentos ocorrem de maneira escalonada, o que deve ser levado em consideração no momento do controle, e o uso de inseticidas pode ser eficaz em determinadas situações.

Em estágio de ninfas os gafanhotos permanecem ao nível do solo
Em estágio de ninfas os gafanhotos permanecem ao nível do solo

COMPARAÇÃO DAS NINFAS

Pesquisadores criaram as ninfas dos gafanhotos em laboratório, em condições de isolamento e em grupos. Diferenças resultantes na coloração podem ser vistas claramente.

Nos primeiros estágios os indivíduos são mais sensíveis, é quando ficam mais densamente agrupados e há mortalidade natural. Em geral, o controle nessa fase é mais eficaz, com uma porcentagem significativa de mortalidade. O controle fitossanitário realizado por meio de pulverizadores costais, de barra e/ou atomizadores é eficaz para este trabalho.

Comparação das ninfas de Shistocerca cancellata
Comparação das ninfas de Shistocerca cancellata

TRATAMENTO PREVENTIVO EM FAIXAS

Devido à mobilidade de praga é possível realizar aplicações com inseticidas em faixas, pois assim se reduzirá consideravelmente a superfície a ser tratada, diminuindo o impacto ambiental e financeiro, além da otimização do tempo. À medida que as ninfas avançam em grupos, encontrarão as faixas tratadas, evitando assim a aplicação em cobertura total. Embora o movimento dos gafanhotos possa ser irregular, deverá ser realizado tratamento de forma perpendicular ao avanço da praga.

Tratamento preventivo em faixas
Tratamento preventivo em faixas

Cada faixa deve ter aproximadamente 30 metros, se a aplicação for realizada a favor do vento, ou 50 metros se for contra o vento. A distância entre as faixas depende do movimento da praga:

Caso a praga já esteja instalada em uma lavoura, deverá ser feita a utilização de ingredientes ativos com poder de ação mais rápido, para obtenção de um controle eficaz, podendo ser feita a combinação de ingredientes ativos.

Monitoramento deve ser realizado onde foram registrados gafanhotos com ovos
Monitoramento deve ser realizado onde foram registrados gafanhotos com ovos

ADULTOS

Os adultos podem ser tratados por via aérea ou por terra com o uso de atomizadores do tipo canhão. É recomendada a aplicação com a nuvem de gafanhotos espacialmente localizada.

O controle aéreo exige o monitoramento das “nuvens” de gafanhotos durante o dia, até o local em que aterrissam à tarde/noite. Nesse momento, a superfície onde a praga está localizada deve ser estimada e marcado polígono para que a aplicação possa ser realizada no dia seguinte, na primeira hora do dia. Assim sendo, há diminuição da superfície a ser tratada, menor impacto ambiental, menor custo de aplicação e menor risco para o aplicador.

A aplicação precoce evita o movimento da praga devido às temperaturas. É necessário ter uma ótima coordenação de trabalho e ter os suprimentos necessários, pois o tempo de decisão é muito curto, assim como a janela de aplicação.

Ovos de gafanhotos viáveis (esquerda) e inviáveis por desidratação (direita)
Ovos de gafanhotos viáveis (esquerda) e inviáveis por desidratação (direita)

Histórico de estratégias de controle na Argentina

Lutas defensivas (1897 a 1940): nesta fase não havia procedimentos conhecidos de "luta" com resultados positivos para controlar a praga e evitar seus danos socioeconômicos. O uso de barreiras físicas para impedir a propagação da praga nos estágios ninfais era muito comum.

Lutas ofensivas (1944 a 1954): caracterizou-se pela incorporação parcial de produtos sintéticos, mas a alta densidade e a grande dispersão da praga superaram as possibilidades de controle. Nesse período, gafanhotos afetaram gravemente grande parte do país.

Lutas preventivas (desde 1954): atualmente são realizados tratamentos preventivos para controlar a densidade da praga. A metodologia concentra-se na detecção e controle de focos incipientes dos estágios juvenis da praga. A estratégia se concentra em prospecção, monitoramento e controle contínuos de surtos enquadrados em uma visão holística.

Sobre a praga

Nome científico: Schistocerca cancellata Serville

Outros nomes científicos:

Acridium cancellatum;

Schistocerca americana paranensis;

Schistocerca paranensis (Burmeister).

Nomes comuns internacionais:

Espanhol: esperanza; langosta voladora;

Código EPPO: SHICCH (Schistocerca cancellata).

Árvore Taxonômica:

Domínio: Eukaryota

Reino: Metazoa

Filo: Arthropoda

Subfilo: Uniramia

Classe: Insecta

Ordem: Orthoptera

Família: Acrididae

Gênero: Schistocerca

Espécie: Schistocerca cancellata

Recomendações gerais - O controle químico

• Usar agroquímicos indicados pelo Mapa em ato específico.

• Não deve ser aplicado em horas de altas temperaturas, pois nessas condições ocorrem correntes de ar que afastam o inseticida da superfície a ser tratada e a evaporação é maior. Os instares da praga devem ser levados em consideração para realizar um bom controle e considerar uma margem de tempo entre uma aplicação e outra.

• A mortalidade pós-tratamento precisa ser verificada para avaliar sua eficácia.

• No caso de pulverização com inseticidas, deve-se ler com atenção o rótulo do produto fitossanitário adquirido na íntegra, a fim de respeitar as precauções e recomendações para seu uso.

• Em caso de pulverização com inseticidas, use equipamentos proteção individual (EPI).

• A aplicação do produto fitossanitário e a disposição final dos restos do produto e das embalagens vazias devem ser realizadas em conformidade com a legislação federal e estadual em vigor.

A íntegra do Manual de Procedimentos Gerais para o Controle da Praga Schistocerca cancellata está disponível em aqui.

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