O que justifica a alta produtividade de arroz no Sul do Brasil?

Contrariando a expectativa inicial, Rio Grande do Sul reduz área e amplia produção. Clima, tecnologias e a própria conjuntura econômica explicam o fenômeno

13.05.2020 | 20:59 (UTC -3)
Emerson Alves

Em meio a uma pandemia mundial e com o mundo inteiro buscando ampliar e resguardar estoques de grãos, a notícia de que o Rio Grande do Sul vai colher cerca de 10% a mais de arroz do que o previsto no início da safra 2019/20 é excelente e o consolida como centro de fornecimento do grão também para outros países. Mais de 70% da produção nacional é gerada pelas lavouras gaúchas. A notícia é ainda melhor porque os preços ao produtor estão valorizados pela primeira vez em 10 anos, superando em muito os custos de produção.

A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) divulgou hoje o oitavo levantamento da safra de verão, e precisou ajustar seus números para cima, graças às grandes produtividades obtidas no sul do país. Apesar da área ter caído 2,8% (47,1 mil hectares) para 1,65 milhões/ha, a produtividade média cresceu 6,8%, ou 420,1 quilos por hectare, e alcançará 6.574 no país. Com esse bom desempenho das lavouras, o governo federal está confirmando uma evolução de 3,9% no volume de safra (403,3 mil toneladas) e uma evolução de 10.445,1 t para 10.848,4 milhões de toneladas. A previsão é de que Santa Catarina tenha um avanço de 5,3% na sua colheita, para 1,149 milhão de toneladas (5,3%), graças a 5,7% de avanço da produtividade, para 7.977 quilos por hectare. Mas, o Rio Grande do Sul representará 70,6% da produção nacional, com 7,66 milhões de toneladas, avançando 3,6%, graças a uma produtividade 10,4% maior, que deve chegar a 8.146 kg/ha, apesar da redução de 6,1% na área para 940 mil hectares.

O analista da AgroDados Inteligência em Mercados de Arroz, Cleiton Evandro dos Santos, chama a atenção para o fato de a Conab não ter alterado a estimativa de consumo, mesmo com a antecipação das compras pela população movidas por estocagem e demanda em domicílio, e também não alterou a projeção de importação e exportação, ambos mantidos em 1,1 milhão de toneladas, apesar da forte desvalorização do real, que vem restringindo as compras e favorecendo as vendas internacionais. “Fatalmente teremos novos ajustes neste quadro e os estoques, seguindo a base da Conab, devem ser mais apertados no final do ano comercial, em 28 de fevereiro”, avalia.

Hoje, a Conab informa um estoque de passagem de 792,1 mil toneladas, o maior em seis anos, mas a informação é incoerente com o cenário. Também há quase seis mil hectares de diferença entre a área estimada pela Conab e aquela apontada pelo Irga no RS, o que pode representar que a produtividade no extremo sul foi ainda maior.

Como explicar a alta produtividade?

As respostas estão no comportamento do clima após dezembro, na tecnologia altamente responsiva à qualidade e à produtividade do arroz irrigado e à própria conjuntura econômica de altos custos e baixa rentabilidade da cultura ao longo dos últimos 10 anos. Pelo menos um quarto da área foi semeada sobre resteva de soja e manejo entre safras.

Clima

Para o pesquisador Silvio Steinmetz, da Embrapa Clima Temperado, o clima teve grande participação nos resultados. “Exceto pelo excesso de chuva do mês de outubro, as condições meteorológicas durante a safra 2019/20 foram muito favoráveis ao desenvolvimento da cultura, especialmente pelos altos índices de radiação solar, comparados com a média histórica. Esses altos índices devem ter sido os principais responsáveis pelos altos desvios de produtividade entre o Clima e a Safra. Isso porque, em geral, há uma relação linear entre a produtividade de grãos e a radiação solar, principalmente nas fases reprodutiva e de enchimento de grãos”, explica.

Segundo ele, as lavouras com a cultivar IRGA 424 RI que foram implantadas no cedo, até 30 de outubro foram as mais beneficiadas pelas condições meteorológicas favoráveis. Como mais de 95% da lavoura de arroz é plantada mediante planejamento da disponibilidade de água para a irrigação, baixo foi o impacto da seca. Com irrigação garantia e alta radiação solar desde novembro, o arroz respondeu muito bem.

Altos rendimentos

O engenheiro agrônomo Rodrigo Schoenfeld, ex-gerente da Divisão de Pesquisa do Irga, atualmente consultor em lavouras no Brasil, no Paraguai e no Uruguai, considera que a colheita 2019/20 é histórica pelas circunstâncias em que ocorre. “A semeadura começou bem, cedo, teve a interrupção e até perdas em outubro, foi retomada em novembro, teve uma condição excepcional de radiação solar, frio no Carnaval, e depois novamente um clima muito favorável à produção de grãos”, resume.

Para Schoenfeld, a redução de área em todo o Mercosul ajudou a produtividade na medida em que foram priorizadas as zonas mais férteis e de melhor rendimento, passíveis de integração, nas quais a tecnologia responde melhor. “O atraso de semeadura e até o frio do Carnaval, num ano atípico, não trouxeram prejuízos tão evidentes quanto poderiam causar pois o nível tecnológico das lavouras e o clima compensaram”, explica. Schoenfeld enfatiza que o manejo adequado e a tecnologia intrínseca das cultivares também foram diferenciais. “A Fronteira Oeste com média superior a 9 mil quilos por hectare indica mais de 11 mil quilos em muitas propriedades”, assegura. Segundo ele, em parte das lavouras em que dá assistência técnica houve produtividades acima de 220 sacas por hectare de arroz seco e limpo.

“Além das variedades do Irga, Embrapa e Inta alcançando altas médias, encontramos os híbridos com rendimentos de 205 a 226 sacos por hectare, casos do Titan e do Inov, da RiceTec, por exemplo. É importante frisar que para muitas lavouras, no Uruguai, produzir 200 sacas é empatar com os custos, na melhor das hipóteses”, frisa.

Híbridos

O papel das cultivares híbridas de arroz se consolidou ainda mais nesta safra. A RiceTec Sementes confirma uma demanda cada vez maior por variedades híbridas no Uruguai. Marlon Scursone, engenheiro agrônomo e coordenador de negócios no Brasil da RiceTec Sementes, explica que o encerramento da colheita ratificam no campo a importância da semeadura na época adequada, pois este foi um dos fatores de elevação das médias produtivas. Segundo ele, um dos pontos positivos que pode ser elencado é o desempenho dos materiais com a Tecnologia FullPage, que confirmaram no campo tolerância aos herbicidas IMI e proporcionaram explorar melhor o potencial genético dos híbridos, com destaque para o Inov Fullpage e Xp113 Fullpage que se comportaram muito bem. Por serem materiais com ciclo mais curto, seguiram entregando bons resultados até o final da colheita. “Isso confirma a plataforma híbrida como uma excelente ferramenta para o produtor”, assegura.

Cyrano Busato, coordenador de Desenvolvimento de Produto da RiceTec, enfatiza a ação dos híbridos diante do desafio de alta produtividade que é posto ao produtor em função da necessidade de gerar renda. Para ele, se a proposta dos híbridos já é apresentar uma produtividade superior à média das cultivares, com o manejo adequado, clima favorável à expressão do máximo potencial produtivo e a evolução tecnológica em termos de resistência a doenças, herbicidas e qualidade de grãos, estabelece uma diferença ainda maior, como os resultados divulgados pelos produtores no Brasil e nos países vizinhos.

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