Qual a velocidade ideal para semeadura

Apesar dos avanços nos sistemas de distribuição de sementes, as falhas são comuns, por conta do uso de velocidade inadequada do conjunto trator/semeadora

16.10.2020 | 20:59 (UTC -3)
Revista Cultivar

A escolha da variedade foi feita, a área está pronta pra receber a semente, o trator com manutenção em dia, semente tratada e semeadora azeitada e regulada. É a hora de entrar na lavoura e dar início à próxima safra. A condição de trabalho é boa, sem umidade excessiva no solo, palha bem distribuída na superfície e mecanismos dosadores e de ataque ao solo bem calibrados. Então, vamos supor que erremos num fator crucial: a escolha da marcha do trator ou da velocidade de semeadura. Ao fazer esta escolha equivocada, colocamos em risco todos os bons fatores mencionados anteriormente, pois a velocidade de semeadura pode determinar simplesmente a qualidade da deposição de sementes (espaçamento e profundidade), a demanda por tração e o potencial erosivo da lavoura ali instalada.

Dentre os diversos fatores que afetam a qualidade do processo de semeadura direta está a velocidade de deslocamento. A principal questão está relacionada à demanda de trabalho por ocasião do plantio de grandes culturas, às quais o período recomendado para execução da atividade é restrito, determinado principalmente pelas condições climáticas, expressivamente as condições de umidade do solo e recomendações agronômicas de período de semeadura para cada cultura agrícola.

Aliar qualidade na semeadura com capacidade operacional capaz de suprir a demanda de trabalho na janela de semeadura é o principal ponto a ser equalizado. Velocidades mais elevadas aumentam a capacidade operacional do equipamento, o que reduz custos operacionais, mas podem comprometer o sucesso da semeadura. Diversos trabalhos vêm sendo conduzidos e em sua maioria atestam que a variabilidade na distribuição e falhas na emergência da cultura ocasionadas pela elevação da velocidade são causas de queda no rendimento.

Além da qualidade de deposição de sementes, por vezes tratada como “plantabilidade”, outros fatores intimamente relacionados à velocidade de semeadura são a uniformidade de profundidade de deposição de sementes - que tende a ser mais desuniforme em maiores velocidades -, a demanda por esforço de tração e a mobilização e revolvimento excessivos do solo.

Para semeadura de culturas com precisão são comumente utilizadas semeadoras que utilizam dosadores de sementes de disco alveolado ou pneumáticos de pressão negativa (vácuo). Com a evolução tecnológica, surgem no mercado alternativas para maximizar a individualização de sementes e aumentar a velocidade de semeadura. Hoje, existem no mercado mecanismos que prometem semear até a 16km/h sem perder qualidade de deposição. Obviamente tratam-se de condições específicas, não comuns a todas as lavouras e produtores.

É comum encontrar produtores ou técnicos que fazem experimentos dentro da propriedade, visando identificar até que ponto pode-se elevar a velocidade de semeadura. Mas como fazer esta avaliação? Normalmente utilizam-se critérios como: espaçamentos aceitáveis, duplos ou falhos, coeficiente de variação, índice de enchimento do dosador, redução no estande em relação ao esperado, entre outros.

Como avaliar a distribuição de sementes

De maneira geral, são considerados espaçamentos aceitáveis aqueles que ficam entre 0,5 e 1,5 veze o espaçamento teórico nominal. Por exemplo: se a densidade de semeadura desejada é de dez sementes por metro, o espaçamento entre sementes teórico é de 10cm. Então, serão considerados aceitáveis todos os espaçamentos que ficarem entre 5cm e 15cm. Aqueles que ficarem abaixo são considerados duplos, e acima de 15cm, falhos. A análise deve ser realizada em uma amostra representativa, recomendando-se não menos que 100 sementes ou, no exemplo acima, tomaríamos dez amostras de um metro cada. Para a cultura do milho, por exemplo, sendo semeado com semeadoras pneumáticas, o percentual de aceitáveis esperado deve ser próximo de 100. Por outro lado, para a cultura da soja semeada com semeadoras de disco alveolado horizontal, esperam-se valores mínimos de 60% de espaçamentos aceitáveis.

A comparação entre mecanismos dosadores de disco alveolado e pneumáticos é estudada com frequência. Autores e produtores têm verificado que o mecanismo dosador pneumático apresenta melhores resultados em comparação com dosadores de disco alveolado. Entretanto, os resultados são contraditórios, e por vezes mostram que os dosadores de disco alveolado não sofrem com a elevação da velocidade de deslocamento. A maioria dos estudos com semeadoras equipadas com estes tipos de mecanismos concentra-se na velocidade de deslocamento e não na velocidade periférica do disco. Deste ponto, pode-se dizer que quanto mais furos tiver o disco dosador, menor será a sua velocidade periférica e, teoricamente, melhor a distribuição de sementes.

Mas, aqui fica uma ressalva: de nada adianta termos um disco com mais furos se estes não forem adequados ao tamanho da semente. Cabe ao produtor, técnico ou operador selecionar o disco dosador que melhor se adapta àquela variedade. É comum encontrar no campo, discos trabalhando com anel corretor inadequado ou com tamanho do alvéolo muito grande ou muito pequeno.

Na Tabela 1 são mostrados os resultados de um experimento em que foram avaliados quatro mecanismos dosadores, dois pneumáticos e dois de disco alveolado em diferentes velocidades de semeadura. Na simulação da semeadura do milho, não houve diferença entre os dosadores para velocidades de semeadura de até 7,5km/h, embora um dos dosadores de disco alveolado tenha tido um desempenho sensivelmente inferior aos demais. Para a soja, os mecanismos dosadores pneumáticos apresentaram melhores resultados, sendo que os de disco alveolado não apresentaram diferenças significativas entre si, tendo desempenho ruim, independentemente da velocidade.

Em relação à velocidade periférica do disco, na semeadura do milho, para a velocidade periférica de 0,09m/s não houve diferença entre os quatro mecanismos dosadores de sementes, o que também aconteceu com 0,28m/s de velocidade periférica do disco. A diferença entre os mecanismos dosadores se mostrou mais acentuada na velocidade periférica de 0,38m/s, sendo que os percentuais de espaçamentos aceitáveis entre sementes de milho foram elevados, denotando boa regularidade de distribuição de sementes, mesmo nas maiores velocidades periféricas. O percentual de espaçamentos aceitáveis caiu de 92,8% para 67,5% em média para os quatro mecanismos dosadores.

Para a cultura da soja, ao se elevar a velocidade de semeadura, o sistema pneumático apresentou melhor desempenho em comparação ao sistema de disco alveolado horizontal. Esta queda mais acentuada na regularidade de distribuição dos dosadores de disco alveolado é devido à elevação da velocidade tangencial dos discos, causada pelo aumento da velocidade de deslocamento. Como a relação de transmissão entre o dosador e a roda motriz permanece a mesma, a velocidade tangencial do dosador aumenta na mesma proporção da velocidade de deslocamento, o que prejudica a individualização das sementes pelo mecanismo dosador. Em maiores velocidades de deslocamento, pode ocorrer decréscimo no índice de enchimento do mecanismo dosador de sementes.

Para a VP de 0,09m/s, não houve diferença entre os quatro mecanismos dosadores de sementes, o que também aconteceu com 0,28m/s de velocidade periférica do disco. Observando as médias da interação entre os fatores mecanismos dosadores e VPs do disco, nota-se que a variável percentual de espaçamentos aceitáveis reduziu em apenas 9% para o dosador DP1 e em 35% e 31% para os dosadores DDH1 e DDH2, respectivamente, o que ilustra uma maior capacidade de suportar maiores velocidades periféricas dos dosadores pneumáticos.

Esforço de tração e mobilização de solo

Sem dúvida, a principal preocupação “prática” do produtor – além, óbvio, de comprar uma boa máquina – é se o seu trator será capaz de puxar aquela semeadora. Esta também é uma preocupação do fabricante e, em função disso, é normal que os fabricantes superestimem a demanda de tração para que não ocorra o inconveniente do trator “apanhar” com aquela máquina. É comum encontrarmos no campo tratores com quase o dobro da potência necessária para aquela semeadora (Figura 3). Obviamente o fabricante faz esta estimativa considerando as piores condições possíveis, por isso é compreensível que a demanda seja estimada para mais.

A demanda de tração está intimamente relacionada à velocidade de semeadura. Ao aumentarmos a velocidade, para um mesmo esforço de tração, estamos elevando a demanda de potência. Diante do exposto, sempre que possível é recomendável optar por semeadoras um pouco maiores e trabalhar mais devagar. Obviamente obedecendo a recomendação do fabricante na relação trator/semeadora. Outro fator importante e determinante é a carga dos reservatórios de sementes e fertilizantes. Hoje em dia é comum optar por realizar a adubação em uma operação separada da semeadura. A ressalva fica por conta da “não mobilidade” de alguns fertilizantes que acabam, desta forma, se concentrando na camada superficial do solo. Outros fatores, não menos importantes, são o tipo de sulcador, a classificação do solo e o relevo da região, o tipo e a quantidade de pneus (simples ou duplos) e a lastragem adequada.

Outro ponto a considerar é que, quase que invariavelmente, acréscimos na velocidade de semeadura aumentam o volume de solo mobilizado e revolvido, o que acaba tornando a área mais suscetível a processos erosivos. Neste sentido, é importante que o produtor ou operador opte, sempre que possível, por realizar a semeadura em nível, evitando que a água escoe no interior do sulco e ganhe velocidade, aumentando o potencial erosivo.

Figura 1 - Efeito da velocidade periférica do disco na regularidade de distribuição de sementes de milho
Figura 1 - Efeito da velocidade periférica do disco na regularidade de distribuição de sementes de milho

Figura 2 - Efeito da velocidade periférica do disco na regularidade de distribuição de sementes de soja; DP2: dosador pneumático; DDH2: dosador de disco alveolado
Figura 2 - Efeito da velocidade periférica do disco na regularidade de distribuição de sementes de soja; DP2: dosador pneumático; DDH2: dosador de disco alveolado

Figura 3 - Potência específica (cv/linha) em 20 propriedades amostradas no Oeste do Rio Grande do Sul
Figura 3 - Potência específica (cv/linha) em 20 propriedades amostradas no Oeste do Rio Grande do Sul

Opiniões finais

Diante do exposto, fica a dica: não se deve simplesmente elevar a velocidade de semeadura independentemente do mecanismo dosador, da condição de solo, do trator etc. Cada produtor deve ter ciência da sua condição operacional e então adequar a velocidade de trabalho à sua lavoura. Deficiências no contato solo/semente, recobrimento e excesso ou falta de compactação da semente podem ser ocasionados pela escolha equivocada da velocidade. Como dito anteriormente, a simples escolha equivocada “de marcha” pode trazer prejuízos consideráveis na instalação da lavoura, que, certamente, irão se refletir no desenvolvimento da cultura e na produtividade.

 Velocidade de deslocamento do conjunto trator/semeadora interfere na qualidade da distribuição
Velocidade de deslocamento do conjunto trator/semeadora interfere na qualidade da distribuição

Efeito da velocidade de semeadura no volume de solo revolvido e exposto: 6km/h (acima); 8km/h (centro) e 10km/h (abaixo)
Efeito da velocidade de semeadura no volume de solo revolvido e exposto: 6km/h (acima); 8km/h (centro) e 10km/h (abaixo)

Vilnei de Oliveira Dias, Sueli Kullmann, Vanessa Bassin Cogo, (Lamap/Unipampa Alegrete)

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