​Vale do São Francisco é região propícia para a mosca-da-carambola

Mosca é capaz de se estabelecer em áreas irrigadas do Semiárido

27.07.2017 | 20:59 (UTC -3)
Marcos Vicente

Recente estudo evidenciou condições favoráveis para uma potencial adaptação da mosca-da-carambola (Bactrocera carambolae) em dois perímetros irrigados do Vale do Rio São Francisco: Bebedouro, em Petrolina (PE), e Mandacaru, em Juazeiro (BA). Trata-se do primeiro trabalho científico que evidencia a possibilidade de adaptação do inseto fundamentado em fatores climáticos de duas áreas irrigadas nessa região do Semiárido. O resultado é particularmente valioso porque o Vale do São Francisco abriga importante polo produtor e exportador de frutas. Realizado em parceria entre Embrapa Meio Ambiente, Embrapa Gestão Territorial, ambas no Estado de São Paulo, e Embrapa Semiárido, em Pernambuco, o estudo recomenda o monitoramento da praga na região.

No Brasil, a mosca-da-carambola foi detectada e restrita somente aos estados de Roraima, Amapá e norte do Pará (divisa com sul do Amapá), onde ações do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) são realizadas visando à erradicação e barrando a dispersão para novas áreas. Especialistas da Embrapa, que executam ações dentro do programa do Mapa, já listaram 21 espécies vegetais que podem servir de hospedeiras alternativas para o inseto, incluindo espécies nativas. A preocupação com regiões exportadoras de frutas é grande, pois a presença da praga pode ser utilizada como barreira fitossanitária para países que compram frutas brasileiras.

Ao contrário do que previam estudos recentes, que não contemplaram condições climáticas específicas promovidas pelo uso de irrigação na região semiárida, este trabalho considerou nas análises de dados temperatura média (Tmed) e umidade relativa média (URmed) anuais das estações meteorológicas localizadas em duas áreas irrigadas de perímetros. A pesquisa também utilizou informações climáticas das áreas já atacadas por mosca-da-carambola no Estado do Amapá e estudos recentes de condições de adaptabilidade do inseto em uma de suas fruteiras hospedeiras presentes na região.

Esses resultados fundamentaram cruzamentos georreferenciados que permitiram traçar o mapa de áreas brasileiras com potencial para o inseto. Os dados obtidos evidenciaram condições ótimas para o estabelecimento do inseto, como também condições marginais, as quais, embora não sejam ideais para a praga, também são capazes de a abrigar. Caso o inseto saia das áreas em que está sendo contido pelo Mapa, encontrará ambiente favorável ao seu desenvolvimento nessas áreas de perímetros irrigados do Semiárido especialmente por causa da oferta de fruteiras hospedeiras preferenciais: goiaba, acerola e manga. Os pesquisadores também chamam a atenção para o recente registro de hospedeiros nativos da praga presentes na região Amazônica, o que potencializaria o risco de dispersão.

Como o inseto se estabelece preferencialmente em locais com alta umidade relativa do ar, o clima do Semiárido, com baixas precipitações de chuva e baixas umidades relativas anuais, era considerado uma barreira natural para a praga. No entanto, o estudo revelou que, apesar das baixas pluviosidades, o uso de irrigação por aspersão convencional e microaspersão gera condições climáticas propícias para a adaptação do inseto.

Com isso, a pesquisa evidenciou que a influência da irrigação no microclima pode criar condições para que uma região passe de pouco favorável para adequada ao potencial estabelecimento de uma praga. As alterações no microclima também podem interferir nas ações de controle, por isso os pesquisadores recomendam que elas sejam consideradas nas estratégias de Manejo Integrado de Pragas (MIP).

Os perímetros irrigados de Bebedouro e Mandacaru são os mais antigos da Região Integrada de Desenvolvimento (RIDE) e fazem parte dos Polos de Desenvolvimento Tecnológico da Fruticultura Irrigada do Vale do São Francisco. A pesquisa apreciou os dados, de 1965 a 2014, de duas estações meteorológicas localizadas nesses dois perímetros irrigados. Foram consideradas as características biológicas do inseto e suas faixas de desenvolvimento ótimo.

A pesquisadora da Embrapa Maria Conceição Pessoa, uma das autoras do estudo, informa que os índices das médias de temperatura e umidade relativa observadas nos dois perímetros indicaram condições favoráveis ao desenvolvimento de fases imaturas do inseto, com maiores percentagens de sobrevivência e maior número médio de emergência da mosca na cultura de goiaba.

A cientista ressaltou que essas áreas de fruteiras irrigadas por microaspersão e aspersão convencional do semiárido devem ser monitoradas e consideradas nas ações estratégicas do Programa Nacional de Erradicação da Mosca-da-Carambola (Pnemc), coordenado pelo Mapa. Ela frisou que não existe indicativo de corredores que possam conduzir a praga das áreas atacadas para regiões produtoras do Médio São Francisco em curto prazo. “Entretanto, o estudo destaca a preocupação com essas áreas pela constatação de existência de novos hospedeiros alternativos nativos, identificados na Amazônia pela equipe da Embrapa Amapá ainda em 2014,” relata.

Para a pesquisadora, os indicativos sinalizam a necessidade de se redobrar a atenção e as ações preventivas em possíveis áreas de risco, com presença de novos hospedeiros, fora das áreas já priorizadas pelas ações de monitoramento em curso. “Nesse caso, a dispersão do inseto poderia ser favorecida, se não corretamente identificado nessa nova gama de plantas hospedeiras nativas”, alerta.

Uso de georreferenciamento

A equipe da Embrapa Gestão Territorial mapeou as regiões de condições ótimas e marginais de temperatura e umidade para a praga se estabelecer. O grupo também calculou a distância dessas regiões para o Vale do São Francisco e analisou as possíveis vias de dispersão da praga.

“Uma das maiores contribuições desse trabalho é subsidiar o trabalho de fiscalização do Ministério da Agricultura, que pode utilizá-lo para efetuar ações específicas voltadas à mosca-da-carambola no Vale do São Francisco”, considera Rafael Mingoti, analista da Embrapa Gestão Territorial que participou do projeto. “Sem esse estudo, a fiscalização agropecuária não tinha embasamento científico adicional para promover ações de contenção dessa praga nessa região”, comenta.

Para Mingoti, os resultados também reforçam a importância de manter a praga restrita às regiões onde hoje se encontra. “A dispersão da mosca implicaria pesados prejuízos às exportações brasileiras de fruta”, alerta.

Ameaça real à fruticultura

A mosca-da-carambola é uma das espécies de insetos-praga de maior significância para a fruticultura por prejudicar a produtividade e diminuir a qualidade dos frutos. Para a pesquisadora da Embrapa Jeanne Prado, coautora do estudo, o programa oficial de retenção da praga nas áreas já atacadas tem apresentado grande sucesso e torna-se imprescindível para minimizar impactos e evitar a dispersão.

“A entrada da praga em novas áreas, principalmente naquelas com grande concentração de hospedeiros, como manga, acerola e goiaba, seria altamente impactante. Por isso, manter as ações do Mapa, por meio do Programa de Erradicação é fundamental,” ressaltou ela.

As áreas consideradas pelo Mapa como de alto risco para disseminação do inseto-praga estão situadas nos estados do Amapá, Amazonas, Maranhão, Pará e Roraima. As de risco médio se situam no Acre, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia e Tocantins. Os demais estados são considerados de baixo risco. Contudo, como o estudo apontou potencial de adaptação nos dois perímetros irrigados analisados do Semiárido, novos trabalhos devem ser conduzidos para avaliar possíveis riscos em outras áreas do bioma, no intuito de se conhecer o potencial de adaptação da praga em grandes áreas produtoras de frutas, o que seria desastroso, de acordo com a análise dos especialistas.

Na região produtora da Bacia do Vale do Rio São Francisco, não priorizada como alto e médio risco pelo Mapa, encontram-se 32 perímetros irrigados, situados em Alagoas, Sergipe, Pernambuco, Bahia e Minas Gerais. Geridos pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), esses perímetros totalizam 150 mil hectares irrigados, distribuídos em lotes de agricultores familiares (15.476 ha), empresas (1.232 ha) e programas/projetos do governo (43 ha).

Em 2014, a produção agrícola desses perímetros foi de 2,62 milhões de toneladas, principalmente frutas – totalizando R$ 1,6 bilhão em recursos. Além do impacto econômico, é possível estimar o efeito social resultante, caso a praga se disperse além da atual área de contenção. Como agravante, Bebedouro está próximo ao perímetro irrigado Senador Nilo Coelho, aproximadamente cerca de 30 km. Neste último, existem grandes áreas contínuas de fruteiras irrigadas hospedeiras da praga. “Por essa razão, estudos preventivos mais detalhados sobre essa e outras pragas quarentenárias, fazendo uso de dados locais, foram previstos ou estão sendo conduzidos em áreas de irrigação por aspersão convencional ou microaspersão, visando auxiliar o Mapa na detecção de quais dessas áreas podem vir a necessitar de priorização para monitoramentos”, esclarece Luiz Alexandre Sá, coautor do trabalho.

Mais de duas décadas de monitoramento

A coordenadora do Programa Nacional de Erradicação da Mosca-da-Carambola (PNEMC), Maria Julia Signoretti Godoy, lembra o estudo de Viabilidade Econômica da Erradicação da mosca-da-carambola na América do Sul, implementado pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) em 1995. O estudo demonstrou os potenciais danos econômicos e ambientais que a mosca pode causar no Brasil, podendo atingir US$ 30,8 milhões no primeiro ano e US$ 92,4 milhões no terceiro ano, em caso de dispersão, considerando-se valores da época do estudo.

No estudo norte-americano, os danos ambientais referem-se aos possíveis ataques a plantas nativas da Floresta Amazônica, impactando na biodiversidade, causados pelos efeitos nocivos da utilização de controle químico. Segundo o USDA, cada dólar investido na erradicação da praga gera benefícios marginais entre US$ 65 a US$88. Maria Godoy ressalta que o estudo da Embrapa reforça o conceito de que a prevenção é a melhor e mais barata forma de controlar a praga.

“O Mapa vem controlando a praga nos últimos 21 anos no Amapá e sete anos em Roraima prevenindo a sua entrada nas demais 24 unidades da federação, e mais especificamente naqueles estados produtores e exportadores de manga, citros, goiaba, carambola e acerola,” frisa a coordenadora.

Ela explica que ações de retenção da praga, como pulverizações, técnica de aniquilamento de machos, coletas de frutos, mantêm o inseto no Amapá e protegem o Munícipio de Almeirim (PA), localizado na divisa do Amapá, Pará e baixo Amazonas.

“A prevenção, vigilância nas unidades da federação sem ocorrência da praga e ações corretivas de controle com vistas à erradicação e fiscalização do trânsito de hospedeiros em locais onde a praga foi detectada são a garantia de qualidade dos produtos no mercado interno e a das exportações da fruticultura, atividade que possui área plantada em torno de 2,5 milhões de hectares e representa cerca de cinco milhões de empregos diretos e indiretos,” ressalta Godoy.

De acordo com a coordenadora do Programa, dos 5.570 municípios brasileiros, somente 21 têm a presença da mosca-da-carambola. O principal requisito fitossanitário para abertura de novos mercados e para as atuais exportações de frutas brasileiras é a ausência do inseto nas regiões de produção.

"Esse trabalho da Embrapa é fundamental e contribui com as ações realizadas no controle e monitoramento", afirma Maria Julia Godoy, justificando que a pesquisa identifica áreas de potencial perigo para o estabelecimento da mosca-da-carambola e demonstra, com clareza, a relação custo-benefício das ações de monitoramento e controle ao mostrar que elas resultam na proteção da fruticultura nacional. Outro fruto do trabalho científico é a sensibilização das autoridades que analisam o orçamento da União no sentido de mostrar que recursos empregados nessas ações são de grande importância para a manutenção da fruticultura e para a continuidade da luta contra a praga. “Entendemos que as pesquisas são vitais, pois apoiam as ações de defesa agropecuária do País,” conclui.




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