Uso de sistema de navegação global por satélites na agricultura

O uso do sistema de navegação global por satélites na agricultura possibilita um grande salto no modo de conduzir as culturas

21.09.2020 | 20:59 (UTC -3)
Revista Cultivar

O instrumento mais antigo criado para ajudar o homem na localização e navegação foi a bússola, no século 11. Essa criação chinesa foi um marco para a navegação marítima. Outro momento muito importante para o desenvolvimento das técnicas de navegação foi durante a Segunda Guerra Mundial, quando o homem ampliou muito seu domínio sobre as ondas via rádio, desenvolvendo a radionavegação, porém os sistemas de localização dessa época ainda não permitiam obter o posicionamento global e mudanças no relevo ou interferências eletrônicas prejudicavam sua exatidão.

Após a criação de diversas tecnologias, surgiram na década de 1970 os primeiros sistemas de posicionamento por satélites com cobertura global, denominados de GNSS (Global Navigation Satellite Systems – Sistemas de Navegação Global por Satélites). O primeiro destes foi o Navstar GPS, ou apenas GPS (Global Positioning System - Sistema de Posicionamento Global), sistema americano, que por ser o primeiro e mais famoso, erroneamente utilizamos o termo GPS para descrever qualquer GNSS. Além do sistema americano, também na década de 1970, surgiu o sistema russo denominado Glonass (atualmente operante) e na década de 2000, o Galileo, da União Europeia, e o chinês BeiDou, ambos em fase final de desenvolvimento.

O GNSS é composto, de maneira geral, por três segmentos: 1) segmento espacial, composto por diversos satélites em órbita na Terra; 2) estações de controle em solo para monitoramento das órbitas dos satélites e seus relógios internos (atômicos), corrigindo ao menos duas vezes ao dia quaisquer divergências; e 3) segmento de usuários, o qual é composto pelos receptores usados para as mais diversas funções. Esses receptores têm a função de decodificar as informações oriundas dos satélites e, por meio de cálculos, fornecer a localização do usuário. Altamente difundidos, os equipamentos GNSS são muito utilizados na agricultura para a navegação a um determinado ponto na lavoura, gestão remota de máquinas, piloto automático e inúmeras outras funções.

Sistema RTK garante maior precisão da localização
Sistema RTK garante maior precisão da localização

FUNCIONAMENTO

No caso do sistema GPS, os satélites emitem ondas de rádio chamadas bandas “L1” e “L2”, de frequências 1.575,42MHz e 1.227,60MHz, respectivamente. A banda L1 é portadora dos códigos de “Aquisição grosseira” (Coarse Acquisition – C/A) e “Preciso” (Precise - P), enquanto L2 traz apenas o código “Preciso” (P). Ambas as bandas são moduladas de forma binária, contendo informações do satélite e o momento exato que foram emitidas, determinado pelos seus relógios atômicos internos. O receptor, com essas informações, calcula o tempo (t) que a onda demorou para chegar até sua antena receptora. Conhecendo a velocidade dessas ondas (c), a da luz, podemos calcular a distância (d) entre o receptor e o satélite (d = c * t).

Com a distância e a posição do satélite no espaço, forma-se uma esfera imaginária de raio R1, assim como visto na Figura 1, a qual o receptor pode estar em relação ao satélite. Com um segundo satélite tem-se outra esfera de raio R2 e então a intersecção das esferas R1 e R2 forma uma circunferência de possível posição do receptor. Adicionando um terceiro satélite, sua respectiva esfera R3 intercepta a circunferência, gerando dois pontos possíveis. Por fim, com um quarto satélite e sua esfera R4, encontra-se uma única posição onde o usuário deve estar, determinando assim sua longitude, latitude e altitude.

Cabe ressaltar que quanto mais afastados entre si os satélites, melhor a qualidade da triangulação realizada. A precisão associada a tal distanciamento é chamada de DOP (Dilution of Precision – Diluição da Precisão), podendo ser expressada de diferentes formas, como a HDOP que diz respeito à diluição da precisão horizontal, a VDOP relativa à precisão vertical e a PDOP, correspondente à precisão nas três dimensões.

EXATIDÃO NO POSICIONAMENTO

A exatidão da localização depende do receptor, pela qualidade de sua fabricação, pelo código digital que é utilizado, podendo ser somente (C/A) ou (C/A) junto de (P), além de seu uso, militar ou civil. Há ainda fatores que causam erros no posicionamento como a perda ou a degradação do sinal, erro nos relógios e desvio dos satélites de suas órbitas. A Ionosfera e a Troposfera, camadas da Atmosfera, possuem partículas carregadas eletricamente e partículas de água, respectivamente. Quando a onda de rádio encontra essas, sofre redução em sua velocidade, levando a erro no posicionamento.

O erro nos relógios faz com que haja um equívoco no cálculo do tempo percorrido pela onda, gerando uma distância satélite-receptor incorreta. As forças gravitacionais da Lua e do Sol “puxam” os satélites, desviando-os de sua órbita planejada; fatores esses que causam um erro no posicionamento de, segundo o governo americano, 3m horizontais e 5m verticais para receptores C/A, desconsiderando erros do próprio receptor. Por fim, edifícios e montanhas refletem as ondas e causam os mais variados erros no posicionamento, entretanto para a agricultura não costumam ser um problema, mas árvores, rios e lagos, sim.

 

Figura 1 - Triangulação a partir de 4 satélites permitem o cálculo da posição do receptor GNSS (ponto vermelho). (Fonte: dos autores)
Figura 1 - Triangulação a partir de 4 satélites permitem o cálculo da posição do receptor GNSS (ponto vermelho). (Fonte: dos autores)

Figura 2 - Dados de produtividade de parte de um talhão de cana-de-açúcar. (Fonte: dos autores)
Figura 2 - Dados de produtividade de parte de um talhão de cana-de-açúcar. (Fonte: dos autores)

Figura 3 - Exemplo de grade amostral, onde cada ponto amarelo representa uma amostra de solo composta que será enviada para laboratório. (Fonte: dos autores)
Figura 3 - Exemplo de grade amostral, onde cada ponto amarelo representa uma amostra de solo composta que será enviada para laboratório. (Fonte: dos autores)

CORREÇÃO DE SINAIS

Em diversas operações agrícolas, como no direcionamento de máquinas, receptores comuns (código C/A), com erros de 3m (horizontais) no posicionamento, são indesejados. Por isso empregam-se receptores mais precisos que utilizam as duas frequências, L1(C/A e P) e L2(P), garantindo precisão submétrica e, se submetidos à correção diferencial de sinal, podem chegar a exatidão na ordem de 2cm a 3cm. A correção diferencial costuma ser empregada nos sistemas de piloto automático, principalmente, garantindo com que a máquina passe no local correto, evitando problemas como alteração do espaçamento entre linhas de semeadura, pisoteio de linhas de plantio, falhas de aplicação, entre outros.

O sistema mais famoso de correção é o RTK (Real-Time Kinematic), o qual utiliza uma antena móvel (denominada “base”), colocada em coordenadas conhecidas (marco geodésico ou estação móvel), a qual sintoniza os mesmos satélites do receptor e compara as coordenadas conhecidas com as calculadas pelo GNSS, enviando os dados de erro ao receptor (chamado de rover), o que aumenta sua exatidão na estimativa de sua posição no terreno. Geralmente essa informação de correção é transmitida por link de comunicação via rádio, o qual apresenta limitação de distância de 20km em visada direta.

Contudo, para reduzir problemas de comunicação devido ao relevo acidentado ou distâncias maiores entre base e rover, é possível a utilização de repetidores de sinal de rádio. Porém, ressalva importante é que quanto mais distante a base estiver do rover, menor será a eficiência do sistema de correção, uma vez que as condições atmosféricas e climáticas podem variar significativamente entre a posição da base e do rover, assim como diferentes satélites serem sintonizados por eles.

Sistema semelhante de correção de sinal pode utilizar satélites geoestacionários para transmitir a informação de correção da posição ao invés de um link de rádio, tecnologia esta que recebe o nome genérico de SBAS (Satellite based augmentation system). Esse tipo de correção é geralmente provido por empresas que comercializam receptores GNSS e podem ou não cobrar algum valor para liberar o código de correção nos diversos níveis disponíveis. A principal vantagem, nesse caso, é que o usuário (agricultor) não precisa se preocupar com a manutenção das bases de referência do RTK.

Aplicações de GNSS na agricultura

O GNSS é componente essencial das tecnologias para direcionamento de máquinas agrícolas comercialmente disponíveis, isto é, barra de luz e piloto automático. As barras de luzes apareceram em 1995 na aviação agrícola, principalmente para a aplicação de agroquímicos. Esse sistema consiste em um receptor GNSS que usa a definição de uma linha de trabalho a partir de uma primeira passada e da largura de trabalho da máquina, definindo, assim, linhas paralelas a serem seguidas pelo operador da máquina. Para tal, as luzes de uma barra de LEDs (daí o nome barra de luz) se acendem conforme a máquina desvia das linhas programadas, indicando ao operador a direção a se tomar para corrigir a trajetória. Tal sistema é muito utilizado em adubadoras a lanço e pulverizadores.

Tecnologia mais exata que a barra de luz é o direcionamento de máquinas por meio do sistema de piloto automático, uma vez que não depende do operador para direcionar a máquina durante a operação na lavoura. Esse controle pode ser feito por atuadores eletro-hidráulicos diretamente nas rodas, por um motor na coluna de direção ou mesmo por atrito, onde um motor encostado no volante rotaciona o mesmo. Com isso, o operador da máquina pode monitorar as outras funções e os ajustes da máquina, geralmente tomando o controle apenas nas manobras de cabeceira.

No âmbito da agricultura de precisão, o GNSS tem papel fundamental. Um exemplo disso é no monitoramento da produtividade das culturas. Em conjunto a sensores acoplados nas colhedoras, o GNSS permite georreferenciar a produção da cultura ao longo das áreas, permitindo a confecção de mapas de produtividade como o da Figura 2. Essa informação é importante para a identificação dos fatores limitantes à produção das plantas e pode ter papel fundamental na tomada de decisão de manejo localizado seguindo os preceitos da agricultura de precisão.

Outro grande uso de GNSS na agricultura de precisão é a amostragem georreferenciada de plantas, pragas ou solo. Ou seja, a coleta de amostras, geralmente em grade, ilustrada na Figura 3, as quais possuem localização definida por GNSS, possibilitando, para o caso da amostragem de solos, a geração de mapas de fertilidade do solo e, assim, a adubação em doses variadas. 

João Vítor Fiolo Pozzuto, Joaquim Pedro de Lima, Thiago Luis Brasco, Lucas Rios do Amaral, FEAGRI/UNICAMP

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