Principais novidades no manejo integrado de percevejos em soja

Inseticidas químicos com modo de ação diferenciado, cultivares tolerantes e primeiro bioproduto contra ovos da praga alargam opções ao produtor

11.12.2020 | 20:59 (UTC -3)
Cultivar Grandes Culturas

Os percevejos são as principais pragas da fase reprodutiva da soja, por alimentarem-se dos grãos ou sementes, o que compromete a produtividade da lavoura e a qualidade da soja produzida, reduzindo o valor que o produtor receberá na indústria. A estratégia comumente utilizada para controlar essas pragas tem sido o controle químico, com uso de inseticidas sintéticos. Porém, sua utilização abusiva e de forma preventiva acarreta aumento nos custos de produção, promove a seleção de percevejos resistentes, elimina seus inimigos naturais e pode deixar resíduos nos grãos produzidos, além de contaminar o aplicador e o ambiente.

Até a última safra o produtor contava com apenas algumas poucas ferramentas de manejo para o controle do percevejo, o que, na prática, se restringia ao uso de inseticidas químicos. Mesmo os inseticidas, apesar das diferentes marcas comerciais existentes, podiam ser reunidos em apenas dois grupos, de acordo com o seu modo de ação: 1) Os inseticidas do grupo 1 (inibidores da acetilcolinesterase), que na prática é o acefato, e 2) Os inseticidas formados por misturas de um neonicotinoide (grupo 4: moduladores competitivos de receptores nicotínicos da acetilcolina) com um piretroide (grupo 3: moduladores de canais de sódio). Com essa pequena diversidade de opções, a rotação de produtos de modos de ação diferenciados ficava comprometida.

O uso repetido do mesmo grupo de modo de ação associado ao uso abusivo desses inseticidas, o que em algumas regiões pode chegar a até três ou mais aplicações por safra, levou à seleção de populações de percevejos resistentes. A ocorrência de populações de percevejos resistentes aos inseticidas disponíveis no mercado é um dos grandes problemas atualmente enfrentados pelo agricultor. Entretanto, para a safra 2020/2021 que se inicia, o sojicultor conta com algumas novidades, que serão importantes aliadas para um melhor manejo de percevejos no campo.

Uma das novidades reside na entrada de novos produtos químicos no mercado com diferentes modos de ação. Isso facilita o manejo de resistência de percevejos aos inseticidas. Com a oferta de um novo inseticida (etiprole) com modo de ação (bloqueador de canais de cloro mediados pelo Gaba) pertencente a um grupo diferente (grupo 2) do grupo 1 ou grupo 4 + 3, que eram os únicos disponíveis até o momento, o produtor pode mais facilmente rotacionar o modo de ação no uso de inseticidas para controle de percevejos em sua área.

Outro fato novo é o registro de cultivares de soja tolerantes ao ataque de percevejos (tecnologia Block). Também se soma às novas alternativas o registro do primeiro bioproduto com um agente de controle biológico (Telenomus podisi) para manejo dos ovos de percevejos.

Essas novidades, se utilizadas dentro dos conceitos de manejo integrado de pragas (MIP-Soja), irão marcar um novo momento na sojicultora, com resultados mais eficientes no manejo de percevejos pelo produtor.

Figura 1 - Comparativo dos grãos em diferentes intensidades de infestação
Figura 1 - Comparativo dos grãos em diferentes intensidades de infestação

Soja Block

Principalmente para áreas com histórico recorrente de problemas com percevejos é importante que, a partir do momento do plantio, o sojicultor possa optar por utilizar cultivares mais tolerantes ao ataque da praga. Para tornar isto possível, a Embrapa, através do melhoramento genético convencional, selecionou cultivares de soja que apresentam maior tolerância ao ataque de percevejos. Assim, em 2019 foi lançada no mercado brasileiro a tecnologia Block.

Essa tecnologia identifica as cultivares de soja que apresentam menor perda de produção quando submetidas ao ataque intenso de percevejos, comparativamente às cultivares sem a tecnologia Block. São cultivares que, como pode ser observado na Figura 1, têm alto potencial produtivo, comparado aos melhores padrões do mercado. Além da alta produtividade, quando submetidas a populações mais altas de percevejos, não terão sua produção comprometida com a presença de grãos chochos e danificados na mesma intensidade das cultivares sem a tecnologia.

Essas cultivares são oferecidas associadas ou não a outras tecnologias. Sendo assim, já é possível encontrar cultivares Block como soja Bt, soja RR ou mesmo soja convencional (para mais informações sobre a Tecnologia Block, consulte https://www.embrapa.br/en/soja/block).

Adulto do percevejo-marrom (Euschistus heros)
Adulto do percevejo-marrom (Euschistus heros)

Telenomus podisi

Telenomus podisi é um inseto parasitoide de ovos de percevejos, naturalmente encontrado no ambiente. O adulto desse inseto é uma microvespa (~1mm) que se desenvolve (de ovo a adulto) dentro dos ovos do percevejo hospedeiro, matando-o e impedindo a emergência de ninfas. Sendo assim, no ovo parasitado, ao invés da emergência de uma ninfa de percevejo, emerge um adulto do parasitoide, que continuará parasitando e controlando novos ovos de percevejo durante sua vida adulta. Esse parasitoide é um agente de controle biológico bastante eficaz no controle do percevejo-marrom, sendo que uma fêmea adulta do parasitoide pode parasitar até 100 ovos deste inseto-praga.

Considerando que a quantidade de T. podisi na natureza pode ser insuficiente para manter a população de percevejos em níveis baixos, o produtor já pode comprar esse parasitoide e liberar em sua lavoura. Isso deve-se ao fato de que após anos de pesquisa foi registrado, em dezembro de 2019, o primeiro bioproduto com esse agente de controle biológico no Brasil. Portanto, a partir da safra 2020/2021 em vias de estabelecimento, a oferta e o uso dessa nova ferramenta de manejo devem aumentar gradativamente nas diferentes regiões.

É importante que o sojicultor que fizer uso dessa “vespinha” no campo fique atento a algumas de suas peculiaridades. Como esse parasitoide não controla o percevejo e sim os ovos que darão origem aos percevejos, o momento certo de sua utilização no campo é crucial para seu sucesso. A pesquisa recomenda iniciar a liberação dessas microvespas quando for detectada a presença dos primeiros adultos dos percevejos nas lavouras, realizando duas a três aplicações no intervalo de sete dias. Isso aumentará as chances de coincidir a presença do parasitoide no campo com seus hospedeiros, que são os ovos de percevejos.

A liberação do parasitoide é realizada usualmente no estádio de pupa. Essas pupas podem ser distribuídas no campo de forma avulsa ou protegidas dentro de cápsulas contendo ovos parasitados pela vespinha, que devem ser distribuídos estrategicamente na área, em pontos equidistantes. É importante que essa liberação seja realizada o mais próximo possível da emergência dos adultos, evitando-se dias muito quentes (o final da tarde é o período usualmente mais indicado) para reduzir a mortalidade dos parasitoides. Também, é importante considerar que essas vespinhas são organismos vivos, razão pela qual deve-se evitar aplicações de inseticidas na área onde ocorreu a liberação dos parasitoides, pelo menos dez dias antes e duas semanas após a liberação desses parasitoides.

Logo após sua emergência no campo, as fêmeas do parasitoide irão localizar os ovos dos percevejos e depositar neles seus ovos, interrompendo o desenvolvimento da praga e dando início ao desenvolvimento de um novo parasitoide. Os ovos parasitados levam cerca de duas semanas para darem origem a uma nova população de “vespinhas”, cujas fêmeas são copuladas e saem em busca de novas posturas do percevejo para parasitá-los, evitando o nascimento de mais percevejos-praga.

Agente de controle biológico (Telenomus podisi) é uma das ferramentas para o manejo dos ovos de percevejo
Agente de controle biológico (Telenomus podisi) é uma das ferramentas para o manejo dos ovos de percevejo

Manejo de resistência

É natural e esperado que existam na natureza percevejos resistentes. Entretanto, quando esses insetos são manejados corretamente, aqueles considerados resistentes serão minoria na população e sua presença não comprometerá a eficiência do controle. Entretanto, quando um inseticida com o mesmo modo de ação é usado repetida e abusivamente na lavoura, os insetos resistentes serão os únicos a sobreviver. Cruzando entre si, esses insetos resistentes irão se multiplicar e passar a ser maioria na população, quando então o inseticida não mais irá funcionar. Para evitar a seleção de insetos resistentes é preciso adotar algumas medidas de manejo de resistência.

A principal consiste na rotação de produtos de diferentes modos de ação. Isto, até a safra passada, era mais difícil de ser realizado devido à existência de poucos grupos de inseticidas com modos de ação diferentes. Com a oferta do etiprole no mercado, a partir da nova safra que se aproxima haverá mais um grupo distinto de modo de ação que pode ser usado na rotação com os outros produtos do mercado e assim auxiliar no manejo de resistência de percevejos aos inseticidas. O ideal seria que a cada aplicação necessária no campo, o sojicultor adotasse um inseticida com modo de ação diferente (para consultar o grupo de modo de ação de um inseticida, acesse https://www.irac-br.org/modo-de-acao).

Figura 2 - Ação de Telenomus podisi em ovos de percevejo
Figura 2 - Ação de Telenomus podisi em ovos de percevejo

Bioproduto tem como alvo os ovos da praga
Bioproduto tem como alvo os ovos da praga

Manejo Integrado de Pragas para Percevejos

É importante relembrar que qualquer estratégia de manejo de pragas (nova ou antiga) somente será eficiente a longo prazo se adotada dentro dos conceitos de MIP-Soja. Os resultados positivos com a adoção de MIP-Soja vão além de pesquisas e já podem ser observados no campo em áreas de produtores que adotam a tecnologia. No estado do Paraná, o MIP-Soja é levado ao produtor em um trabalho conjunto entre o Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná - Iapar-Emater (IDR-Paraná) e a Embrapa Soja. Os resultados dos primeiros cinco anos do MIP-Soja indicaram economia no uso de inseticidas entre 43,2% (safra 2016/2017) e 55,9% (safra 2017/2018).

No sexto ano do projeto (safra 2018/2019), os resultados foram separados para as áreas cultivadas com soja Bt e soja não Bt. Foi observada uma redução de 48,8% no uso de inseticida devido à adoção do MIP-Soja em áreas de soja não Bt e uma redução de 53,6% em inseticidas em áreas de soja Bt.

Essa redução no uso de inseticidas economizou o valor equivalente a duas sacas de soja de 60kg/ha nessa safra. Em geral, a grande vantagem do MIP-Soja é a possibilidade de reduzir o uso de inseticidas sem nenhuma perda de produtividade. Assim, aqueles agricultores que adotaram o MIP-Soja no estado do Paraná, economizaram um valor equivalente entre 1,8 (safra 2016/2017) e três sacas de soja de 60kg por hectare/ano (safra 2014/2015), ao longo dos seis anos de vigência do projeto. Isto se traduz em maiores lucros para os produtores e, também, benefícios para o ambiente.

A adoção do MIP-Soja não apenas reduziu o uso total de inseticidas, como também atrasou a primeira aplicação de inseticidas. Na média, no Paraná, a primeira pulverização de inseticida nas áreas que não utilizaram o MIP-Soja foi realizada entre 33 dias e 43,6 dias após a semeadura. Essa primeira aplicação nas lavouras com MIP-Soja ocorreu apenas entre 60 dias e 78,7 dias após a semeadura.

Da mesma forma, na safra 2018/2019 na média do estado do Paraná, a primeira pulverização de inseticida ocorreu 38,7 dias e 48,7 dias após a semeadura da soja não Bt e Bt, respectivamente, enquanto a primeira pulverização de inseticida nas áreas de MIP foi realizada 66,2 dias e 80,8 dias após a semeadura da soja não Bt e Bt, respectivamente.

Esse maior período sem inseticidas na lavoura permite maior preservação dos inimigos naturais das pragas, o que auxilia na manutenção do seu controle. As novidades de manejo de percevejos ofertadas no mercado deverão aumentar ainda mais o sucesso do MIP e consequentemente seus benefícios. É importante salientar que outras novas tecnologias de controle de percevejos estão em vias de desenvolvimento e deverão estar disponíveis em um futuro próximo, como o uso de RNAi, microbiológicos, entre outras. Todas deverão ser integradas no MIP-Soja para garantir o sucesso e a sustentabilidade de sua utilização ao longo das safras.

Bueno e Dall'Agnol estão otimistas com a chegada de novas tecnologias
Bueno e Dall'Agnol estão otimistas com a chegada de novas tecnologias

Adeney de Freitas Bueno e Amélio Dall’Agnol, Embrapa Soja

Cultivar Grandes Culturas Outubro 2020

A cada nova edição, a Cultivar Grandes Culturas divulga uma série de conteúdos técnicos produzidos por pesquisadores renomados de todo o Brasil, que abordam as principais dificuldades e desafios encontrados no campo pelos produtores rurais. Através de pesquisas focadas no controle das principais pragas e doenças do cultivo de grandes culturas, a Revista auxilia o agricultor na busca por soluções de manejo que incrementem sua rentabilidade. 

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